MARCELA VEM PARA O JANTAR
Começou em uma tarde de sol.
Ele havia estacionado na orla do Barigui, por onde passo uma vez a cada sei lá quantos anos. Completamente fora de minha rota no mais das vezes, o parque estava no meio da melhor opção para cortar caminho. A decisão de seguir por ali me levou a notá-lo em pé, gesticulando em meio a várias pessoas. Imaginei o pior e parei com o propósito de oferecer minha intermediação ao que supus ser um bate-boca.
Não era. Ele tentava vender o carro!
Riu de mim e com aquele seu modo expansivo de ser me constrangeu sugerindo:
-- Dispense os seguranças. Você acaba de provar que é macho ao vir ao meu socorro.
Festeiro, rodeado de amigos em razão de seus modos expansivos, ele era um dínamo. Eu o chamava de Mercúrio por ser lépido, criativo, mentalmente hábil. Durante algum tempo havia trabalhado no departamento, quase ao meu lado, e assim como entrou, saiu, de uma hora para outra.
-- Não dá para ver tantas oportunidades passarem assim diante de meu nariz – havia dito olhando em meus olhos para que eu soubesse que estava se demitindo porque não suportaria mais as tão freqüentes ofertas de suborno a que somos submetidos.
Ligou algumas vezes depois. Quando não me encontrava a postos, ou não tinha de pronto as minhas respostas, reclamava. Porém, quando ficava de ligar prestando alguma informação o fazia quando bem entendia e em geral nem tocava nas indagações por mim formuladas.
Eu o deixei ao lado do carro, pescando novos possíveis compradores. Semanas depois o recebi em meu gabinete e enquanto o prestigiava ninguém nos perturbou. Falamos sobre Marcela. Tinha lá uma asa caída por ela, mas a moça era muito triste e ele queria alegria na vida. Perguntei se era somente aquele o defeito da moça. Havia outras queixas, ela era daquelas de pegar no pé, melosa demais, e ele não dispunha de tempo para bajular garotas sensíveis. Ao sair, riu de mim:
-- Obrigado pela exclusividade. Pelo menos isso o departamento tem de bom; você não tem aquelas solicitações urgentes que entram atropelando.
-- Não! Eu não as tenho – concordei constrangido e com uma pontinha de mágoa pela insensibilidade do amigo que não consegue perceber quando é homenageado com um tratamento prioritário.
As relações do casal foram se deteriorando, as amarras se esgarçando e, ao que sei, sobreviera uma separação sem despedidas. As minhas com ele permaneciam mornas como sempre. Mesmo assim tive oportunidade de sugerir:
-- Marcela é boa moça. Quem sabe se não é você quem a faz triste? Ela tem sede de amor. Você tem tanta alegria. Por que não a inclui em seus planos e caminha na direção dela e não em rota paralela?
Há certas coisas que eu não sei como explicar por que acontecem. Na noite em que o departamento ofereceu a festa de confraternização, no final do ano, eu tinha a intenção de permanecer sozinho no apartamento. Ocorreu que naquele período Marcela participava de um grupo de trabalho instalado em uma sala que havíamos cedido ao Protocolo. Excelente funcionária sentia-se deslocada e em nome da amizade me aproximei.
E então veio a noite de Natal.
E, na noite do Natal, Mercúrio foi ao meu apartamento para uma visita rápida, um abraço, um oi numa noite especial. Em meu novo apartamento eu estava com a mesa pronta, arrumada, exibindo minhas melhores guarnições e serviços em pratas, cristais e porcelanas. Conversávamos eu e Mercúrio em pé, nas proximidades do janelão para termos o prazer do panorama externo repleto de luzes piscando em árvores e platibandas próximas.
Foi então que a mulher que se encarrega do serviço de minha copa apareceu ao nosso lado. Disse com um tom mais alegre do que eu gostaria que houvesse dito:
-- Marcela vem para o jantar. Acabou de ligar.
