Relacionamento Impessoal
Naquela manhã, eu cheguei na escola normal, como em todas as manhãs. Era bem cedo, e quase ninguém tinha chegado ainda. A maioria das pessoas que chegavam antes do sinal tocar, ficavam lá embaixo, no pátio. Eu não costumava fazer o mesmo, porque ela também não...
RELACIONAMENTO IMPESSOAL
Estava meio frio naquela manhã. Antes de entrar na escola, um vento gelado ressoou por mim, fazendo meus cabelos negros e curtos balançarem. Tive também de segurar minha saia do uniforme, para que ela não subisse muito. Entrei na escola, carregando minha pasta. Olhei para a face dos alunos que esperavam pelo sinal no pátio, e todos estavam me olhando de uma maneira duvidosa. Eles estranhavam eu ir pra sala tão cedo, sem necessidade. Por causa disso, me achavam uma nerd, uma excluída. E por outras coisas também, não vou mentir...
Passei pela escada, na subida, avistei ela, sentada na arquibancada da quadra (que ficava às minhas vistas). Ela, com seus cabelos longos, ondulados e loiros, me olhou com um sorriso no rosto. Mas não era um sorriso de alegria, era um sinal de confirmação. Isso me deu um impulso para que eu subisse ainda mais rápido as escadas e chegasse logo em nossa sala. Sala 317. Turma 1001. Dentro da sala, haviam várias carteiras, e todas elas eram já préviamente demarcadas pelo professor, que não deixavam os grupinhos sentarem juntos, para que não atrapalhassem o andamento da aula, e nem tirassem suas próprias atenções. Olhei de relance pra cadeira dela, ainda sozinha, sem ela e sem o seu material. E então, olhei de volta pra minha. As duas ficavam cada uma numa ponta da sala, tão distantes. Mas assim era melhor...
Me aproximei de minha carteira, e sem esperar nada, joguei minha pasta pras pequenas grades que tinham embaixo do assento, e logo, me sentando nele. Olhei rapidamente para a mesa, e lá estava... O que eu tanto esperava. Um bando de códigos, rabiscos e coisas incompreensíveis pra quem não entendia, mas eu e ela... Nós entendíamos.
Há alguns anos atrás... Mais ou menos na sétima série, eu a conheci. Seu nome é Erian. O meu é Lyra. Erian me enviou um bilhete por intermédio dos alunos. Aqueles que tentaram ler, se foderam, porque estava todo em códigos. A maioria dos alunos não se importaram de passar o bilhete, porque ela é uma aluna popular, que sempre tira boas notas, é linda e desejada por todos. Mas todos sabiam que ela estava a passar o bilhete pra uma zé ninguém que sou eu, então, provavelmente acharam que eram insultos, e deram risinhos de deboche quando isso ocorreu. Eu também achava que era um insulto porque...
Eu já tinha passado meses encarando ela, olhando pra ela sem o menor pudor. Eu a achava incrivelmente linda e perfeita em tudo o que fazia. Eu tinha completamente caído de amores por ela. E por isso... Que eu continuava nesse amor platônico, nesse terror psicológico. E ela notou, ela sempre notava. Ela já sabia o que eu sentia por ela, talvez todos soubessem, se todos me percebessem e não fingissem que eu não existo. Mas ela não fez isso. Ela me olhou de volta, várias vezes e sorriu. Mas naquela época, eu ainda achava que seu sorriso era debochado. Como quem diz "Eu sou linda mesmo, me olhe e me inveje, porque você nunca vai ser assim... Ou NUNCA VAI TER ISSO". Então, eu ficava meio deprimida só de pensar nisso.
Mas como já foi dito, ela me passou aquele bilhete pra todo mundo da sala ver, mas não entender. Estava num código estranho, mas decifrável se aplicassem nele um pouco de estudo e análise. E como já foi dito, eu sou uma das alunas mais nerds de toda a escola, então desvendar o que estava escrito ali... Foi incrivelmente fácil. E quando eu li o que era... Eu fiquei extremamente surpresa. Dizia:
"Você vive me olhando, eu sempre reparei. Me pergunto se você gosta de mim. Eu gostaria que sim, porque... Eu gosto de você. E não, não é como uma amiga, é mais que isso, é como MULHER. Lyra, eu quero continuar a me comunicar assim com você. Você também quer? PS: Não posso fazer isso na frente de todos, portanto, prefiro usar bilhetes e códigos. Se você também quiser, vai ter de aceitar estes termos. Beijos. Ass: Erian."
E é claro... Eu pensei em mandar um bilhete pra ela de volta. Mas seria impossível colocar alguma coisa na mesa / carteira / mochila de Erian sem que nenhum aluno viciado por ela percebesse. Então, eu criei um "sistema" mais prático, e que todo dia pode ser "apagado" sem trabalho e sem envolvimentos. O sistema "Escrever na carteira"! Deixei o meu bilhete de resposta na carteira de Erian, assim que cheguei cedo em sala. Respondi exatamente assim:
"Sim, claro que aceito. E sim, claro que eu gosto de você. E muito. Beijos. Ass: Lyra."
E foi assim que nosso Romance Impessoal começou. Ninguém sabia, mas existia. E como existia!
FIM