Joana - Texto escrito baseado na música Jolene - The White Stripes
O texto foi inspirado na letra desta música:
The White Stripes
Composição: Dolly Parton
jolene jolene jolene jolene
I'm begging of you, please don't take my man
jolene jolene jolene jolene
please don't take him just because you can
your beauty is beyond compare
with flaming locks of auburn hair
with ivory skin
eyes of emerald green
your smile is like a breath of spring
your voice is soft like a summer rain
I cannot compete with you jolene
he talks about you in his sleep
there is nothing I can do to keep
from crying when he calls your name, jolene
jolene jolene jolene jolene
I'm begging of you please don't take my man
jolene jolene jolene jolene
please don't take him even though you can
well I could easily understand
how you could easily take my man
but you don't know what he means to me jolene
you could have your choice of men
but I could never love again
he's the only one for me jolene
But I had to have this talk with you
my happiness depends on you
and whatever you decide to do jolene
jolene jolene jolene jolene
I'm begging of you please don't take my man
jolene jolene jolene jolene
please don't take him even though you can
Sábado. Foi num sábado florido que conheci Joana. Lembro-me daquela momento como se fosse a cena de um filme: ela correndo por entre árvores, respingos pós-chuva, ar embriagado, o cabelo da cor do fogo balançando suavemente e pensamentos distantes.
Rafael estava comigo. Ela sorriu para ele, e, como se eu ali não estivesse, parou para conversar. Joana abriu sua gafarra de água e alguns respingos começaram a escorrer suavemente pela sua pele branca, como se deslizassem. Naquele instante eu me senti uma sombra diante daquela mulher. Mulher? Deveria ter seus 19 anos, mal deveria saber da arte do sexo, com aquele sorriso infantil e jeito meio desastrado.
Estranhamente Rafael nunca tinha me falado dela. Disse que era uma conhecida, amiga de algum primo dele. Algo assim. Ele, visivelmente, derretia-se, e eu nem o culpava. Ela não parecia humana. Tinha uns olhos verdes provocantes. Eu, como mulher, não poderia negar que estava diante de uma beleza exótica. E ele, afinal, ele era homem. E os homens são todos assim.
Os dias se seguiram após aquele rápido encontro, mas eu não conseguia mais dormir. Fechava os olhos e lembrava daquela imagem de Joana correndo por entre as árvores. Um peso enorme invadiu a minha consciência, ela correndo, correndo, e eu com meu corpo parado, já cansado. Senti inveja. Uma inveja tremenda, algo que estava me matando por dentro. Ela parecia tão feliz, tão segura de si. Eu precisava ter essa segurança. Embora bem sucedida, casada com o homem que amava, sentia-me insegura. Não sabia o real motivo deste sentimento, mas uma decisão tinha tomado: iria mudar.
Não passou muito tempo, cansei de me olhar no espelho. Resolvi mudar minha aparência. De verdade. Meus cabelos castanhos ganharam um tom avermelhado. Rafael tinha gostado, eu tinha gostado. Agora eu era ruiva.
Na semana seguinte fomos a um jantar na casa de Bruno, o tal primo do Rafael. E qual foi a minha surpresa quando vi Joana. Parecia que Bruno estava tendo um relacionamento com ela. Isso me alivou um pouco, mas Rafael não conseguia parar de olhá-la.
Com o passar da noite, da deliciosa comida, dos temperos, das risadas, do vinho, reparei em Rafael. Ele estava mais corado, mais sorridente. Parecia estar feliz, estava tão bem como não o via já há muito. Mas dentro de mim havia um furacão.
No dia seguinte comecei uma longa transformação. Mudança radical. Tingi meus cabelos de ruivo acobreado. Claro que nunca, nunca chegaria aos pés do cabelo de Joana, tom que havia escolhido, mas eu os queria inteiro ruivos. Os dias se passaram e eu comecei a ter horror ao sol. Sim, o sol envelhecia a pele, e meu cabelo agora combinava mais com uma pele mais clara. E, já na semana seguinte, comprei minhas primeiras lentes de contato verde-esmeralda. Eu finalmente tinha descoberto que nunca tinha gostado de mim, da minha aparência. Talvez fosse isso que me faltava.
Algumas semanas se passaram, e eu estava feliz com minha nova imagem ruiva. Eu fiquei mais sensual, mais atraente. Pelo menos para mim. Mas Rafael se distanciava cada dia mais. Às vezes, à noite, ele sussurava o nome de outra pessoa. Por muitas vezes ouvi o nome de Joana em seus lábios, sonhando. No começo doía. Mas, com o tempo, aquilo foi tornando-se um hábito, e eu, por muitas vezes, fingia ser outra pessoa na cama.
Eu não o culpava. Eu também sonhava com Joana, mas ao meu modo. Porém, quando ouvia Rafael falar o seu nome, não conseguia evitar: eu chorava. Não tinha como a visão dela sair da minha mente, aquela imagem da perfeição ficava, permanecia, insistia. Sim, ela era perfeita. Não havia como negar. Estava no auge de sua adolescência, o corpo perfeito, aquele cabelo liso, acobreado, os olhos verdes, a pele aveludada, branca como a neve. Se eu fosse um homem, eu também sonharia com ela. Meu corpo estava acabado. Passava dos trinta anos já, meu cabelo curto, ruivo tingido, aquelas lentes de contato que tanto me incomodavam... Mas Rafael gostava. Eu precisava estar atraente para meu marido. Precisava fazer com que ele me desejasse. Eu precisava me sentir desejada.
