Distâncias
Nunca consegui entender as distâncias pela medida quilométrica - esta que curiosamente leva o nome de uma outra feita pra calcular os pesos - confesso, nunca soube quanto tempo ou custo de viagem corresponde a cada Km percorrido... Eu sei, é a fita métrica cabível entre as rotas geográficas, entre os destinos traçados pelo mapa, é a prévia do saldo bancário com gastos em combustível. É verdade, todo motorista precisa entender de forma prática esse cálculo. Pois talvez essa minha ignorância assumida, deve-se a dois motivos: a carteira de motorista, que entre os desvios de rota tornou-se apenas cédula de identidade, e as antigas viagens de ônibus quando menina, em que apenas queria insistentemente saber o tempo que me restava para chegar ao meu belo horizonte.
A medida em quilômetros faz ainda menos sentido nesse momento, onde as milhas facilmente são cruzadas pelos ares e os dias de viagem se transformam em horas. O coração sim, esse parece contar apressadamente a distância, não por metros, mas nas batidas ansiosas pelo momento da chegada, misturado com o pouco fôlego pelo distinto medo, fruto de tudo que é novo e que tem ao mesmo instante o poder de encantamento.
A madrugada fora insone, mas não estava sozinha, me acompanhava no elo virtual com a mesma ansiedade, aquele por quem aguardo a chegada.
É chegada a hora, o céu agora parece ser o transportador do encontro esperado. Das alturas por onde ele vem, já deve avistar o mar que toca a cidade planejada e o faz recordar as antigas fotos. Os pensamentos, vagam com uma força multiplicadora das sensações por conhecer, essa aparente aventura está de mãos dadas com a incomum segurança surgida desde o início, naquela sintonia incontestável que sempre transformava os momentos cotidianos em uma cumplicidade mútua, o instante se aproxima, eu o espero!
As mãos estão frias apesar do clima quente, arrumo a cada cinco minutos o vestido branco com pequenos detalhes vermelhos, cuidadosamente encontrado para aquela ocasião, igual ele sonhara um dia. O vôo atrasa, parece uma prova de resistência para os pés que anseiam o mesmo chão. Retoco o brilho labial por umas duas vezes, conferindo no minúsculo espelho a minha insegurança, me pergunto novamente se o calçado baixinho era o ideal naquele momento, encontro a certeza nas pernas um pouco trêmulas após presenciar o pouso, recordo então as frases humoradas sobre nossa velha companheira da vaidade, respiro fundo, está tudo bem!
Agora eu que estava no alto e aquele vidro parecia embaçar ao procurá-lo entre aqueles que se faziam pequenos, descendo as escadas do pássaro de aço, estava quem eu tanto esperava... O reconheço, surgindo como de um presente desembrulhado, ele veste calças claras e uma blusa escura, combinando com seus cabelos. O coração parece errar a época do ano e começa fazer carnaval, embora num ritmo descompassado. Eu estava sorrindo e nem sequer percebia, sinto como se fizesse frio e calor ao mesmo tempo... Vejo seus passos seguros na nova terra que o recebe, percebo que me busca já com o olhar, nessa distância agora curta, tenta me encontrar na vitrine de manequins móveis, e sorri. Eu aceno encantada, mas não sei se me vê, vou aguardá-lo no desembarque.
***
O portão de chek-out transforma-se em uma festa comum de convidados estranhos, todos aguardam ansiosos os seus, não importa se curtas ou longas distâncias, há uma expectativa entre os que esperam, com exceção dos executivos e sua indiferença perdida, aqueles que vem procuram na multidão seu alvo esperado. Alguns cumprimentam-se apenas no olhar, crianças festejam os pais que retornam para o abraço, amigos de longa jornada fazem surpresa na espera, casais beijam-se saudosos... Me distraio por uns segundos com a alegria de uma menina que chora com ternura ao abraçar seu pai, o pouco tempo distante que ele menciona surpreso com a emoção da filha, pareceu uma eternidade para aqueles braços pequenos que não o alcançavam por uns dias.
Volto ao meu mundo e ao retomar o olhar desejoso, já o encontro fitando-me! No encontro dos olhos sorrimos - sorrimos além dos lábios, a sensação era de todo o corpo sorrindo ao mesmo tempo - perco a programação dos movimentos na timidez que ele ressuscitara em mim e estendo tardiamente um dos braços em sua direção, chamando-o com um oi desconcertante!
Ele me puxa num abraço, não tão apertado, mas chamando-me pela cintura num êxtase de saudade já não contida. Existe agora o espaço apenas para nossos olhares, que já se misturavam, num mergulho esquecido do mundo ao redor, as bocas apenas calam, e conseguimos no olhar entender tudo o que diríamos agora. Percorro cada centímetro do seu rosto, suas sobrancelhas largas, seus pequenos olhos, e tocando suavemente o lado esquerdo de sua face, ele une-se ao meu sorriso no toque do beijo sem hesitação...
- Dessa distância sim, eu entendo.
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