Odisséia - eis quem eu sou
Ela era linda. Morena, baixinha, espetacular como só as morenas baixinhas sabem ser. No alto dos 1,58m, com seus saltos altos, e suas pernas esguias, rijas, perfeitamente torneadas por Deuses do Olimpo que gostam de brincar com os descendentes de seus filhinhos bastardos. E o pior, meus caros, o pior: Ela sabia que era gostosa. Desejada até mesmo por Serginhos, Dicesar, Richarlyssons e outros seres de sexualidade duvidosa. Desfilava seus longos cabelos negros, exibindo seios que chamavam a atenção à distância, mas que não destoavam de toda a beleza que reluzia nela. Olhos negros, não castanhos escuros, negro como o breu de uma noite nublada, profundo. Isso talvez fosse o que mais chamava a atenção. Os olhos, se bem que a bunda também era algo a ser admirado como um Gre-Nal de final de Libertadores.
Mas além disso, além de todas essas características físicas que já a credenciariam a um posto eterno no imaginário adolescente de irmãos e primos menores, ela ainda era extrovertida, de um papo fantástico, alegre, pra cima, sem frescuras, rodeios e nhenhenhés. Enfim, era a nora perfeita. O problema é que o namorado dela não o era. Era um completo insano. Arigó, não dava valor ao que tinha nos braços, ao que tinha na mão. O tempo em que ficavam juntos era escasso, por vontade dele, nunca dela, fazia seus programas sozinho, tinha uma vida independente e quando dava, encaixava a sua linda menininha na história. Pobre otário, sempre abriu espaço pra ser corno. Sempre deu motivos, quase que por escrito, para que fosse traído e o máximo que poderia fazer seria um muchocho e voltar ao seu mundinho playmobil onde ele achava que era foda. Playboy, bebum, pseudo milhares de coisas. Nunca foi bom em nada, e ainda assim, conseguia feitos realmente invejáveis, como por exemplo, andar de mãos dadas pela rua e pelas festas com aquela Megan Fox versão diminuta.
Aliás, abre-se um parenteses aqui pra se fazer um questionamento pontual. Quantas vezes você olha para um casal e consegue dizer “os dois se merecem, ambos são bonitos (ou ambos são feios como um cu com cãimbra), os dois combinam perfeitamente”? São poucos, pouquíssimos, por que já é da natureza humana criar picuinhas, espezinhar pessoas, e fazer com que haja certas divergências. O conflito é mais entretenimento que uma situação pacífica. Vide BBB e guerras pelo mundo, vide caso Nardoni e o fórum de sustentabilidade ambiental. O conflito é fomentado para que haja sobre o que falar. Malditos seres humanos, invejosos e mesquinhos na sua essência. Mas enfim, a necessidade de se impor alguém como sendo melhor que o outro em um relacionamento, ou nas palavras de um amigo meu, definir quem é a “bixinha” do namoro, é uma constante, porque assim as coisas ficam mais interessantes pra quem tá de fora. Cabe a quem tá dentro da relação não se deixar afetar por isso, pq senão, neguin, bixo pega e vai buscar tua love history na camada do pré-sal. Fecha parenteses.
Voltando, era um casal que apesar de ser feliz, era visto que não combinava, pois ela era linda, ele não passava de um ser mediano, que com muito esforço poderia ser notado numa reunião dançante da 6ª série quando chegasse de carro com seus 21 anos. E ainda ia perder a guria mais bonita da festa pro capitão do time da inter-séries que acabou com a sequencia invicta da turma da manhã que já durava 3 anos. Em outras palavras, era um fudido. Mas um fudido com sorte, pois aquela pequenina Megan Fox o amava, em mais um mistério que Deus talvez poderia descrever como sendo uma intervenção divina por algo de muito bom que aquele guri tinha feito na vida passada. Ou que ela tenha feito algo extremamente bisonho e que merecesse tal castigo digno de Genghis Kahn.