Começou em uma tarde de sol.
Ele havia estacionado na orla do Barigui, por onde passo uma vez a cada sei lá quantos anos. Completamente fora de minha rota no mais das vezes, o parque estava no meio da melhor opção para cortar caminho. A decisão de seguir por ali me levou a notá-lo em pé, gesticulando em meio a várias pessoas. Imaginei o pior e parei com o propósito de oferecer minha intermediação ao que supus ser um bate-boca.
Não era. Ele tentava vender o carro!
Riu de mim e com aquele seu modo expansivo de ser me constrangeu sugerindo:
-- Dispense os seguranças. Você acaba de provar que é macho ao vir ao meu socorro.
Festeiro, rodeado de amigos em razão de seus modos expansivos, ele era um dínamo. Eu o chamava de Mercúrio por ser lépido, criativo, mentalmente hábil. Durante algum tempo havia trabalhado no departamento, quase ao meu lado, e assim como entrou, saiu, de uma hora para outra.
-- Não dá para ver tantas oportunidades passarem assim diante de meu nariz – havia dito olhando em meus olhos para que eu soubesse que estava se demitindo porque não suportaria mais as tão freqüentes ofertas de suborno a que somos submetidos.
Ligou algumas vezes depois. Quando não me encontrava a postos, ou não tinha de pronto as minhas respostas, reclamava. Porém, quando ficava de ligar prestando alguma informação o fazia quando bem entendia e em geral nem tocava nas indagações por mim formuladas.
Eu o deixei ao lado do carro, pescando novos possíveis compradores. Semanas depois o recebi em meu gabinete e enquanto o prestigiava ninguém nos perturbou. Falamos sobre Marcela. Tinha lá uma asa caída por ela, mas a moça era muito triste e ele queria alegria na vida. Perguntei se era somente aquele o defeito da moça. Havia outras queixas, ela era daquelas de pegar no pé, melosa demais, e ele não dispunha de tempo para bajular garotas sensíveis. Ao sair, riu de mim:
-- Obrigado pela exclusividade. Pelo menos isso o departamento tem de bom; você não tem aquelas solicitações urgentes que entram atropelando.
-- Não! Eu não as tenho – concordei constrangido e com uma pontinha de mágoa pela insensibilidade do amigo que não consegue perceber quando é homenageado com um tratamento prioritário.
As relações do casal foram se deteriorando, as amarras se esgarçando e, ao que sei, sobreviera uma separação sem despedidas. As minhas com ele permaneciam mornas como sempre. Mesmo assim tive oportunidade de sugerir:
-- Marcela é boa moça. Quem sabe se não é você quem a faz triste? Ela tem sede de amor. Você tem tanta alegria. Por que não a inclui em seus planos e caminha na direção dela e não em rota paralela?
Há certas coisas que eu não sei como explicar por que acontecem. Na noite em que o departamento ofereceu a festa de confraternização, no final do ano, eu tinha a intenção de permanecer sozinho no apartamento. Ocorreu que naquele período Marcela participava de um grupo de trabalho instalado em uma sala que havíamos cedido ao Protocolo. Excelente funcionária sentia-se deslocada e em nome da amizade me aproximei.
E então veio a noite de Natal.
E, na noite do Natal, Mercúrio foi ao meu apartamento para uma visita rápida, um abraço, um oi numa noite especial. Em meu novo apartamento eu estava com a mesa pronta, arrumada, exibindo minhas melhores guarnições e serviços em pratas, cristais e porcelanas. Conversávamos eu e Mercúrio em pé, nas proximidades do janelão para termos o prazer do panorama externo repleto de luzes piscando em árvores e platibandas próximas.
Foi então que a mulher que se encarrega do serviço de minha copa apareceu ao nosso lado. Disse com um tom mais alegre do que eu gostaria que houvesse dito:
-- Marcela vem para o jantar. Acabou de ligar.