Olhares Perdidos
O sorvete de creme para aliviar o calor das tardes tão quentes,
era tão somente um pretexto para ela atravessar a avenida e
esbarrar, por querer, no olhar perdido que vinha da mesma vitrine.
A loja vendia lembranças da cidadezinha histórica, coisas que as senhoras teciam nas calçadas, aos olhos de todos, a fim de render uma ocupação nos dias que sobravam...
Ela observava, sem muito ver, as miudezas ali expostas, enxergando com o coração os olhos que também a observavam e que não mudavam, mesmo com os anos passando tão rápido.
Por vezes, a alma suplicava pelo roçar das mãos na hora de pegar o embrulho ou de receber o troco, como acontecia antigamente...
mas os pés permaneciam colados nas pedras do calçamento.
A certeza da partida, aumentava a coragem de ficar ali mais um instante...e de tentar, através daquele vidro da vitrine, dizer sem falar,
que o amaria por toda sua vida...
E ele recebia o recado, pois todo ano, estava ali, no mesmo lugar do balcão...com os olhos brilhantes e a voz embargada que só conseguia dizer "eu também", depois que ela ia embora.