Vacatio Legis



Logo que as aulas do curso de verão de Direito Internacional na universidade de Oxford, Inglaterra, começaram, Richard, sentiu o coração bater mais forte por Janaína, a bela morena tropical, oriunda do Rio de Janeiro.
Ele, o típico inglês, bem galego e um tanto tímido, era dono de vasto conhecimento sobre o assunto, o que havia lhe valido a bolsa para participação na concorrida disciplina e não perdia uma oportunidade de exibir-se para ela que, por sua vez, não havia ganho a cadeira por sua bela figura. Ao contrário, venceu um concurso que reuniu os mais brilhantes alunos de Direito das principais universidades brasileiras. Portanto, os arroubos do rapaz não a impressionavam muito. Divertia-se, porém, em desafiá-lo quando os assuntos eram polêmicos como subsídios governamentais, boicotes e sobretaxas... Era engraçado vê-lo corar diante de seus argumentos, antes de encher-se de dedos para rebatê-los, sempre de forma um tanto ortodoxa.
Quando foram escalados no mesmo grupo para elaboração do trabalho final do curso, a implicância foi cedendo lugar para a amizade e esta, logo foi substituída por uma devastadora paixão. Casaram-se no último dia do curso. Foi uma dificuldade preparar a papelada e trazer os pais dela para a cerimônia, mas não podiam imaginar a separação iminente sem estarem unidos até que a morte os separasse. Também havia o lado prático: com o casamento, ficava garantido a ambos o direito de ir e vir, sem entraves burocráticos na obtenção dos vistos.
No dia seguinte, ela voltou ao Brasil. Ambos ainda tinham quase dois anos de curso pela frente e, novamente, racionalizando suas vidas, decidiram por este afastamento temporário.
Na despedida, entre lágrimas e beijos, ela disse:
- Sentirei muito, muito, muito a sua falta...
- Eu também, minha amada esposa.
- Esposa... Ainda não me sinto casada… Acho que estamos em vacatio legis*.
Riram tristes e tristes permaneceram, enquanto faziam planos de se encontrarem nas férias. Sonhavam com o final desse período, quando tentariam finalmente a parte do ser felizes para sempre. Juntos, finalmente.
Acontece que nos meses seguintes, nenhum dos dois conseguia concentrar-se em seus cursos ou em qualquer outra coisa. Saudosos um do outro, viam os dias passarem numa branca nuvem, até que podiam encontrar-se no skype, à noite. O resultado disso é que suas notas foram caindo e ambos corriam o risco de perder o ano. Decidiram dedicar-se mais aos estudos, já que se isso acontecesse, seu reencontro ainda demoraria mais para acontecer. E antes que pudessem vir a realmente sentir-se casados, começaram a se afastar lentamente. Neste intervalo, ela conheceu Evandro. Ele, Isadora.
Com remorso e culpa, no início resistiram à forte atração que sentiam pelos novos colegas. Depois, solitários e desanimados por aquela paixão platônica, que agora já lhes parecia um tanto precipitada e distante, acabaram por ceder aos chamados de suas vidas presentes.
Ao final dos cursos e do vacatio legis, entraram com um pedido de anulação do casamento.
E foram felizes para sempre. Todos os quatro.

* jargão jurídico para o período que se segue desde a publicação de uma norma, até a sua entrada em vigor.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Vacatio Legis.
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