Coragem

Todos os dias, Andy encontrava-se com Hórus, em sua escola. Andy ficava admirada com a forma como Hórus não se importava com quase nada. Com o que os outros pensavam, com o que os outros diriam dela... E mesmo tendo todo um comportamento que todos julgariam anti-ético, ela tinha muitos amigos e falava com praticamente todo mundo. E era isso que impressionava. Andy se orgulhava de ter uma amiga como Hórus.

Andy era uma estudante tímida, até mesmo normal demais. Tinha os cabelos curtos e castanhos, e olhos verdes. Ela passou a vida tentando ser o mais “normal” o possível. Não fazia nada que fosse fora do pensamento da sociedade, e muito menos se arriscava pelo que gostava... E era uma vida chata e monótona de verdade. Até ela conhecer Hórus. Seu total oposto.

Hórus tinha cabelos compridos e negros, olhos azuis. Ela era meio “dark” em seu visual. Gostava de preto e calças rasgadas, tênis rabiscados e desleixados. Geralmente falava alto, ria alto, chamava atenção, bebia e fazia todos os tipos de atitudes da maneira mais impulsiva e imprevisível o possível. Gostava do que não gostavam e saía falando o que bem pensava e entendia. E mesmo assim... A sociedade não a julgava. Bom, muitos podiam até fazê-lo. Mas ela mandava o dedo pra eles, e logo eles se calavam. E por isso, muitos a invejavam e outros a adoravam... Muitos mesmo a adoravam.

Hórus acabou se aproximando de Andy, e as duas viraram muito amigas. Era estranho como o destino aprontava peças, para quem acreditava nele.

O que vai fazer no final de semana, Andy? - Hórus perguntou, rindo-se, enquanto rabiscava uma carteira da classe.

Hm... - Andy olhava com um olhar de surpresa para uma atitude que ela desaprovaria anteriormente, mas agora, parecia tão normal... - Nada, acho. Talvez estudar um pouco.

Estudar, estudar! Só sabe falar disso! Vamos farrear, porra! - Hórus disse, bem alto e a professora brigou com ela.

Shhh... Melhor ficarmos quietas. - Disse a menina de cabelos castanhos.

Que bobagem... - Hórus disse, bocejando. - Vamos sair um pouco, vamos conversar!

Então... - Andy tomou coragem. - Venha a minha casa.

Hm... - A menina de cabelo escuro ficou interessada. - Pode ser!

Outra coisa que Andy não conseguia acreditar, era o fato de que Hórus era homossexual completamente assumida. Isso mesmo! Seus pais sabiam e aprovavam, seus amigos todos sabiam, as pessoas do colégio... E mesmo assim, ela ainda não era massacrada pela sociedade, porque ela simplesmente não permitia! Fazia o que gostava e ainda assinava embaixo! E isso continuava a impressionando...

Hórus chegou na casa de Andy, e a mãe da menina já a chamou para fazer comentários sobre isso:

Essa menina é esquisita, Andy... - Sua mãe disse, totalmente acostumada com as antigas amigas patricinhas de sua filha.

Ahn... Ela é meio... Excêntrica só, mãe! - Disse a menina, tentando disfarçar.

Muito excêntrica! Cuidado com ela! - A mãe disse, apreensiva, e a menina suspirou.

Ela sabia que Hórus não era perigosa. Ela fazia tudo o que queria, mas era uma pessoa maravilhosa. Era sincera, boa amiga e se importava com os outros. Talvez... Andy pensava, ela deveria ser mais perigosa que Hórus. Era uma bomba relógio. Sempre contida, sempre parada, nunca fazia o que queria ou o que pensava. Nunca dizia o que estava afim, e era assim que vivia... Lacrada, como uma bomba mesmo, prestes à explodir. Qualquer momento e...

Quando Hórus chegou em seu quarto, ela percebeu a falta de “vida” do mesmo. Parecia um quarto sem liberdade e personalidade. Só tinha paredes cor-de-salmão, cama e armário branco e rosa. Nada mais. Nada além. Nenhuma vida. Como alguém poderia viver assim? Ela provavelmente pensou.

Elas sentaram-se no carpete macio, e começaram a conversar. Sim, conversar. Era isso que geralmente faziam quando estavam juntas. Estranhamente, trocavam experiências... E naquele dia, por ironia do destino, Andy acabou por destravar pela primeira vez um de seus lacres. E acabou por fazer uma pergunta a Hórus que sempre quis, mas sempre se conteve em fazer:

Você... É mesmo lésbica? - Ela perguntou, e Hórus riu.

