O fotógrafo – (2° Capítulo – Entre a fé e o Pecado)

È, momentos assim quase nos faz por tudo a perder, quando nos deixamos envolver demais, quando cedemos a uma paixão, a um desejo, acabamos fantasiando-o a nossa maneira. Se deixarmos a fantasia tomar conta, corremos o risco de viver uma mentira por tempo demais. È preciso saber viver certos momentos, certas fantasias, saber apreciá-las e aceitar o que venham a nos trazer, sem nos deixar levar demais por elas.

Um momento, o suficiente para fazermos à diferença ou para pormos tudo a perder, às vezes mesmo dando nosso melhor, mesmo sendo verdadeiros, sinceros, acaba tudo isso não sendo o suficiente, às vezes, apenas não somos o alguém ideal ou às vezes, como no meu caso, nossas escolhas fazem à diferença.

Sempre fui sincero, verdadeiro, sigo sempre o meu instinto,

Nunca fui muito religioso, acredito somente naquilo o que sinto.

Me entrego de corpo e alma quando me apaixono, quando existe amor,

Me entrego também diante do desejo, do pecado, eu sou um pecador.

No mais puro e livre arbítrio, vivo a minha maneira, vivo cada emoção,

Às únicas leis que eu respeito, são as leis impostas pelo meu coração.

Assumo todos meus pecados, aprecio cada um sem precisar de perdão,

Meu paraíso eu mesmo faço, beijo a maçã, eu sou como o Adão.

Já é inverno, minha estação preferida, eu particularmente gosto mais do clima frio. Quando criança, adorava brincar na neve, céu cinzento combinando com o ambiente todo em branco, neve cobrindo cada relevo na cidade. Eu amo essa época do ano, lembro de deitar no chão coberto de neve com os braços e pernas esticados, me movimentando de forma que anjos fossem modelados... Bons tempos.

O inverno me faz lembrar fotos em preto e branco, menos vida, menos brilho e, no entanto, mais sentimentos, mais detalhes. O preto e branco nos permite observar cada traço, as formas mais simples e as mais detalhadas, algo que as cores ofuscam, escondendo a real essência da imagem e do momento.

Nesse caso, vendo dessa forma, minha especialidade passou a ser fotos em preto e branco e justamente por isso, fui convidado a fotografar um casal, que se casariam alguns dias e optaram por algumas fotos nesse estilo, isso na igreja. Eu particularmente nunca fui muito de ir à igreja, na verdade não me lembro da ultima vez em que estive em uma. Nunca fui de seguir algum tipo de religião, sempre segui minhas próprias crenças pessoais. Chegando lá, me deparei com o casal, nos cumprimentamos e logo começamos as sessões. A noiva era linda, olhos mestiços em tom de mel, pele morena, levemente maquiada, destacando as maçãs do teu rosto. Cabelos encaracolados naturais, moldados detalhadamente. Teu vestido branco, todo delicado, detalhado, contornando teus pecados. Ela aparentemente estava morrendo de frio, mas não dava o braço a torcer, ela estava realmente disposta a tudo, para tornar o momento perfeito. O marido eu nem reparei tanto, não parecia tão empolgado como ela, ele estava mais empolgado olhando para uma possível amiga que os acompanhava, alguém com quem deve ter tido ou tem algum tipo de caso. Será que só eu reparei isso?

Enfim, segui com o meu trabalho, fotografamos por toda a igreja, dentro e fora. Ao fim da sessão do dia, me despedi do casal e estava me preparando para ir embora, quando estava para guardar a minha câmera, ouvi um canto meio que distante, uma voz doce, suave... Intrigado, fui de encontro com aquela voz, foi então que me deparei com uma senhorita, ela parecia tão concentrada, que nem percebera a minha presença. Não vou negar, ela era linda, teus traços eram tão bem desenhados, movimentos bem sincronizados, quase que como um anjo cantando e dançando. Cabelos louros e escorridos, que contornava tua pele tão clara quanto à neve. Tuas mãos eram suaves, se moviam conforme a melodia. Uma espécie de terço contornava teus dedos, tua voz suave tomava conta do ambiente, eu estava de fato encantado. Na ansiedade de marcar o momento, peguei minha câmera e um click, foi o bastante para chamar a sua atenção.

Foi então que percebi um silêncio absoluto na igreja, sua voz tomava realmente conta de tudo ali, o acústico da igreja era incrível... Ela olhara diretamente para mim, assustada, ela pressionou o terço entre as duas mãos e se acolheu.

-Tenha calma anjo, venho, pois fui convidado pelo teu cantar,

Tua voz é envolvente, então me aproximei, peço perdão, não pude evitar.

Enquanto cantava, eu a observava e sem perceber me deixei levar,

Quis guardar esse momento, mas já estou a me retirar.

-Tudo bem meu caro, mas não me chamo anjo e não tens que pedir perdão,

Sou apenas uma mera mortal, que canta com a voz do coração.

Logo notei a tua presença, os teus pecados gritam sobre você,

Guarde este terço que lhe dou e reze a cada anoitecer e a cada amanhecer.

