Blue Dondequiera Verde
O TEMPO FLUI na ampulheta da idade. Translúcido, inevitável, perene, vinvisível, através de todas as coisas: nas mesas dos bares, no sol sobre as águas, entre os poros do corpo, nas asas aladas do Anjo dos Dias.
ESSE FUGAZ momento salta do aqui agora para algures, pela manhã, à noite, ou nas ondas da madrugada. Houve um momento em que a ilusão de tê-lo e detê-lo entre mãos, ficou na memória: a fluida adolescente de carne, ali, no exercitar da sedução a poucos metros da entrada de minha barraca.
O SOL VINTE e um, a Lua debutando. Um desejo sem idade, querer de todas as fases, para o passar tempo. Primavera. Como se tivesse esse poder, essa glória. Como se mago fosse e detivesse, entrededos, essa enorme e tão rasa profundidade: igual aos espelhos de água entre as pedras nas poças de areia da praia. Cada uma a refletir, do chão, a altitude das nuvens inalcançáveis e próximas, ao simples estender da mão. Seu ser sorri. Eu, gratificado como uma criança que ganha um presente cósmico único, acaricio os lábios encantados. Uma fada de contos medievais. Acessível.
Uma das três ninfas, de fazer inveja a outros adolescentes. A idealização juvenil da fêmea. Romantismo púbere. Depois é depois, agora ela é muito mais que uma simples perereca fedida. No momento, raro prazer e privilégio. Uma Valquíria adolescente, nada mais almejo, senão fazer a mágica de estar com essa beleza mitológica. Deixar sangrar a libido. A imaginação. Idealizei aquela criatura extraordinária, com um talento inimitável para cozinhar em óleo quente a mágica redundante da serpente.
Jovem, penitente, arrasto a cruz do desejo. Permito-me manipular pelos instintos de bacalhauzinho dessa amendoeira-da-praia. Aos trejeitos enredo-me no provisório Livro Sagrado dessa cosmogonia de escola de samba. Pudesse guardar essa plenitude, esse fermento, esses seios quentes, essas coxas juvenis abrindo-se numa loto transcendente. Sempre. Implacável guerreiro wagneriano de Eros, penetrar a terra conquistada, antena de querências quentes, molhadas no orvalho das transcendências eróticas, e de pura beatitude saciadas. Juventude, sítio insubstituível da mágica barca do adolescer. Provisória morada do êxtase. Indizível sentimento mesclado à angústia do rito de passagem. Serpente e maçã: a ideia desses peitinhos durinhos, glutglut orgasmo. Como a fruta de Newton, eles também tendem a cair.
Ah, a eterna mocidade deste sorriso não ouse nunca fragmentar-se com a idade, as eras. A eternidade latente desta simples verdade exulta, acontecimento definitivo, bigbang, independência virtureal. Inominável beatitude ao alcance das mãos. Intangível perenidade. Fazer valer a antiguidade do vinho da juventude. Fermentar encantos, desencantá-los. Ignorar olhos outros partícipes desse ímpeto. Não veem a serenidade pairando no colo da namorada. Azaram a grandiloquência da bem-aventurança, por pura inveja. Porque dela supõem não fazer parte. Tão ínfimos na essência, que nem desprezo merecem. Escoram-se na quantidade. Uma banana de braços para eles.
Mais tarde, uma infinidade de eternidades depois, quando a claridade solar passa à lua o pouso da ave do anoitecer, você chega outra vez, telúrica. A pele polivalente dos sentidos aquecidos no calor uterino da barraca. Amante de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitroglicerina. Delícia penetrar-te, véu ilusório de Maya, tênue lenço de seda impregnado pela tempestade d’areia. Úmidas flores de vigor e entusiasmo, ansiedade de ondas brancas, nuvens de pássaros brancos fazendo marola no barco da adolescência.
Saborear a poeira da maresia juvenil sobre a pele insone da efêmera realidade. Usurpar, talvez, estes últimos resquícios supostamente castos, dessa declinação situada neste equador celeste. Odor orgíaco, fresta baquiana, atalho sísifico. Passagem para outras dimensões inexploradas, rumo a sementes futuras tão antepassadas, unificadas na seiva senda transa, vagam versos hodiernos. No mix dos corpos, o subjetivo solfejar da pétala esguia no aquário.