Mas eis que os seres divinos, num ato de extrema ciência, fizeram o que deles se esperavam, e operaram com a Justiça. Fizeram com que aquele fudido achasse que era bom o suficiente e se sentisse insatisfeito na relação, e pedisse as contas. E antes que percebessem a cagada que ele fizera, ainda, em um cena inesperada, como se houvesse a assinatura de Tarantino em um filme noir, ele se apaixonaria por uma garota que a sua ex-namorada até então já nutria montanhas acumuladas de ódio por motivos diversos, e que normalmente não lhe diria respeito. Mas assim foi, e permaneceu sendo. O novo casal formado pelo arigó e pela terceira ficou, namorou, estavam felizes e serelepes. Porém, como num estalo, num piscar de olhos, em um momento de cochilo das entidades divinas que guardavam a justiça do mundo, todo aquele conceito de mantenha o pequeno padawan afastado da linda menina para que ela ache alguém que a mereça foi deslizando como um morro no litoral paulista.
Era meados de setembro, o pequeno arigó ainda vivia feliz, serelepe com a sua nova namorada, apesar de contratempos que poderiam ter arruinado a sua vida, e como de fato a tornaram pior, mas ainda não a ponto de alguma entidade divina ter pena dele e fazer com que retomasse a vida normal, de antes, junto dela. Ou talvez foi exatamente isso que aconteceu, quando o Boninho virou as costas, um estagiário do BBB decidiu dar o colar de líder para aquele pobre excluído que escorregou e caiu e estorou o joelho. Aí então o Boninho viu, e decidiu, em primeiro lugar, demitir o escravo, e depois, sabotou a edição do programa para que ele fosse o vilão da história e saísse com a maior rejeição da história mundial. Ou quase isso.
Ao se dar conta de quanta falta ela fazia na vida daquele ser, e o quanto ele ainda amava ela, ele não hesitou, e largou tudo, namorada, faculdade, pra poder ir atrás dela. Megan Fox estava numa cidade distante, e numa noite antes, ambos bebados, juras de amor e promessas lindas dignas de uma novela do Manoel Carlos foram feitos, em meio a mergulhos com celular, pulo de muros, corridas pela madrugada de uma cidade movimentadíssima e agitadíssima, como um velho faroeste americano, onde todos silenciam quando o vilão aproa seu cavalo na rua principal.
Então, em 2 dias de insanidade, em uma viagem meio doida, de deixar Kerouak com inveja, Bob Dylan envergonhado, e num término digno de Bukowsky, com uma linda morena deitada nua num quarto porco de um hotel miserento onde uma garrafa de vinho exalava um cheiro doce de uva, e o suor dos corpos umedecia as janelas, um pedido de casamento foi feito, declarações extremadas ocasionadas em muito por parte do álcool, aquela história de amor injusta parecia ter um segundo tempo. Ela era o ponto de equilíbrio dele, o que era um problema, pois o lobo da espete era completamente desajustado, e isso se transformava em um fardo gigantesco para a Little Meggie. Como se ainda não bastasse ela aturar ele, deveras inferior a ela em quase todos os aspectos (de fato acho que ele só era melhor que ela no Pacman versão 2.1, mas ainda há divergências), ainda teria que agir de modo que ele simplesmente não surtasse. Mas ela parecia disposta a aguentar, e então por 1 mês. aquele casal questionado por todos por coisas tipo "como ela ainda consegue ficar com ele?' viveu plenamente feliz, como dois pombinhos em começo de namoro, envolvendo saídas doidas em shows de rock'n'roll, escapadas da aula para um chimarrão no parque, formatação de trabalhos acadêmicos em meio a porres fenomenais e acampamentos em barcas locas onde tudo era alegria e sorrisos, com exceção de aranhas no boxe do banheiro.
Eis que Boninho percebe a cagada, o estagiário chamado Almir justifica com seu famoso "ei quirido, eu achei que era justo" e a deusa Themis esbraveja do alto do Olimpo e pensou em dar aquela história um fim trágico digno de ser narrado por Sófocles, se ele vivesse nos dias de hoje e usasse all star e gostasse de Walverdes.