Claro que sim... Por que mentiria sobre isso? - Ela disse, e riu.

Tem gente que finge, sabe? Por moda... - Andy disse de volta.

Mas eu não finjo. Você sabe que eu odeio moda. - Ela disse, e a menina de cabelos castanhos assentiu.

Então... Você já beijou uma menina? - A curiosidade continuava atacando.

Claro. - Ela disse, e riu novamente. Achou engraçado sua amiga estar falando sobre aquilo. Geralmente ela se contia e nunca falava o que pensava ou o que queria.

Então... Como é? - Ela perguntou, continuando o interrogatório.

Ah! É a mesma coisa! - Hórus disse, e ela levantou a sobrancelha meio incrédula. - Ah claro... Tipo, tem umas diferenças bobas. Se você for falar de língua, dentes e boca, é a mesma coisa. Mas... Me lembro que achei engraçado sentir um cabelo grande... E, também que geralmente meninas são da minha altura ou mais baixas. Dá pra sentir que elas... São mais românticas, sei lá. Mais emotivas, mais sentimentais... O beijo tem aquele “feeling” de sentimento, e não de “quero comer você”.

Hahaha... Verdade. - Andy disse, rindo-se, porque se sentia assim com os meninos. - Parece bom.

E então, percebendo o que tinha dito, tratou logo de se corrigir. E isso fez Hórus cair mais ainda na gargalhada.

N-não foi isso que quis dizer! Eu não faria isso, eu só...! - Mas então, a outra menina a acalmou.

Tranquila! Eu não pensei isso... - Ela disse, e Andy suspirou.

E... - Desatou outro nó. - Você já fez algo mais que um beijo com... Uma menina?

Bom... - Hórus voltou a rir, agora de vergonha. - Já sim.

E como foi? - Andy perguntou, parecia cada vez mais interessada.

Ué... Mais ou menos a mesma coisa. - E então, ao ver a cara da outra garota, ela logo se corrigiu. - Não a mesma coisa que fazer com garotos, a mesma coisa que o beijo... Tipo, as meninas são mais delicadas, mais fofas, sabe?

Hm... - A menina provavelmente parou pra imaginar, e ficou vermelha.

Mas tipo, isso também não significa que é como as pessoas acham que é... Porque, as pessoas quando pensam nisso de “sentimentos” e “delicadeza”, elas acham que é um sexo super sem graça, ou então só “romanticozinho”. Mas não é bem assim... Pode ser bem... Forte e sensual quando se quer. Tão... “Forte” quanto com um homem. Sabe?

É... - Ela disse, ainda sem saber.

Imaginemos que a vantagem seja o fato de que, da mesma forma que você conhece seu corpo e o que te faz se sentir... Sabe? Você vai saber exatamente como é o da pessoa e vice-versa... É legal descobrir que aquela parte do seu corpo que quando você faz determinada coisa, te faz sentir de determinada maneira... Quando você faz o mesmo na garota, ela sente o mesmo, sabe?

É. Também parece bom... - Diz a menina, e Hórus fica impressionada. Desta vez, ela simplesmente não se corrigiu.

E terminou assim, a conversa do dia. Para Hórus foi bem estranha e diferente. Não pareceu como conversava geralmente sobre coisas “politicamente corretas” com sua amiga Andy. Pareceu como uma nova etapa... Estranho. E para Andy, foi como se um grande peso sumisse das suas costas. E por algum motivo, por ter gostado tanto dessa “liberdade” tão nova, ela resolveu que continuaria seguindo em frente.

Dias depois, as conversas continuaram e foram indo a outros patamares. Por um lado, era até bom saber que Andy estava matando sua curiosidade:

Quem foi a primeira garota que você gostou? - Ela disse, perguntando para Hórus.

Ah, foi uma garota qualquer de um colégio que eu estudei. Era amor platônico. - Ela disse, rindo-se, só de lembrar das memórias. - Fiquei assim por 2 anos, até desencanar. Mas não deu nada, depois foi uma atrás da outra, até eu finalmente conseguir namorar pela primeira vez.

Hm... - Andy disse, e como não esperava, também foi interrogada.