Me aproximei, tuas mãos tocaram as minhas, tua pele era fria, no entanto, tão macia, um toque tão sutil. Segurei teu terço em minhas mãos e ela abriu um sorriso. Acho que fiquei pelo menos cinco minutos sem respirar, aquele momento foi único, só dei por mim quando o som do sino tomou conta da igreja, foi então que nos despedimos e eu me retirei.

Já em casa, não parei de pensar em tudo aquilo, desde aquele momento eu não tirara o terço de minhas mãos. Pra ser sincero, eu não sabia muito bem o que fazer com aquilo, de fato eu não sabia nenhuma oração ou algo do tipo, a única coisa que pude aprender é que um terço tem cinqüenta e nove bolinhas, algumas maiores que as outras. Deve ser algum código Morse, alguma mensagem de Deus sei lá, me senti um tolo diante daquilo. Eu só conseguia pensar nela, eu precisava vê-la novamente e acho que essa fora minha única oração sincera. Bom, eu teria que voltar lá de qualquer jeito, ainda tinham mais sessões de fotos com o casal que eu ja nem lembrava mais. No dia seguinte, amanheci com o terço em minhas mãos, tomei um banho, me preparei e fui bem cedo para a igreja. Me deparei apenas com a noiva, ela estava chorando, parece que sessão de fotos foi cancelada devido a fuga do marido com a amiga. Aquilo não me surpreendeu, tuas lágrimas escorriam sobre tua pele, instintivamente com uma das mãos, deslizei de leve tentando secar suas lágrimas, ela se surpreendeu ao olhar em minha mão e perceber o terço deslizando sobre o teu rosto. Aquilo de alguma forma a acalmou, ela me olhou nos olhos e me abraçou... Beijou minhas mãos e seguiu até o altar, pareceu fazer uma espécie de oração e aquilo de alguma forma pareceu acalmá-la. Ela então sorriu pra mim e foi embora. Intrigado, fui até o altar diante da imagem de Cristo, fiquei olhando por um tempo, tentando entender o que fora aquilo e foi então que senti uma mão afagar meu ombro direito. Um toque leve, suave como uma brisa e quando olhei para trás, lá estava ela, o mesmo sorriso, os mesmos traços, tudo o que de alguma forma rezei na noite anterior para ver de novo.

-Vejo que usa o terço que lhe dei, mas ainda vejo pecado em você,

Segura firme o terço nas mãos, mas não reza como tem que ser.

No entanto foi nobre a pouco, foi sincero teu gesto com a mão,

No terço as lágrimas do dor, que secou mostrando ter coração.

-Sim eu sou um pecador, mesmo assim eu fui capaz de orar,

Esteve tão presente em mim esta noite, fora a minha forma de rezar.

Quis tanto te ver novamente, pedi tanto para isso acontecer,

Você se fez presente durante a noite, não foi diferente ao amanhecer.

-Não seja tolo, vivemos em mundos e em realidades diferentes,

Esqueça isso, eu lhe peço, vá embora, não mais me atormente.

Encontre o teu caminho, de paz e livre de qualquer tentação,

Não quero mais te ver, preciso cantar, acalmar meu coração.

-Só vejo uma realidade, um mundo, um sentimento,

Não me peça para esquecer, pois tais em mim a todo o momento.

Meu caminho eu já segui e ele me trouxe até você,

Agora sei que estou em paz, aceite... E também poderás ter.

Foi então que ela desviou o olhar, segurei em tuas mãos, ainda frias como na ultima vez, senti teu corpo junto ao meu, teu coração pulsando forte, nossos olhares se encontraram, aproximei meus lábios sobre aos teus, mas eu não dei o passo final, deixei que ela decidisse, entre o pecado e a tua fé. Quando olhei nos teus olhos, me deparei com a minha imagem sendo refletida, foi então que percebi que a escolha era minha. Teus olhos se fecharam, a intensidade tomou conta, a tentação era tanta, que senti minha alma ser tocada e a minha verdade vir à tona. O terço caiu da minha mão e ao tocar o chão, percebi que aquele mundo de fato não era meu, eu não seria capaz de me converter, de assumir algo que não vem de mim... Foi então que a soltei, ela pegou o terço e o segurou com tanta firmeza em suas mãos, que pude ver sangue escorrer sobre elas, e então voltou a usá-lo. Acho que no fundo eu me deixei levar por um sentimento não nobre, a fé e o pecado frente a frente, o homem e a maçã, que dessa vez ela não fora mordida, porém beijada... Sendo assim, tive deixá-la ir e assim como eu, seguir o caminho em que escolheu. Talvez não tenha sido justo, no entanto, em determinados casos, não tem a ver com justo, nesse caso talvez tenha existido algo grande, que talvez pudesse santificar tal união... Ou talvez tivesse sido muito prazeroso para mim, até pelos motivos que me trouxeram até ela, mas e para ela... O quão teria sido prazeroso diante das circunstancias? O prazer dela me levaria a loucura, não pelo ato, mas pelo motivo, sendo assim, não teria sido justo com ela.

Foi procurando me encontrar, que um anjo eu encontrei,

Fui pego pelo teu olhar, com o teu cantar eu me encantei.

Ela se mostrou diferente, ela se mostrou especial,

Passei a acreditar em anjos, pois a tua verdade era real.

(Sujeito a mudanças)