Uma vida de solidão
Os bichos são os melhores seres do mundo, ela pensava. Vivia cercada deles. Estava sempre sozinha. Amargava na solidão do seu eu complicado, que não encontra respostas, mas está sempre em busca de saídas.
Não tem amigos. Fala pouco. Fechara-se em seu mundo apertado, onde só cabem sua frustração, seus medos e inseguranças. Mas já vivera um grande amor. Isso a consola. Já fora amada e desejada por um homem. Seus momentos de consolo são as lembranças. Ele era mais jovem que ela. Um menino quase ingênuo, que se encantava com aquilo que ela representava. Ela era inquieta. Queria viver tudo. Não tinha equilíbrio e mergulhava na vida sem medo. Foi muito bom ter sido amada por aquele garoto. Ele a idolatrava. Ela o esnobava. Usava-o. Curtia todos. Não conseguia se prender a ninguém. Não podia dar atenção de verdade aquele menino tão bobo! Mas ele era bonito, era alto e forte. Um pouco desajeitado. Mas havia tantos homens interessantes e maduros correndo atrás dela... Desprezou-o.
Hoje, sozinha no seu quarto escuro, deitada naquela cama enorme, um vazio intenso se acomoda em seu coração. Sempre fora muito complicada. Brigava com os pais, irmãos, amigos. Ninguém a entendia. Só queria viver! Só que esqueceu que o tempo passa. É preciso criar raízes, fazer conquistas que valham a pena, valorizar os sentimentos. Perdera tudo, até mesmo a amizade da família. Ninguém agüenta sua chatice.
Hipócritas. Os seres humanos são hipócritas. Ninguém respeita a individualidade alheia. Ela era assim: não confiava em sentimentos. Amor é uma bobagem que deixa os homens tolos. O amor dói, fragiliza, decepciona. Ela nunca amou. Ou amou de um jeito torto, incompreensível. Sua alma não se dobra. Um orgulho absurdo cega-lhe a visão.
A lua aparece na fresta do telhado. Ela sonha. Não admite que sonha. Queria que ele ainda a amasse, que viesse buscá-la. Não sabe o que sente. Às vezes acha que é amor. Na acredita no amor. Que droga! Deve ser remorso por tê-lo feito sofrer. Quem sabe ele ainda a ame. Mas ele não a olha quando se cruzam. Não fala com ela. Ela olha intensamente. Queria consumi-lo.
Ela sonha. Sonha? Sim. Suas noites solitárias e tristes encontram luz nos sonhos que ousam invadi-la. São horas eternas de felicidade. Pode soltar-se da prisão em que se coloca. Quando amanhece, a realidade soca seu rosto, e a angústia da solidão novamente lhe acompanha. Deseja que o tempo passe mais depressa. Ele parece fazer pirraça, passa, mas tão devagar, que a ferida em seu coração parece envelhecer junto com ela.
Caminha lento, está muito cansada, seus olhos já quase não vêem. Caminha ao lado do único companheiro: o cão Zeta. Ele não lhe cobra nada. Está sempre ao seu lado. Nada lhe diz. Não a abandona. Quantos anos de espera? Senta-se na cadeira em frente à janela. Zeta senta-se ao seu lado. Espera por ele, seu amor menino. O único que a amou de verdade. Ele vai chegar. Ela espera. Quando ele aparecer, ela vai, finalmente, tirar a máscara. Não será fácil. Mas vai pedir perdão. Ele vai perdoá-la. Ele a ama. Fecha os olhos. Seu coração parece tão fraco! O cão late. Ela sorri e abre lentamente os olhos. Ele veio. Ela pensa que ele veio. Ela diz, àquela imagem que apenas ela vê, do amor, da sua infinita solidão, do remorso. Finalmente. Depois fecha novamente os olhos para nunca mais abrir.