A convivência diária existia em períodos muito pequenos, algo como 15 minutos por dia, pois o pequeno arigó trabalhava com seu pai (Playboy pra caraaaaaio), fazia faculdade longe pra caramba, e o contato era através do retorno da faculdade, mas que era o tempo de pegar o carro e ir pra casa dele, em outra cidade, pois tinha que trabalhar (ele tinha esperança de mostrar ao mundo que não era esse playboy todo, mas que no final se mostrou infrutífera, pois afinal, ele era idiota o suficiente para ser denominado assim mesmo).
O problema é que no ônibus que o levava à faculdade, ia junto a sua ex namorada, que nem ela e nem metade da galera olhava na cara daquele fiadasputa que tinha iludido a pobrezinha e depois voltado com a ex, aqui em referência à Megan Fox. Pra aturar aquelas viagens que eram como um terror para o pequeno arigó, que além de tudo era covarde, frouxo e burro, tomava doses cavalares de rivrotril misturando com cerveja, vinho, whisky e o que mais de álcool aparecesse pela frente. Ao fim de tudo, as viagens transformavam-se em terríveis bad trips de alucinações bizarras, ataques de pânico e um olhar eternamente vidrado num horizonte de corn flakes que somente ele via.
Aquilo realmente tava fazendo mal a ele, então as doses foram diminuindo, diminuindo aos poucos, e começou a rolar uma aproximação entre a ex, odiada pela Megan Fox, e o arigozinho da enchente. E eis que a Meggie tem uma irmã, que também viaja no mesmo ônibus. E ela foi laragar quentinha pra irmã. Mas a princípio não tinha nada a ver, era só uma questão do padawan de não manter inimizades, pois ele tava indo embora da faculdade, e ia ser escroto sair brigado com a geral. Mas a Megan Fox sentia cheiro de problema, e ligou um dia pela manhã para o padawan, e ordenou que ele não mantivesse contato com ela. Arigó que era, achava-se no direito de querer negociar qualquer coisa com aquele espetáculo, e disse que não era bem assim que funcionava a bagaça, pobre coitado e burro. Devia ter baixado a cabeça e dito sim senhora sem nem pensar em retrucar qualquer coisa.
Mas não, merda feita, ele disse que não ia deixar ela montar desse jeito, e disse que não. Ela teve um chilique que até a mãe dela se assustou, e ligou pro padawan mandando ele se afastar da filha dele, pois era um câncer que só fazia a filha dela sofrer. Porra brother, nada como uma recepção calorosa na família. E então meio a contragosto ele se afastou dela. A ex do ônibus continuava em cima, atacando numa frente um pouco diferente, fazendo com que a auto estima dele aumentasse, mentindo um monte, dizendo que ele era uma pessoa maravilhosa, e em meio a suas viagens com psicotrópicos e alucinantes, aquilo pareceu ser uma batalha entre ficar com a do bus, que fazia com que ela se sentisse bem, ou reunir forças pra aguentar além da Megan ressabiada, toda a família Fox de cara feia com o arigó. Covarde e burro que era, ele fez a sua escolha. Triste fim de um arigó, cujas 5 sílabas ecoam até hoje na mente, e que se pudesse, ele pegaria aquelas 13 letras em letras garrafais que encheria um outdoor e enfiaria todas elas no seu próprio reto.
Provavelmente. Eis a palavra que descarrilhou numa imensidão de infortúnios. Antes disso, aquele dilema entre brigar e se acomodar tinha tomado ares de epopéia interna, onde Belerofonte e Quimera se encontravam todo dia, das 17 as 19 e das 22:30 até a 00:30, invariavelmente, com ápices de um lado, e ápices de outro. Round 1, Quimera, round 2, Belerofonte, e assim alternando, como uma onda sonora que encontra na sua curva parabólica a perfeita intensidade para se produzir o som desejado. Mas o som desejado não era aquele chute na porta do carro, muito menos as palavras proferidas, que machucaram muito mais que qualquer dos socos, arranhões, puxões de cabelo ou qualquer outra atitude fisicamente hostil que a pequena Megan tenha tomado após ouvir essa palavrinha mágica que descarrilou em tal situação.