E você? Já gostou de alguém? - Hórus perguntou, sorrindo estranhamente.

Hm... Já. Umas duas pessoas. - Ela disse, e então, ela sorriu, meio sem jeito. - Talvez três.

Três, é? - Hórus disse, achando engraçado. - E o que aconteceu?

Nada. Sempre foi platônico. - Ela disse, suspirando.

Mas... Então, você é virgem? - Hórus continuou.

Não... - Andy disse. - Perdi a virgindade uns anos atrás com um garoto. Mas foi uma experiência traumatizante.

Por que? - Hórus começou a pensar “Será que...?”.

Porque eu não gostava dele. - Ela disse, e continuou, se abrindo como nunca. - Eu só o fiz, porque achei que devia ser como as outras pessoas. Sabe?

É estranho... - E ela riu-se e caçoou. - Você tem que fazer tudo com alguém que goste, sabia? Senão não tem graça mesmo.

Sei... - Andy continuou, e então, estranhamente levantou a sobrancelha. - E você, gosta de alguém?

Tipo... Agora, neste momento? - Hórus perguntou, achando graça.

Sim.

Talvez... - E foi com essa resposta enigmática que Andy ficou.

Andy estava conversando com Mark, que era um amigo das duas do colégio. Ele tinha cabelos castanhos e olhos castanhos também. E ele acabou notando que havia algo estranho nas conversas de Andy.

Mark... Você já gostou de alguém? - Ela perguntou, voltando a origem.

Já sim, claro. Todo mundo, eu acho... - Ele disse, achando engraçado e esquisito.

Ah... A Hórus disse que teve vários amores platônicos até namorar com uma garota certa. - Ela disse, e então riu-se. - E ela disse também que está gostando de alguém agora.

Hm... Disse? - Ele perguntou, achando mais graça ainda.

Sim, mas ela disse “talvez” quando respondeu isso. - Ela continuou.

Isso o que? - Mark perguntou.

Sobre ela estar gostando de alguém agora. - Ela disse, e ele riu dela.

Claro. Ela sempre faz dessa forma. - Ele brincou. - Ela provoca até ter o que quer. Ela é sacana.

Como é...? - Andy não compreendeu, ou fingiu não compreender.

E ela te disse quem ela gostava? - Ele perguntou, interessado.

Não... - Ela disse, e suspirou. - Não disse nada.

E no mesmo dia, Mark foi conversar com Hórus. E lhe disse que achava que Andy estava gostando dela. Hórus apenas deu uma risada gostosa e disse pra ele ficar calmo que isso era com ela. E numa conversa habitual, sobre isso e aquilo... Hórus coçou a ferida:

Andy... - Hórus disse, e começou a rir, talvez forçadamente. - Mark disse... Que acha que você está gostando de mim.

E naquele momento, uma bomba explodiu no cérebro e no coração de Andy. Foi um choque completo! Como assim!?

- E-eu!!? Claro que não! Que i-idiota! Eu sou hétero! - Ela disse, não parecia muito convicta gaguejando desse jeito.

Ah... Eu disse pra ele que se... Fosse você tudo bem. - Ela disse, e viu a outra menina ficar novamente completamente sem graça e agora sem fala. - Até porque, você é meu tipo, Andy!

C-como assim...? - Ela disse, ficando nervosa.

Vou indo! Tenho que resolver umas coisas! - E ela se despediu, DE PROPÓSITO, e foi embora.

Andy ficou pensando naquilo... Durante muito, muito tempo mesmo. Era impossível. Como ela poderia dizer isso? Ela deveria... Deveria dizer tudo o que pensava? Ela deveria se abrir? Ela podia fazer algo assim? Que absurdo... Ela não podia. Era anti-ético. E ela odiava esse tipo de coisa. Ou não?

Você disse o que a ela!? Você não presta, Hórus! - Mark disse, rindo muito.

Ué... Eu só quero saber qual é a dela. Se ela não tiver afim, ela vai ver que podemos ser amigas. E se ela tiver afim, ela vai ver que eu não me oponho a isso... - Ela disse, com cara de pervertida.

Muito pelo contrário, né!? - E os dois, começam a rir.

Que está havendo que vocês estão rindo? - Chegou Andy, e os dois tomaram um susto.

Nada não, Andyzinha! - Disse Mark e logo arrumou uma desculpa. - Ah! Meninas! É minha festa de aniversário no domingo!

