A CASA DE EMÍA

Emía tinha obstinação em traçar o futuro alicerçado em suas convicções. Que não eram poucas - diga-se de passagem.

Ela era fascinada por ver o dia anoitecer suavemente, achava a transição "sutil" da luz do dia para a chegada da noite um acontecimento esplêndido. E ali ficava PARADA onde estivesse para experimentar a leveza da chegada do breu. Contagiada - em seu momento de estagnação - do movimento das coisas, dos carros, das pessoas que retornam às suas casas depois do trabalho, depois da escola, depois das OBRIGAÇÕES...

É bem verdade que as manhãs lhes eram um parto diário. Ter de levantar-se cedo para quê? Para ver nascer o dia das vítimas do mundo nos noticiários, ver os corpos dos proletários rastejarem debaixo do sol em busca de sustento e satisfação falsários? Nada disto condizia com as convicções de Emía.

E mesmo assim ela insistia em deixar-se levar pela opinião alheia. Fugia de si constantemente e em poucos dias apaixonava-se por alguém a quem entregaria o amor, a dedicação impossível e a rotina que seguiria nos próximos meses ou anos.

As recordações mais latentes em sua memória eram advindas das paixões que tivera e se em seu repertório falhasse lembranças na cabeça, mantinha um relicário de cartas e objetos que guardados numa caixa junto a um diário não a deixavam esquecer nenhum dos amores que teve. Era convictamente nascida para amar.

Contudo para a tristeza de Emía os amores passavam. Em sua certeza sabia sempre que havia uma data para o início e o término de uma história. E era isso que ela era, uma colecionadora de histórias de amor. Não que não quisesse ter uma história só, mas parecia-lhe que de tanto amor para dar, certamente deveria dividir com mais alguém. E assim que surgisse o desejo de amar um novo alguém a penúltima história acabava de ser escrita.

A casa de Emía tinha algo de seu por todas as partes e ali ela conservava um espaço que era imensamente particular, onde cabiam apenas ela e o seu amor. Sim, porque estar com Emía é morar junto a ela, definitivamente. Ah! Quanta doçura em vê-la caminhando pela cozinha de meias nos pés e uma xícara de chá de hortelã nas mãos. Quanto perfume! Aqui e ali havia um quadro pintado por ela, uma costura que fizera para uma almofada de sofá, um biscoito de polvilho num pote na cozinha, um bolo quente na janela do quintal... E se orgulhava imensamente da beleza de cada feito e gesto seus. Todos para ofertar a alguém.

Certamente não era difícil amá-la, nem amar as suas simples exigências - como ter de amar o seu gato "Rom Rom" e as suas plantas - o amor era o seu maior ensinamento, mas ter de deixar de amá-la era doloroso demais. Era ter que voltar para casa.