O arigó, como anteriormente dito, escolheu pelo caminho mais fácil, o da fuga, de não precisar encarar aqueles olhares de reprovação, de não precisar reconquistar a confiança e o carinho da família Fox de novo, e se refugiar em um balneário repleto de elogios mentirosos e de palavras doces ao ouvido. Assim como um leproso, que sabe que tá fudido, mas entre tratar da doença e se esconder numa ilha no Caribe, ele prefere tomar água de coco com os pés na água morna e salgada, a encarar duras sessões de tratamento. Mas enfim, a cagada estava toda armada no cérebro, sabia que tinha que ser feito, sabia que não bastava simplesmente fugir, era preciso deixar um recado, não basta o suicida se enforcar, ele deve deixar pelo menos um indício do porque daquilo tudo.
Assim sendo, numa chuvosa noite de primavera, onde o barulho do mar embala o sono dos nobre e justos, a palavra aquela, foi mencionada, dentro do carro, numa conversa onde o padawan se encontrava alterado pelos remédios psicotrópicos, que não o faziam alucinar por si só, mas que o tornavam mais calmo pra poder fazer toda a merda do mundo sem ficar nervoso. E então, até onde tudo transcorria minimamente bem, o tão bem quanto uma conversa do tipo "acho que não tem mais como a gente ficar junto" pode ser, ela fez insinuações sobre um retorno ao antigo relacionamento com aquela menina do ônibus. Obviamente, o tom não foi assim amistoso. Aliás, nada amistoso, para colocar nas palavras dela, foi mais algo como "tu vai voltar praquela vagabunda?". Provavelmente. Vomitada como que por impulso, onde o último fonema mal tinha saído de sua faringe, e os primeiros socos e chutes já eram merecidamentes desferidos contra aquele pequeno arigó.
Aí então seguiu-se de eventos que até hoje ecoam na mente daquele ser. O chute na porta, os chingamentos, as palavras aos berros de "playboy", "filhinho de papai", "louco" e daí por diante. Tudo isso, e um comentário que ainda aflige diretamente a vida dele: o questionamento quanto a sua capacidade de expressão através da escrita. Enfim, atingiu onde queria atingir, quem conhece o doente sabe aonde se faz doer, e foi ali, como uma soda cáustica enfiada dentro da ferida, que ela o atingiu. E ao fim, despejou sal grosso para que tal chaga não fechasse assim tão fácil.
A chegada em sua casa, aos prantos, berros, chutes e pontapés, teve ainda a participação especial da Sra Fox, mãe de Megan, que foi desesperadamente à rua recolher a sua filha, não sem antes ela devolver todo e qualquer presente, carta, bombom e tudo o mais que poderia ter servido para desinfetar os aposentos de sua casa que lembrassem que um dia aquele ser já pisara naquele sagrado chão. E assim foi, as penúltimas palavras proferidas até então entre padawan e Megan Fox. Penúltimas. Ouvidas por muita gente que se encontrava nos arredores, mas que queimaram o peito daquele a quem era dirigida como Nero fizeera com Roma em seus devaneios quando imperador. A diferença é que Roma se reergueu das ruínas. Ele não.
Como foi indicado por aquela palavra malemolentemente proferida no carro, o pequeno arigó voltou a ficar com aquela menina do ônibus. Mas já não era a mesma coisa. Foi tentando, tentando, tentando, mas o sentimento já não era mais o mesmo, a vontade já não era a mesma, o tesão já não era o mesmo. E então, passado pouco mais de 2 ou 3 semanas, mais um capítulo final em uma história mal começada. Dessa vez sem chiliques, sem escandalos. O pensamento dele ainda estava na Megan. Acordava na noite com os gritos que ela tinha deixado guardado no fundo da memória, e que vira e mexe vinha lhe perturbar o sono como se fosse um trauma de infância. Ela tinha lhe criado o bicho papão, e a forma que ele encontrou de acalmá-lo foi convidando para juntos tomar uma gelada e conversar sobre o que aconteceu. Ele e o bicho papão, parceiros de bebedeira.
