Desejos Reprimidos
Faculdade de Letras. Eu e a minha melhor amiga nos conhecíamos a primeira vista. Ela era tão bonita que todo mundo da Faculdade achava cegante. Eu era bonita também, assumo. Mas as pessoas gostavam mais dela. Primeiro, por ela ter uma beleza diferente... Exótica. E segundo, pelo seu corpo ser bem mais desenvolvido que o meu.
Apesar d'eu ser loira e de olhos azuis, não passava de um maldito varapau. Já ela não... Tinha curvas. Curvas tímidas, mas bem "convidativas". Seus cabelos eram negros, lisos e repicados, eles iam até os ombros, mais ou menos. E seus olhos? Ah! Era isso que ela tinha de tão exótico... Eles eram castanho-claríssimos, cor-de-mel. Aliás, era ainda mais estranho do que isso, porque eles eram claros demais, então... Eles eram meio amarelados mesmo. E era isso que chamava a atenção de todo mundo. Agora, eu só não consigo entender o porquê dela ter virado logo minha amiga, já que eu não tinha nada de tão especial assim.
Eu estava sentada naquelas fileiras altas, que se cortam por escadarias, típicas de faculdade. Estávamos assistindo uma aula de, nada melhor que, Língua Portuguesa. E então, ela chegou atrasada, chamando a atenção de todos que estavam já sentados, sentando-se com pressa ao meu lado. A professora velha caquética olhou pra ela, com uma cara nada agradável de desaprovação, e ela nem pareceu ter se importado, ou então, fingiu que não se importou. Apenas abriu seus livros e cadernos tão rápido, que ninguém mais se incomodou. Mas eu pude jurar que atrás de mim, escutei uns rapazes falando "Uau! Que garota mais gostosa! Viu os olhos dela!? Que lindos! Muito diferentes!". Sim, isso era verdade. Eu já tinha reparado... Nos olhos e no fato de que ela era incrivelmente gostosa.
- Oi! Você poderia me informar qual capítulo ela está dando!? - A garota me questionou e eu fiquei sem graça. Vermelha, gaga, nervosa... Era difícil de acreditar que eu realmente não conseguia me conter perto dela.
- S-sim! C-c-cinco! - Eu disse, tremendo feito vara-verde. Ela só abriu um sorriso reconfortante.
- Você também está no primeiro Semestre!? - Ela perguntou, super simpática. - Meu nome é Linn Hellhouse, e o seu?
Ela questionou, estendendo a mão para ser apertada por mim. Eu apenas olhei aquela mão macia, branquinha, pequena, com as unhas cuidadosamente pintadas de preto, e tremi mais um pouco. Mas então, lhe segurei e lhe apertei, tentando me manter tranqüila.
- H-hell Sinclair. - Eu disse, e ela riu-se.
- Que coincidência! Seu primeiro nome parece com o meu sobrenome! - Ela disse, e então, a Professora nos olhou com uma cara de puta velha vadia, e a gente teve de voltar a se concentrar na aula.
(*Só pra constar... Nessa fanfic, a suposta "Hell" é mais baixa que Elliot, e também, possui cabelos grandes... E não curtos como a Hell de NAE. Outras fics que possuem personagens de NAE: A Menina da Carta /AnnaeMegan; Monsters /Reddie-NataschaeThia; O Jogador /BraddeKaylla.)
Depois daquele dia nos tornamos amigas. Mas ainda sim, eu não conseguia me controlar perto de Linn. Sua beleza me fascinava de uma forma tão... "doentia", que eu mal conseguia conter meus sentimentos. Mas tentava ao máximo reprimir as sensações e atitudes. Nunca dava descaradamente em cima dela... Bom, eu dava. Mas não de uma forma que realmente desse a entender, que eu estava tão apaixonada assim. Ou será que dava!?
Fiquei meia-hora olhando pra ela, boquiaberta. Ela veio com o cabelo preso numa espécie de rabo-de-cavalo. Sua franja caía um pouco no olho, e seu pescoço branco delicioso ficava àmostra. Eu babei, na hora em que ela sentou-se ao meu lado. Algum tempo depois, ela notou que eu estava olhando-a fixamente com os olhos de surpresa.
- O que foi? Gostou do cabelo preso? Ficou bom? - Ela perguntou, sempre bem "direta" também. Eu comecei a suar frio e gaguejar.
