Flores

Eram flores largadas na calçada.

Pareciam, até certo ponto, uns daqueles buques de festa. Um daqueles que a jovem que pegou não se casou. Ao tocar, tão belas flores, inflou-se e sentiu-se por todos desejada. E por vários deles, sim, ela era. Acontece que isso os expulsou. E claro em nossas vidas que às vezes afastamos aqueles que mais amamos e nunca conseguimos reavê-los.

Pareciam, até certo ponto, flores daquelas guardadas há muito tempo dentro de uma gaveta d’um armário antigo. Daqueles que motivaram por vezes um choro desesperado, mas que , por fim, foram esquecidas. Exceto por um despreparado jovem que se julgava único e chorou sozinho ao encontrá-las e disse sozinho:

-Ainda pensa nele...

Seu sentimento começou a degradar. Cair sem fim no abismo do inconsciente. Ele a esqueceu. Ela morreu sozinha. Ele morreu sozinho.

Pareciam, até um ponto ainda mais determinado, flores que caíram da mudança e muitas vezes ignoradas por outros motoristas foram destroçadas e aparentemente envelhecidas pelas pancadas. Por que aparência é externa a alma das flores. Ele chegou sem as flores que serviriam para reatar o sentimento. Elas a fariam deixá-lo entrar. Soaram como mais uma daquelas suas desculpas sinceras, mas ela se cansou de perdoar. O mundo não abre espaço a reincidência no perdão. Separaram-se para viver sozinho.

Pareciam, até um ponto mais próximo do real sem desprezar anteriores realidades, talvez ainda mais reais, flores compradas para um menino. Tanta vergonha ela sentiu. Meninos não gostam de flores. Meninos escondem-se em geleiras de sentimentos fortes e ignoram por completo símbolos de sentimentos. Ela só queria ser gentil. Ser diferente. Ser tudo o que ele sonhou: surpreendente. Como outra que agora mesmo é dona eterna de um coração. Ele se apaixonou, mas por um amigo (suposto ou não) ver as flores, ele as recusou. Ela se ofendeu. Não foram felizes.

Na realidade, as flores, aquelas ditas e distintas flores, eram flores de tristeza.

Eram reflexos incertos descarados da dor.

Era o amargor de cada sentimento, dentro de cada semblante derrotado, desses que nos batem sem mesmo poder perceber.

E o julgar perdido desses filhos do futuro, mesmo nos homens modernos como nós, a visão começa a brotar.

Enxerguemos então a essência daquelas flores assim largadas na calçada:

Eram flores de tristeza.

E algo mais que a profunda tristeza.

Eram reflexos incertos descarados da dor. Era atuação na vida desse destruidor pesar. Foram compradas em qualquer um desses perdidos lugares, estilo conveniência, mas tipicamente mórbidas com caixas para corpos, colares, ternos e coroas. Vendiam também cartões telefônicos.

Havia flores.

Alguém comprava as flores.

Carregava-as junto a dor na alma até uma avenida nunca movimentada daquela pequena e infeliz cidade. Hoje, em especial, as pessoas seguiam umas às outras nas ruas. O incerto as juntava hoje. Seguiam hoje um dos seus.Sendo exato, era uma.

Ela.

Única.

Seu coração se retorcia.

O povo seguia a procissão, como se não houvesse nada mais acontecendo no mundo.

Ao lado de um caixão branco, sem flores, seguia um homem alto, barba exposta, lágrimas também. Segurando firme uma das alças e ao seu lado uma garotinha vestida de negro. Tão puramente abatida. Segurava firme a mão do senhor.

As flores estavam em suas mãos e ele não podia entregar.

A prova do pecado estava em suas mãos e o pretendido delator nunca iria delatar. Iria em paz.

Calada junto do silêncio, as flores caíram.

Eram agora flores caídas na calçada.

As flores que em vida ele nunca fora capaz de entregá-las...

Eram flores de tristeza...

Alexandre Bernardo
Enviado por Alexandre Bernardo em 17/04/2010
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