Tornou-se rotina. Bebia excessivamente, e falava dela. Até com outras meninas com quem até tentava um amor de verão e tal e coisa, o assunto invariavelmente caía na pergunta “porque tu é tão amargurado?” e aí era preciso explicar o que aconteceu entre ele e a Srta. Fox. Tornou-se chato, louco, incomodava seus amigos, que já não mais aturavam ouvir ele falar daquilo tudo. Mas isso somente quando tava bêbado. Novas cicatrizes permanentes no rosto, somadas a uma já anteriormente adquirida em um acidente de carro, fazia com que ficasse esteticamente parecido com um Harry Potter saído da Fase. Todos os infortúnios aconteciam quando ele e Megan estavam separados. Concentração de energia negativa, talvez, mas não se sabe. Ninguém há de saber. Cortou contatos com quase todos, tornou-se recluso. Não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém. Queria tornar-se anônimo, para tentar esquecer de tudo. Não conseguiu.
Eis que, em uma bela noite de verão, onde iria se repetir a fórmula trago + loucura – noção = PT, ele foi, junto de amigos, a uma boate em um balneário bacana, coisa de magnata, o que, apesar de ser playboy, não fazia muito a cabeça dele. Pessoas fúteis, ignorantes e idiotas, como ele. Ele não gostava de gente como ele. Mas enfim, estavam lá, o arigozinho e seus amigos, quando de repente, ressurge do meio da multidão, como envolto em uma névoa, onde até o som se calou, o vento parou, e tudo se transformou somente na imensidão daqueles negros olhos, ela me encarou, mas não com um ar de luxúria como outras vezes havia me encarado, mas sim com um ar de soberana, um olhar de superioridade. Finalmente ela havia percebido que ele não era pra ela, ela merecia algo melhor. E foi aí que ele percebeu que já não tinha mais volta.
Os amigos dele eram também amigos dela, e como o arigó já encontrava-se borracho, e agora triste pela constatação anteriormente feita, decidiu que não mais partilharia o ambiente com ela, que não suportaria toda a luminosidade dela, enquanto ele ainda era o retrato da desilusão com cheiro de vodka. E assim, decidido, rumou à porta do lugar, aonde foi seguido por um de seus amigos, que o impediu. Uma outra menina do grupo de amigos, ao ver a situação, teve a brilhante idéia de chamar a Megan para conversar. Completamente desnecessário. Não precisava daquilo, ele não precisava encarar de frente novamente aquela pessoa radiante, enquanto ele se encolhia como um cachorro de rua na sarjeta úmida. As palavras que lhe foram dirigidas, ainda sem saber se repleta de uma ironia que machucava, ou de uma preocupação reconfortante, era mais ou menos como “bêbado de novo, por que tu faz isso?”. A resposta, idiota como sempre, foi um “eu sou o lobo da estepe” balbuciado mal e porcamente, que serviu para ela ver como ele ainda era o mesmo arigó estúpido de alguns meses atrás, o mesmo insano desequilibrado. Claro, ela era o seu ponto de equilíbrio.
A última troca de palavras até então entre os dois foi justamente essa. Uma pergunta, uma resposta, e fim. Mas convencido a ficar na festa pelos seus amigos, ainda que isso somente acontecesse se pudesse se apoiar no seu amigo Jose Cuervo, ele ali permaneceu. E, numa atitude até agora sem conseguir entender, ela também ali permaneceu, junto dos amigos do lobo da estepe. Por que? Somente ela sabe, e aquilo afetou muito o padawan, que após esse dia, potencializou a sua ruína, a descida foi mais funda, o abismo ficou mais alto, a queda, ainda maior, e a esperança que lhe restava era a mesma que possui um condenado que torce para que a injeção letal não funcione, que a cadeira elétrica queime o fusível, que a guilhotina esteja sem fio, e que o espadachim infarta e morra antes de lhe cortar a cabeça. Pífia, mas uma esperança.
