Desilusão feminina
Estava sentada na beirada do sofá com o olhar perdido, nem percebera que anoiteceu. Ele saíra. Batera a porta com força, aumentando ainda mais sua angústia e desilusão. Tantos anos de convivência, noites de paixão, olhares, carícias, tudo parece agora tão distante! Seu companheiro era agora um inimigo. Isso mesmo! Ele não a reconhece mais... Por quê? Quando se perderam?
Ela era uma menina, ainda tão inocente, quinze anos apenas. Casou-se com quinze anos. Por que permitiram que ela casasse tão cedo? Nem vivera a adolescência e já iria ser mulher. Mas ela acatou a idéia do amor: estava apaixonada. Ele já era um homem feito, quinze anos mais velho. Pensando bem, isso foi uma pedofilia permitida, apenas porque assinara um papel deram a ele o direito de usar o seu corpo. Ela nada sabia. Mas aprendeu. E gostou.
Alegria misturava-se com medo, insegurança, vergonha. O tempo passava e tudo ia ficando acomodado. Ela queria estudar, não fizera o ensino médio. Ele não aceitava. Tiveram filhos. Ela já estava amadurecida, e forte. Voltou a estudar. Fez faculdade. Tinha agora um emprego. Brigas. Reconciliação. Juntos melhoraram de vida: os dois trabalhavam. Os filhos cresciam saudáveis, tinha conforto. Eram felizes. Quarenta anos se passaram. Quatro décadas de aprendizado: amor, momentos de encontros familiares, incompreensões, perdão, perdas, ganhos. Criaram os filhos. Casaram os filhos. Eram avós.
Nesses quarenta anos ela crescera muito, amadureceu, se tornou uma mulher decidida, forte, companheira. A garota de quinze anos, que foi amada e desejada por ele, hoje tem cinqüenta e cinco anos e está só. Fora abandonada. Ele ama outra pessoa. Ela ainda o ama. Não sabe ainda andar sozinha. Precisa dele. Sente medo.
Tudo parecia tão seguro! O que faria naquela casa enorme? Tudo ali é deles. Construíram juntos. Viveram tudo juntos. Como ele pode deixar de amá-la... Ele parece outra pessoa. Não a olha nos olhos. Não quer mais nem sua amizade. Quer a separação. Vai casar-se com a outra.
Não. Divórcio não. Isso nunca. Seus valores são muito fortes. Não pode ser uma mulher divorciada. O que dirão dela? Vai ser apontada na rua. Quer a morte. Chora. Grita em silêncio. Sua garganta está seca. Seu coração está ferido. Não pode ser verdade. Em que momento tudo se quebrou? Silêncio. Mas barulho da porta batendo ainda ecoa em seus ouvidos e aumenta ainda mais a sua dor.
A noite chegou e a encontrou sentada no sofá, olhando o vazio. Sua face parece ter perdido a vida. Seus olhos perderam o brilho, enquanto seu olhar passeia pela sala. Uma certeza existe em seu coração naquele momento infinito de solidão: Estava só. Infinitamente só. Desilusão.