- S-s-sim! Ficou l-lindo! - Eu disse, e conseguia sentir perfeitamente aquele perfume novo dela, adentrando minhas narinas e me extasiando. - E-er... S-seu perfume novo também é gostoso!
"Também é gostoso", que coisa mais dúbia.
- Gostou!? Sente só! - Ela disse, estendendo-me seu pescoço macio e branquinho para que eu pudesse sentir o aroma do perfume. Putz! Ela é maluca, né!? Quer me matar do coração, só pode! Mas não adianta... Deliciei-me com o perfume, querendo intimamente fazer o mesmo com seu pescoço, deliciar-me, mas nada fiz.
- M-muito bom... - Eu disse, nervosa. E ela apenas sorriu pra mim. - Você é tão bonita, Linn.
Acabei por soltar aquilo, assim, do nada. E ela ficou meio surpresa. Deu pra ver pelos seus olhos, que brilharam de maneira diferente, mas não ruim. Ela logo abriu aqueles dentes brancos de novo.
- Você também é, sua bobona! - Ela disse, e eu fiquei sem jeito. Por que ela fazia isso comigo!?
Elogios e tudo o mais à parte. Acabamos piorando com o tempo. Sim, cada vez mais, nossa relação de amizade ficava mais e mais... Quente. Isso porque, não resistíamos aos contatos de pele com pele, e coisas assim. Vou explicar melhor...
- Está na hora! Preciso ir embora! - Disse ela, despedindo-se de mim, após mais um longo dia de aulas na faculdade.
- Sim! - Eu disse, já conseguindo me controlar um pouco melhor. Bom, ao menos, em momentos mais "normais" de contatos entre a gente.
Ela então, aproximou seu corpo do meu e me deu um abraço. Acalorado, gostoso... Me derreti toda. E logo depois, pra minha surpresa, ela beijou-me em meu rosto, deixando-me totalmente vermelha, nervosa, sem graça.
- Até! - Mas antes que ela pudesse ir, lhe pedi, como que numa súplica.
- M-me... Me deixe beijar seu rosto também! - Eu disse. E ela riu... Podia jurar que era de nervoso, mas não era o que ela demonstrava na face.
- Ok! - Ela disse, e se aproximou de mim, mais uma vez. Seu calor, seu perfume, sua "aura"... Tudo o que emanava de seu corpo me deixava completamente "acesa".
Além disso, tinham outros tipos de contatos... Como por exemplo, naquela aula de Oficina de Literatura, em que ela... "Acidentalmente" (o caramba!) pousou uma de suas delicadas e maravilhosas mãos sobre a minha, que se repousava até então, calmamente, sobre a mesa. Meus dedos se retesaram, e eu segurei o impulso de não... "entrelaçar" seus magníficos dedos nos meus. Como se adiantasse algo, porque logo depois, foi isso que ela fez...
Era isso, cada vez mais, nossos contatos ficavam íntimos, e eu meio que... Não sabia direito o que pensar daquilo. Talvez, fosse uma tremenda babaquice da minha cabeça. Talvez... Talvez, amigas normais fizessem aquelas coisas o tempo todo, claro. Abraços, beijos no rosto, mãos dadas... Isso tudo era absurdamente normal, não é? Então, por que eu me esquentava tanto, achando que era algo "especial" que ela sentia por mim?
...
Os dias passavam-se voando, até que...
Estávamos juntas, sozinhas num canto de uma biblioteca de pesquisa da faculdade. O lugar era enorme, e tinha vários "buracos vazios", como aquele em que estávamos. Geralmente, a área de pesquisa de computação, ficava bem mais cheia que a biblioteca normal. Bom, não no curso de letras, muito menos no de direito, mas... Naquele dia, aqueles buracos estavam vazios, como dizia a "lenda". Tinha gente que dizia que alunos se agarravam por ali, aproveitando o vazio do lugar, e a falta de inspeção por parte dos "bam-bam-bans" da Universidade.
Pesquisávamos coisas para um trabalho de Lingüística 1, e lá estávamos, como duas boas amigas, como sempre. Sentadas em uma das mesas abandonadas, Linn lia trechos de livros, e eu... Supostamente, devia estar lendo também. Mas desde que o dia começou, não consegui desgrudar a boca de seus lábios. Agora, vermelhos, macios e com cheirinho de alguma fruta, tão adocicada quanto aquela garota perfeita. Sim, ela estava usando um brilho labial fabuloso. E por causa dele, eu não consegui em momento algum me concentrar em alguma coisa que não fosse o mais próximo de um beijo perfeito que eu poderia tomar dos lábios dela... Um beijo na bochecha. Bem que ela podia me dar um hoje, não é!? Para eu ficar com as marcas brilhosas no rosto, com cheirinho de cereja... ou framboesa... morango... Ou seja lá o que fosse, não importava!