E da esperança de recolocar as coisas em seu lugar o pequeno arigó ainda não conseguiu se reerguer. O olhar malévolo dela, que volta e meia se encontra com o olhar assustado e vazio dele, ainda reflete um medo que reside naquele corpo marcado por cicatrizes da reaproximação ser infrutífera, que ele permanece inerte, sofrendo sozinho, apático. Cagão. Essa é a verdade. Em uma dessas cruzadas de olhares, sentiu-se esfaqueado, murcho, morto. Formatura de um amigo em comum, que não são poucos, climas constrangedores, olhares de soslaio ainda piores, e um quase cortante silêncio, aterrador, paranóico e sincero. Sim, sincero, porque eles não tinham mais nada para se falar. Ou tinha, e não sabia. Ou simplesmente não queriam. Na verdade, ele quer, ele acha que ela não, e assim segue a vida, ele acuado, ela soberana, ele cachorro de rua, ela tigresa da savana.
Ele já formado, ela graduanda, encontraram-se na faculdade, ele para um churrasco de reencontro da sua turma de colação de grau, ela para mais uma aula. A cantina onde ele tantas e tantas vezes havia falado com ela por telefone, antes das aulas e nos intervalos, agora era palco para uma surda guerra de nervos. Ela o encarava, ele desviava. Ele olhava para ela, e ela continuava encarando. Para que aquilo tudo? Pra demonstrar sua superioridade? Isso é fato certo, consumado e gritado aos quatro ventos por Osiris. Mas pra ela não basta. Ela quer que ele a veja assim. Que a veja maior, superior. E o padawan não aguenta. É demais para ele. Refugia-se aonde pode, no álcool. E assim torna-se um quase alcóolatra, um pseudo lunático que vive borracho. E borracho é a forma que ele encontra coragem para, volta e meia, mandar um SMS para Megan. É errado, ele sabe, é covardia, ele sabe. Mas ele não consegue fazer diferente.
Inúmeras tentativas de viver diferente disso foram feitas. Tentou se esconder em uma áurea de playboy, com viagens a balneários paradisíacos com mulheres lindas que o desejavam. Como nem porque é um mistério, e mesmo assim, não conseguia ver graça naquilo, não conseguia ter vontade de ficar com elas, não tinha tesão. Aquilo tudo era tão vazio, tão sem sal, tão sem graça. Quando todos riam de uma conversa, quando todos apreciavam a beleza do lugar, a energia ótima que era emanada por aquela juventude cheia de gás e com sorrisos contagiantes, o pensamento dele era exclusivamente nela, e em como ela adoraria estar ali do seu lado. Ao ficar sozinho, uma única e solitária lágrima lhe corre o rosto. Dói pensar nela, dói viver aquela vida magnífica sem ela do lado. E pra escapar da dor, bebia. E ainda bebe, pois a dor ainda não cala.
Na sua estupidez, sofre. Na sua lucidez, entende que a culpa é toda sua, e sofre ainda mais. Maldita dor que não lhe larga, maldita culpa que carrega, maldita chaga que nunca fecha, malditos olhos julgadores que sempre souberam que ele tava errado. Maldito seja ele mesmo, que age por ímpeto, e em virtude disso, erra. Cicatrizes não dizem tanto do período turbulento que vive como o olhar vazio, como um viciado em crack no auge da abstinência. Nada lhe faz sentido, a vida já não tem mais cor, tudo é um filme francês antigo, onde mulheres lindas desfilam, mas que ele já não consegue olhar.
Meu nome é C.R. Santarem, eu sou o lobo da estepe, eu sou Zaratustra, o pequeno padawan, há muito esquecido de quem era, e sem nem ter noção de quem eu sou.