Nunca, nunca acreditei em amores eternos. Mas eu amava meu marido ali, naquele instante. Eu tentava agradá-lo sempre, fazendo-lhe surpresas de vez em quando. Muitas vezes até mesmo na madrugada. Mas, naquele último mês, Rafael mal olhou para mim. Não sabia o que estava havendo. Eu estava mais atraente, com camisolas novas, calcinhas novas, mas nada, nada chamava sua atenção.
Uma noite Rafael disse que iria sair. Ele quis que eu ficasse em casa, precisava ficar sozinho. Não era o normal dele, mas tudo bem. Eu fiquei calma. Ele saiu. Algumas horas se passaram quando ouço a campainha tocar. Levei um susto. Um susto tremendo. Minhas pernas balançaram.
Era Joana, só, ali em frente à minha porta. Ela chorava.
Após ficar ali parada, olhando para mim alguns instantes, pedi para que ela entrasse.
Joana entrou, sorriu, sentou-se no sofá.
Eu fiquei atordoada, pensando o que ela estaria fazendo em minha casa, com os olhos cheios de lágrimas, deixando-os ainda mais verdes e luminosos.
Foi quando ouvi: - Estou saindo com seu marido.
Meu mundo ali se perdeu, tudo girou, como poderia o meu marido me trair? Depois de tudo que fiz por ele?
Joana não parava de chorar. Ela sentia culpa, e suas lágrimas caiam.
Não sei dizer bem o que senti naquela hora. Eu não senti raiva. Não, não senti nada disso. Senti, mais uma vez, inveja. Fiquei pensando em tantas coisas, mas, principalmente, em como ela tinha tudo, a beleza, a inocência, e ainda, o amor da minha vida.
Permaneci parada por mais uns minutos pensando. Pensei no meu passado, em toda a minha vida, o que eu tinha sido, nos meus amores, nos meus pais, amigos e no que eu tinha me tornado. Eu já não era eu mesma. Eu era um projeto de Joana. Foi quando eu vi a realidade. Eu estava louca. Eu queria ser Joana. Eu queria ser aquela mulher com quem meu marido sonhava à noite, aquela que eu invejava, aquela que todos desejavam, aquela que chorava agora na minha frente confessando que estava tirando de mim meu porto seguro.
Lembrei-me de quando conheci Joana. Era primavera. Seu cabelo, a pele branca aveludada, seu sorriso.Os olhos, serenos, verdes como esmeralda. Corpo alongado. Joana era uma boneca de porcelana, delicada por inteiro. Era perfeita. Uma beleza com ar de anjo.
Nesse instante, ao olhar-me no espelho, eu vi a realidade. Gostava de Joana, de sua aparência, de seu sorriso que eu nunca iria ter. Nunca tinha me sentido tão bem e ao mesmo tempo tão mal, pois finalmente eu tinha descoberto de como gostaria de ser, não estava mais perdida. Porém, infelizmente, eu nunca conseguiria ser uma outra pessoa. E ainda mais, a outra pessoa que meu marido amava, a amante.
Foi quando me joguei aos pés de Joana, eu implorei, chorei, gritei para que se afastasse de Rafael, que ele era o meu homem. Confessei sua perfeição, confessei o porquê da minha aparência, dos meus olhos agora verdes, meu cabelo vermelho, o porquê da minha academia, regime, cremes, tratamentos estéticos. Não, não era porque eu gostava de mim, era porque eu gostava dela, eu queria ser ela. E eu implorei para que eu tivesse pelo menos o amor da minha vida, que ela poderia ter todos os homens do mundo, mas ele era a minha felicidade, e ela nunca saberia o que ele significava pra mim. Tudo o que eu fazia era para que ele continuasse comigo. Agora a minha felicidade dependia dela, eu nada poderia fazer.
Rafael chegou. Entrou na sala de repente. Ao ver a cena, eu, aos pés de Joana, ambas chorando, assustou. Ficou parado como uma estátua olhando para a garota e sua cópia. Neste instante parece que entendeu o porquê de toda a minha mudança de aparência, comportamento, das minhas lágrimas durante a madrugada. Percebeu que Joana era mais que sua amante, mais que um ser cujo sentimento nunca teria, mais que uma mulher com ar de anjo. Joana era o meu medo, minha paixão, meu terror. Rafael percebeu minha loucura, minha idolatria, meu desespero por não ser Joana.
Eu sabia o quanto ele a desejada, e também sabia que ela nunca o iria querer como eu o queria. E acho que os dois sabiam disso também.
Ninguém falou qualquer coisa sobre o que estava acontecendo. Rafael apenas cumprimentou Joana e retirou-se para o quarto. Ela levantou-se, pediu desculpas e rapidamente foi ao seu encontro. Eu fiquei em pé, parada, no centro da sala, tentando entender o que tinha me acontecido.
Algumas horas depois, ambos me deixaram. Após alguns meses, Joana deixou Rafael.
E hoje, apenas hoje, passados alguns anos, relembrando esta história, percebo o quão patética já fui um dia.