Um segundo depois, percebi que olhar para seus lábios era perigoso... Porque agora, que observava melhor, seus olhos amarelados tinham desgrudado as páginas dos livros de Saussure**, e tinham grudado nos meus.
(**Ferdinand de Saussure foi um Lingüista Europeu famoso, "criador" da Semiologia. Elas, no caso, estavam estudando as dicotomias de Saussure.)
- E-er...! - Fiquei um tanto nervosa, pra dizer a verdade, tomei uma espécie de susto, quando reparei que ela estava me notando, quase engolir sua boca com os olhares.
- O que houve...? - Ela perguntou, mais séria do que de costume. Já não gostei disso...
- N-n-nada! E aí...!? Achou algo interessante para resolver a quinta questão do trabalho!? - Perguntei, mas não adiantava. O nervosismo na minha voz, que há tanto eu não usava, desde que nossos contatos íntimos se tornaram comuns, estava exposto tão explicitamente, que era difícil demais mentir.
- Você não estava olhando pro livro, estava? - Ela foi direta. Mais direta do que costumava ser. Mais direta do que eu queria que ela fosse...
- E-estava! - Eu disse, mentindo, mas ela levantou-se, largando o livro na mesa. De susto, medo, angústia, o que quer que fosse, levantei-me. Se ela quisesse brigar comigo, que fosse me olhando de igual pra igual (Se bem que era difícil, ela era mais alta), e não de cima pra baixo, onde as posições me tornariam menor e mais indefesa. Aliás, se ela fosse ir embora, de pé, seria mais fácil de impedí-la.
Mas não foi o que ela fez. Me encarou de frente, ainda séria.
- Não. Você estava olhando pra minha boca... - Ela disse, sem medir palavras. Super na cara, nada sutil mesmo. Engoli seco.
- N-não! D-digo... E-eu estava olhando p-pro livro, p-porque...! - Tentava me consertar, mas pelo visto, só piorava. Quanto mais ela falava, mais nervosa eu ficava, e mais a mentira transparecia nas minhas palavras e na minha expressão facial.
- Por que estava olhando pra ela? Passou o dia todo olhando... Tem algo que... Você queira que eu diga...? Ou então... - E num momento mais do que súbito, ela me agarrou num abraço.
Ficamos assim, abraçadas, agarradas, num silêncio sepulcral, durante uns bons minutos. Seu perfume era maravilhoso, e suas mãos nas minhas costas me acariciavam. Parecia um consolo útil, pra quem queria dizer "Porra! Deixa de ser tão lésbica, colega!".
Mas então, seus olhos me encararam de frente, centímetros pouquíssimos depois dos meus... E seus lábios estavam tão perto. Bastou um olhar pra eles novamente, e então, eles tocaram os meus, num beijo mais do que delicioso.
O beijo se prosseguiu, com as mãos acariciando as costas, as minhas, a sua nuca, os lábios macios e com cheirinho (e gosto) de... Melancia, se abriam. E então, nossas línguas se tocavam, acariciando uma a outra, misturando nossas salivas, como eu sempre quis que fosse.
Ficamos naquele beijo por mais uns bons segundos e, depois disso... Paramos. E quando paramos, suspiramos e olhamos profundamente, uma para a outra. Sua expressão parecia um interno terror, por algum motivo. E então, com os olhos lacrimejados, ela olhou pra mim, e respondeu:
- Desculpe. - Foi o que disse. E depois daquilo, sentou-se e continuou a discutir Saussure, como se nada tivesse acontecido. E eu...? Eu fiz o mesmo. Sentei-me e continuei a discutir Lingüística.
Sim. Pode parecer uma merda para todo mundo, mas... Não foi uma merda pra gente. Nossos toques íntimos continuaram, nossa amizade também... E principalmente, nossos beijos escondidos na biblioteca. O que eu e Linn éramos uma pra outra? Bom... Isso eu ainda não sei. Mas costumo mentir pra mim mesma dizendo que somos apenas amigas... Com desejos reprimidos. E apenas isso.
FIM.