Encanto de uma noite branca
A neve branca tinha um brilho prateado por causa do luar, que penetrava espaços entre as nuvens, de forma que aquele lugar parecia um sonho. Gabriel ficou parado, à beira do lago congelado, apertando mais forte o casaco de pele contra o corpo.
Demorou alguns minutos para que visse um vulto surgir ao longe. Com um vestido tão alvo quanto o chão em que pisava, Isadora parecia ser a Senhora do Inverno. Seu cão de pelos prateados corria atrás dela como um lobo. O cavaleiro mais honrado da Rainha da Neve.
Ela parou perto dele. Tinha a pele pálida, mas as maçãs do rosto estavam coradas por conta da corrida. Sorria e seus olhos azuis cintilavam como estrelas.
Gabriel sorriu para ela, pegando uma mecha de seu longo cabelo negro e afastando-a do rosto delicado da moça.
-Luan me seguiu. – Ela disse. – Mas não precisamos nos preocupar com meu pai. Ele está viajando. E mamãe não sairia sozinha a minha procura.
Ele puxou-a pela nuca.
-Você está gelada. – Comentou, em tom de repreensão.
-Não tive tempo de me agasalhar. Tive que aproveitar a troca da ronda dos cavaleiros...
Ele lançou um olhar de censura para a garota. Mas acabou sorrindo para ela.
-Vamos procurar um abrigo. Não pode ficar aqui fora assim ou acabará doente.
-Está bem. – Ela concordou.
Gabriel conhecia bem a região e sabia que ali perto havia uma pequena caverna, que há algum tempo atrás abrigava uma família de lobos. Agora, ele constatara que estava vazia, então, levou Isadora até lá.
Os dois sentaram-se, abrigados do vento e Gabriel abraçou a moça, tentando envolver os ombros dela com a manta de pele que usava.
Ela aninhou-se perto dele.
-Espero sinceramente que os cavaleiros de seu pai não nos encontrem. – Gabriel comentou bem humorado.
-Não irão. São bobos demais. E de acordo com Nanau, vai nevar muito durante a noite. A neve nova irá encobrir o meu rastro e o de Luan.
-Muito esperta, você. – Ele sorriu.
-É claro.
-Mas você sabe que terá de voltar para casa...
-Não fale isso agora. Penso nisso quando for a hora. – Não queria pensar em despedidas quando havia acabado de chegar.
-Pensarão que eu a raptei.
-E não é isso? – Ela olhou-o nos olhos.
Ele encarou-a. Não era isso?
-Não sei dizer.
-Por que não?
Ele desviou os olhos, Pensou por um tempo.
-Sou um andarilho. Não tenho morada e nem conforto. Às vezes, sequer tenho comida. Não quero que você passe por isso.
-Eu já disse que não me importo.
-Pode não parecer tão ruim agora. Lembre-se de que você passou a vida protegida no castelo de seu pai. Você tem comida, serviçais e lareiras.
-Às vezes, eu penso que você é um mentiroso. – Ela comentou, virando a cara, com uma expressão contrariada.
-Não é uma mentira... Do que você está falando?
-Você disse que me ama. Mas quando falo em ir com você, sempre há uma desculpa...
-Não é uma mentira. Justamente por amar você, não quero que passe uma vida de privações.
-Só não me prive do que eu mais desejo... – A voz saiu num murmúrio. – E eu serei a mais feliz das criaturas.
Ele não podia negar-lhe nada assim. Ela era encantadora e parecia tão desamparada... Doía pensar em deixá-la, quando queria tanto estar com ela. Mas não queria que ela acabasse como uma mendiga esfolada nas estradas. A vida no lombo do cavalo, a seguir sem rumo, era cheia de perigos e imprevistos. Ele não queria que ela enfrentasse aquilo. Temia que, sendo tão delicada, não sobrevivesse.
-Vamos nos preocupar apenas em passar essa noite, então, já que, ao que tudo indica, haverá uma nevasca. – Disse, por fim.
Ela nada disse. Continuou olhando para a entrada da caverna. Ele olhou também. De fato, as nuvens pareciam mais densas agora.
Os dois ficaram olhando o tapete branco e gelado, ouvindo as respirações um do outro. Com o passar dos minutos, Gabriel envolveu-a mais pela cintura, como se quisesse garantir que ela não sairia correndo para o relento, onde passaria frio.
Isadora não reclamou. Logo estava com a cabeça apoiada no ombro dele.
Era bom demais ficar assim e isso fazia com que ela não conseguisse se zangar.
Isadora olhou para o rosto dele. O traçado rústico, o queixo coberto por um pouco de barba, e os penetrantes olhos dourados. Por fim, seus olhos se detiveram nos lábios. Que gosto teriam?
Beijar era proibido... Era pecado. Ou era o que o padre dizia sempre. Mas o padre não estava ali agora, para ver o que ela fazia. Assim, lentamente, os lábios dela tocaram os dele, que permaneceu parado. A ponta de sua língua percorreu aquela extensão, delicadamente , degustando cada pedaço. Com um suspiro baixinho, ela enlaçou o pescoço dele, enquanto os lábios dele se abriam, tomando o seus com suavidade. A lentidão com que suas línguas se roçaram fez com que ela sentisse um calafrio.
Bastaram alguns minutos para que ambos estivessem sem fôlego. Sofregamente, respiravam com intensidade pelo nariz, enquanto suas bocas não queriam desgrudar-se. Seus braços agora faziam com que seus corpos ficassem unidos, de forma que todos os contornos podiam ser sentidos.
As mãos começaram uma exploração sinuosa, pela epiderme e pelo tecido das roupas. Logo a investigação estava concluída e o pretenso procurado havia sido encontrado. Os dedos puxaram, com rapidez, o laço que prendia o vestido. As fitas se desfizeram e logo todas as roupas jaziam no chão gelado e as peles se encontravam, num frenesi de paixão.
A neve caia em flocos pequenos no exterior da caverna. E começava a aumentar a espessura do tapete que já cobria o chão. E a neve acumulada aumentou alguns centímetros, antes que Isadora puxasse a manta dele sobre si e sobre Gabriel. Agarrou-se a ele. Nada diziam.
Agora, os dois sabiam. Aquilo era um rapto. Assim que o dia raiasse e a neve cessasse de cair, iriam juntos conhecer o mundo, explorar horizontes perdidos na imensidão. E ninguém, jamais os encontraria.