Ocre aroma emana da flexível estrela da vida vadieira. Passos em direção ao silêncio depois. Ao contrário de Sísifo, sinto-me natural, inesgotável e útil. Desejo com todas as forças incontidas deste eterno movimento, deslizar em água corrente até o âmago do âmago deste seixo. Ser direção dos mistérios voláteis na telúrica fragrância rosácea de bacalhauzinho.
Invejável privilégio: criar infindáveis redundâncias nesta estrada mística e ao mesmo tempo perecível carne. Nela explorar trilhas para esses universos paralelos onde Thânatos, inutilmente, busca uma morada. Amor e tosse não se escondem. Nem esse olhar, mar “blue” de maio, nessa noite solar, que esses malditos borrachudos cinzentos não conseguem perturbar.
A descoberta juvenil de que o mar tem por função ligar os portos distantes da emoção. O pulsar de cada coração independente, agora não tão solitário. Usufruir desse bem-estar, antes de ter de aderir ao lixo do salário. Antes de sair do casulo da mocidade para ser mais um galho na árvore genealógica, DNA genoma do capitalismo selvagem. Sua dominação sistêmica. Sádica.
Como preservar o prazer de usufruir a serena bem-aventurança desses espaços abertos, enquanto a carta do enforcado pelas gravatas do colarinho branco, cobra o tributo a ser pago pela sobrevivência do Tarô. Como fazer a permuta da utopia subjetiva dos feitos da liberdade, pela trapaça de ter de ser mais um trabalhador combustível do medo?
Como fazer, sem traumas, a substituição desse perene lazer, pelas rotinas do curriculum vitae? Não desejo pagar nenhum preço para ser relativamente livre apenas um dia por semana. Não quero o Natal sobre a Terra apenas uma vez a cada 365 dias. Senhor, tirai de minhas mãos essa rotina dita de homem livre, que na realidade não passa de escravo da própria crucificação. Afasta de mim o cálice dessa respeitabilidade de anãozinhos, brincando com Branca de Neve. Ter um larbirinto de filhinhos de salão de cabeleireira pra Jesus criar.
Nasci de um jogo de buraco, de uma planta trepadeira, de um embalo de sábado à noite.
Não desejo isso pra ninguém. Saber preserva-me, de ser mais um membro respeitável da estirpe “black-tie”, casta infectocontagiosa que abunda nos shoppings conteres dos corações solitários. Preserva minha alma desses baixos e inomináveis sofismas. Essas mordomias não passam de contaminação pelo lixo fedorento à venda sob as luzes das vitrines megailuminadas pelos efeitos especiais das mercadorias globalizadas nos bazares da moda.
Preserva meu sal do acaso infortúnio do caminho reto, rumo à destinação menor de ser uma peça a mais na mecânica dos corpos da política dos donos das negociatas. Resguarda-me de perder a memória da estrada percorrida dentro de mim mesmo, em direção à superação deste deslumbramento cro-magnon pelo consumo de porcarias dolarizadas.
Garota dos olhos de onda do grande oceano, você não imagina o que fez por mim. Agora brotam estes terríveis desejos de sustentá-la, ter uma vida em comum contigo, transformá-la numa dona de casa, trancá-la nos quartos e salas do larbirinto sem fim.
Os sinais fechados da vida vão muito além dos semáforos. Ah, os mistérios da sensualidade. De amante da liberdade a leitor de romances, preso com você e a prole num iglu urbano, na noite antártica das pessoas da sala de jantar.
Vim querida, estou aqui. Nem imaginas, mima-me com sexo, faz-me perplexo ao dar e receber.
Agora, afasta provisoriamente esta beleza sem a qual a vida se minimiza. Essa coisa mais que perigosa, mortal, a falsa serenidade desse olhar, da qual são partes poéticas esses malditos mosquitos cinzentos travez. Nem eles conseguem perturbar a poesia a pairar serenamente, Anjo da Plenitude, sob as trevas prateadas do luar.
Olhos fixos na beleza redundante. Quetzalcoatl! Janelas amarelas para uma vida de portas fechadas, para o extremamente frágil sabor coletivo da solidão. Serpente emplumada, prisioneiro da zoo metrópole, globalizada pela telinha informatizada.
Mon amour! Quando este seu vibrador de volúpia de nossos filmes pornôs, tiverem esgotado todas suas nuas vibrações sensitivas até os ossos, depois dos sessenta e nove, setenta e quatro, você certamente lembrará de seus desejos imortais. Aí mora o perigo: não tê-los vivido, insatisfazê-los. Quem sabe vivê-los no “timing” certo, seja raríssima forma de feliz idade.