Festa
Se meu dia foi cansativo, se me desdobrei para buscar resultados ao menos satisfatórios em tudo o que me propus a fazer hoje e pouco consegui lograr sucesso, se minha viagem viu-se cercada por diversos atropelos, se chego aqui tarde da noite e já com todos na iminência de recolherem-se, localizar o seu rosto entre os convidados logo no momento em que chego, e que sou cercado por alguns, já bastante bêbados ou demasiado alegres pela fugaz liberdade que uma festividade como essa proporciona, e perceber que você mal pode disfarçar que esperava por mim, traz uma lufada de calor à minha alma, e entendo que, naquele momento, de forma alguma poderia estar em algum outro lugar desse planeta que não este no qual me encontro agora. Fiz o que em sã consciência não faria para estar aqui, corri sorrindo contra espinhosos obstáculos, físicos ou abstratos, alimentei uma ansiedade louca desde o momento em que soube que cá todos esses se reuniriam, e isso porque sabia que ver seus olhos brilharem da forma que os vi, quando você caminhou em direção à turminha ébria e abriu espaço na intenção frugal de me cumprimentar, me traria uma eletricidade instantânea e poderosa, daquelas que nos paralisam e levam um coração flagelado pela paixão direto à boca, nos impedindo de agirmos com simplicidade e prudência porque entendemos que tais momentos são o que de menos simples e prudente podemos viver em nossas desesperadas existências.
Ali fiquei eu, quando os outros retornaram à bagunça, ao seu lado, a fingir uma segurança que naquele momento me escapava por completo, absolutamente aparvalhado por perceber afinal que gostava de ti, que meu sentimento existia para além da mera idealização platônica, era intenso, febril até – e o que ao mesmo tempo me confundia e me enchia de renovados prazeres é que, pela primeira vez, via sinais claros que aquilo também poderia ser dividido. Fui assaltado pela sensação de vivenciar uma magia doce e leve que preenchia o espaço entre nossos corpos, enquanto buscávamos disfarçar a sua inebriante presença com os “Oi, como você está?”, “Eu estou bem, e você?” de praxe, mas aquele efeito de completude era coisa que nem mesmo as mais burocráticas frases poderiam dissipar. As palavras eram cuspidas em velocidade, como que para disfarçar que recheavam algo fantasticamente indizível; e mesmo as mais enfadonhas pareciam tomar a mão uma da outra e bailar ao nosso redor, em movimentos suaves e graciosos, ao retumbante som da música, agora sincronizada, que pulsava no interior dos dois ali presentes. Faz-me feliz essa busca tão íntima, tão minha, por uma fagulha qualquer de sua atenção, ou por um sorriso colhido em meio a uma piadinha banal. Neste momento em que a admiro, que a percebo mais linda porque também insegura, que vejo seus olhos mais uma vez brilhantes como os meus também devam estar, nos percebo conectados para sempre, onde quer que nossas vidas possam nos conduzir. E, se ainda sublimo a vontade irresistível de tomar suas mãos entre as minhas e abraçá-la, é porque sei que, neste momento, isso não é o mais importante.
Agora é hora de descer e cumprimentar os outros, tomar parte na dança amalucada que alguns empreendem na pista, beber um pouco de cerveja (ou muita, vamos ver), comer, sorrir... Enfim, me entregar um pouco à celebração de uma certa melancolia por esses encontros serem tão etéreos, fortuitos, em meio ao massacre que rotina e cotidiano perpetuam em nossas vidas. Mas estou aqui por sua causa. E, depois de nos desencontrarmos após o cumprimento inicial (você foi de encontro às suas amigas, eu, aos que há tanto não encontrava), eu ainda estava mergulhado em agridoce estupor. Buscava agir normalmente, sem dar a entender aos outros a minha confusão, mas a cabeça continha apenas uma imagem congelada de teu rosto. Parecia, mesmo sem tê-la em meu campo de visão, perceber quais eram seus movimentos, para onde você olhava, o que pensava ao observar as coisas - e imaginava apenas que, se pudesse ser eu o alvo de algum de seus olhares e devaneios, de repente o mundo pudesse ser um lugar melhor por alguns instantes. Justo, até. Mas seria o amor uma questão de justiça? Isso eu não sei dizer. Só sei que, neste momento, em que um copo cheio de bebida alcoólica encontra-se em minhas mãos, o suor já começa a brotar das axilas e testa por conta da dança, as luzes começam a se confundir e os músculos se movimentam freneticamente como que impulsionados pela força maior que uma música contém, você passa aqui por perto. E as questões que me coloco subitamente não necessitam mais de resposta.
Anestesiado, exercito com gosto essa minha momentânea liberdade. Existo, agora, como um vapor efêmero, mas ao mesmo tempo dotado de um peso interno quase paquidérmico. E os minutos escoam leves, sem pressa, quase imperceptíveis. Algumas noites realmente valem a pena.