Fênix


     Havia fogueiras por todo o caminho. Ouvia o crepitar da madeira. Sentia o cheiro da fumaça enquanto corria. Respiração ofegante. Afogueada. Vulcão prestes a derramar sua lava. Lavava seu corpo em suor. O calor que abranda o metal. Derrete o gelo. Aquece a alma enregelada. Modifica tudo que toca. Mudar. Ele tinha medo de. Transformar-se. Ela tem esse dom. Ele tinha o receio. Sentia sua presença. O vento quente produzido pelo bater de suas asas de fogo. O belo som de seu canto ao cair da tarde. Precisava fugir. Do calor que abrasa. Do abraço que tudo queima. Amar. Deixar-se queimar. Purificar sua alma por meio da chama. Responder ao chamado. Um condenado em auto-de-fé. Envolto pelo calor da fogueira. Ferindo e expondo a chaga. Cauterizando a ferida ao mesmo tempo. Mas é necessário querer. Entregar-se. Expor sua vida à fagulha que dá início a tudo. Que consome as convicções. Raio que ateia fogo a torre.
     Ele pensava em tudo isso enquanto corria. Se ela o alcançasse teria de se entregar. Deixar-se envolver pela chama. Como metal incandescente na forja. Medo de assumir nova forma. Ele sempre fora preso às suas certezas. Às suas verdades. Frio em suas decisões. Temia o novo. Novamente sofrer. Mas já era tarde. Ele percebeu isso ao se voltar para trás. Ela volteava sobre sua cabeça. Era bela. Era quente. Suas asas tingiam o céu de vermelho-sangue ao cair da tarde. Um último esforço ele ainda tentou. Caindo na tentativa. Sem forças. Forçou-se então a olhar para ela. Parecia muito antiga. E sábia. Incandescente. A cadência de seu canto enchia seus olhos d’água. O calor emanado por ela enxugava-lhe as lágrimas. Seus olhos dourados. Brilhantes e sábios pelo passar das eras. Eram austeros. Imortais. Como uma auréola as penas douradas de sua cabeça. Seu corpo coberto de plumas que crepitavam. Vermelhas, alaranjadas, azuis. Todas as cores da chama. Ele não podia mais resistir. E nem queria. Mas tinha medo do que estava por vir. Virou-se em sua direção e estendeu os braços. Sua alma enfim aquecida.
     Ela então o envolveu em seu abraço. Em seu corpo. Abrigou-o no calor de suas asas. Seu calor era agradável, mas aumentava pouco a pouco. Seu cheiro de incenso derramado sobre a fogueira. Sentia queimar-se ao poucos. Deixava-se levar. Notou que ela também se consumia. Queimava e se deixava queimar. Ele finalmente compreendeu. Presos um ao outro enquanto fogueiras. Só restaram cinzas no final. E pela manhã dois novos seres no mesmo ninho, saudando o nascer do Sol. Um pouco de cada um em dois novos corpos incandescentes. Uma só chama. Um só combustível. Duas almas feridas e duas almas curadas.
Urubu Rei
Enviado por Urubu Rei em 16/03/2010
Reeditado em 16/03/2010
Código do texto: T2141643
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