Sério, cara! Show! Que vai fazer de bom? - Hórus perguntou, se animando, e Andy só ouvindo.

Uma festa lá em casa! Vai ter bebida! - Ele disse, e então, a menina de cabelos negros se animou ainda mais.

Foda! - E virou-se para a menina certinha. - Vamos, Andy?

Claro... Mas eu não vou beber. - Ela disse, como sempre.

Ah, que isso! Cadê seu espírito aventureiro!? - A outra continuou a provocar.

Talvez... Eu prove. - E ela começava a mudar de idéia.

E chegou o dia da festa. E eles começaram a beber. Estavam os três e mais alguns, no quarto de Mark. Andy bebeu pouco, e já estava ficando grogue.

Pessoal! Eu tive uma idéia ótima! - Disse o garoto. - Vamos jogar verdade ou consequência!?

Vamos! - Concordou Hórus, e devido ao álcool, a menina certinha concordou também. - Começa aí a girar!

Eles pegaram uma garrafa e começaram a girá-la. A ponta de cima que era aberta, era a pergunta, e a de baixo que era a base, era a resposta. Giraram, e parou Mark pergunta para Hórus.

Hórus... Hahaha! - Ele começou a rir. Eram amigos há tempo, então,... Conheciam bastante um do outro. - Você está mortalmente apaixonada por alguém que está aqui nesta festa agorinha!?

“Que safado...” ela pensou.

Sim... Estou. - Mas ela entrou no jogo. Andy olhou para a menina de cabelos negros quando ela deu esta resposta.

E de novo, a garrafa girou, e desta vez, caiu de Hórus perguntar para Andy. A tensão era muita.

Deixa eu ver algo que eu ainda não te perguntei... - Ela coçou a cabeça em sinal de falta de memória. - Você beijaria uma menina, só de curiosidade?

Ahn...!? - E Andy ficou muito surpresa. Ela gaguejou, ficou vermelha, nervosa e não conseguia responder. Eles começaram a rir. - Bom, antes acho que não o faria. Mas...

Mas...? - Mark começava a ajudar.

Depois do que Hórus me falou... Talvez não seja tão ruim assim. - Ela disse, e todo mundo começou a rir, até ela, que estava alta.

E foi caindo outras e outras que nada tinham a ver com a história em questão. Até que caiu uma definitiva... Mark para Andy.

Verdade ou consequência!? - Ele perguntou, todo feliz.

Verdade... - Mas todo mundo vaiou.

Ah! Está todo mundo pedindo verdade, pede algo diferente! - Alguém falou, e ela, bêbada, acabou por aceitar.

Tudo bem... Consequência! - Ela disse, e riu-se novamente.

Ó, mas tem que cumprir, viu!? - Disse o menino, animado.

Contanto que eu não me canse, não me machuque, não saia da sua casa ou qualquer coisa assim... Tudo bem. - A garota disse, com uma coragem que não costumava ter.

Ok. - E então, ele preparou a bomba... - Eu quero que você beije a Hórus!!!

E quando ele disse isso. O mundo parou. Enquanto algumas pessoas riam da situação, ou mesmo da curiosidade de ver esse acontecimento. Hórus estava surpresa com a atitude de seu amigo, e sem saber como agir. E Andy estava se sentindo estranha... Ela estava com medo, com vergonha... Com tudo!

M-mas... - Andy disse, e o garoto a encarou, com um sorriso malvado no rosto.

É só um jogo! Relaxa, Andy, e leva na esportiva! - Mark disse, dando-a coragem.

E era mais um ponto, mais um lacre que se estilhaçava... Ela faria o que tinha vontade ou faria o que achava que seria certo. Todos a olhavam, e esperavam dela uma resposta. Os olhos azuis de Hórus pousados nela, esperando para ver sua reação.

Está... Tudo bem, Hórus? - Ela disse, olhando com coragem para a amiga. E Hórus ficou bem impressionada.

T-tem certeza... - A menina disse, como nunca foi... Hesistante.

Sim. - Ela disse, e estava corada.

As duas se aproximaram uma da outra... E deram um beijo. Todo mundo ficou impressionado. Muitos gostaram, aplaudiram e fizeram festa. Principalmente, Mark.

FIM?

AArK Kuga
Enviado por AArK Kuga em 19/03/2010
Código do texto: T2147673
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