Pura Magia
Pura Magia
Paula estava sentada confortavelmente em sua poltrona de couro rosa predileta em frente á lareira com um livro pousado no colo, não lia nada, apenas divagava entre pensamentos românticos e suspiros tristes por serem apenas pensamentos.
Sonhar com um amor, um sentimento terno, leal e inexplicável... em sonhos ver alguém com nitidez e acordar no dia seguinte sentindo um perfume suave e atraente e um olhar quente e doce sobre si mas sem recordar muito bem o que foi o sonho, saber apenas que recordar cenas vagas aquece o coração, lembranças represadas simplesmente vem e vão como se pudessem explicar tudo sem na realidade explicar coisa alguma.
Um rosto? Não há um rosto, apenas a lembrança do olhar brilhante, do sorriso adorável e do perfume... ah o perfume... impossível de esquecer.
Ela sabe que não existe um amor ideal mas acredita com todas as forças de sua alma que existe um alguém... alguém especialmente leal e afetuoso... seu coração não pode estar enganado... não há príncipes ou sapos... apenas amor.
O suave barulho do fogo... sua cor apaixonante e viva... a solidão que o silencio trouxe pela mão para fazer parte dela... inquietação... suspiros.
Ela levanta e seus pés nus começam a desfilar pela sala... não presta atenção a nada... seu pequinês apenas observa deitado no tapete preto e aveludado no outro canto da sala... estranha a inquietação de sua dona... apenas olha para ela e ela compreende que de alguma maneira ele sabe como esta seu coração e dá graças por tê-lo ali.
Um amor leal que goste de cachorros pensa ela... um amor que faça sentido em sua vida... chegue como um vendaval e se estabeleça junto dela como a suave brisa do anoitecer.
O amado que surge em seus sonhos não sai de sua mente... seus sonhos cada vez mais freqüentes... os gritos de sua alma pedindo amor... lagrimas que escorrem até os lábios pedindo furor... ah se ele pudesse ouvir seus pensamentos, mas ela nem sabe se ele existe ou não de verdade, pode simplesmente ser fruto de seu coração carente e cansado de sofrer.
- Tenho trinta e um anos – pensa ela com amargura – trinta e um anos de solidão nutrindo um amor que sequer sabe se esta por ai pelo mundo ou não.
É complicado para o coração de um mulher romântica e carinhosa entender os motivos de não ter encontrado ainda um alguém especial que toque profundamente a alma e traga frenesi á respiração ao lembrar momentos.
É, trinta e um anos... cabelos coloridos e curtos.. pele de bebe com aroma de jasmim... olhar puro e adocicado... lábios fartos... corpo que um dia já foi fofinho e hoje é bem desenhado... andar elegante... presença marcante... totalmente romântica e por que não dizer excêntrica? Sim, excêntrica... toda escritora tem direito de ser excêntrica... faz parte da natureza como as ondas fazem parte do mar.
Silencio de mais... chega a cortar o ar ameaçadoramente... ela vai até um aparelho de som moderno e compacto, escolhe uma musica... seu ser estremece pedindo que o silencio seja quebrado por aquela musica romântica... Marina Elali preenche o ar dizendo: “...gente quer viver... gente precisa acontecer... quando o sol tocar o mar e as estrelas o infinito... quando a luz brilhar esta escrito...tudo... tudo... vai mudar”... será que vai?
Paula olha para seu pequeno Alejandro, passa a mão em sua cabecinha e ele abana o generoso rabo feliz. Um alguém... um alguém para compartilhar aquele momento de afeto com ela e seu filhinho canino.
Não para de pensar nele... mas afinal quem é ele?
Para se distrair resolve folhear algumas revistas que estão próximas da lareira... senta no tapete junto ao seu xodozinho e começa a olhar sem ver de verdade, pois, sua mente não para. Alguns rostos aparecem dando a ela a idéia de uma brincadeira que viu uma vez, algo aparentemente bobo mas interessante e já que estava sem fazer nada, por que não?
Levanta para pegar tesoura, cola e papel na gaveta da escrivaninha, senta no chão novamente, acaricia mais uma vez a cabecinha de seu loirinho latidor e volta a folhear as paginas, desta vez com um sorriso maroto nos lábios... já que não pode recordar o rosto daquele que ronda seus sonhos, pode imaginar um juntando partes que lhe agradam... nada com muito nexo para os outros, diriam se vissem, mas uma montagem interessante para ela.
Recorta olhos azuis que se passam perfeitamente por cinzas em um final de tarde outonal coloca junto a um nariz bem feito e uma boca bem desenhada e de um vermelho apetitoso e suave... um rosto de traços macios e aveludados... é como se ela pudesse sentir a pele dele... o cheiro... a temperatura... as batidas do coração... cabelos longos e negros como aquela noite sem luar que ronda calidamente sua janela.
Alejandro a contempla silenciosamente como sempre... ela sorri para ele... ele retribui com uma nova abanação de rabo feliz... Paula procura mãos... ao de toque suave e fervoroso... não imagina um corpo... quer o olhar, o sorriso e o toque... o corpo não lhe importa agora... pode ser magro ou rechonchudo... tanto faz enfim.
Não há amor ideal garante ela a si mesma...sapos e príncipes também não.... apenas um ser especial e sem face a quem pertence seu coração desde sempre.
Montagem pronta... ela sorri para si mesma... covinhas... ele não podia deixar de ter covinhas como em seus sonhos... as covinhas e a cor dos olhos Paula consegue vislumbrar nitidamente em seus desvarios noturnos (ou não)... aquele olhar penetrando sua alma, percorrendo cada gota de sua essência da forma mais intima e apaixonante possível.
Olha com firmeza para a folha de papel e diz:
- Se você existe mesmo, em algum momento da vida, seja nesta ou na outra, vou te encontrar, te abraçar e para sempre te amar - deposita um delicado beijo ali e guarda em uma pasta no fundo de uma das gavetas, a única trancada com chave.
Cansada vai para o quarto... fica pensando e pensando... pensamentos sem nome... até adormecer gostosamente entre travesseiros fofos e perfumados com Alejandro a seus pés.
Desperta tarde, mas não importa é sábado, um sábado preguiçoso onde nem o sol quer dar o ar da graça, o friozinho do outono... as folhas cor de laranja acobreadas pelo chão... um verdadeiro convite para um passeio pelo condomínio com seu amado Alejandro para abrir o apetite matinal.
Levanta, vai até o banheiro, toma um bom banho ainda pouco desperta, se arruma colocando uma roupa confortável e quentinha mas jamais se esquece do gloss e do perfume... prende os cabelos em um charmoso rabo de cavalo... pega a coleira e o guia... caminha pela casa até a porta da sala... ele já sabe que vai passear então segue logo atrás de sua dona festeiro e sapeca... antes de chegar na sala observa que sua secretaria do lar já esta lá, o cheiro de café no ar... diz bom dia... volta logo para a primeira refeição... pretende dar apenas uma volta.
Coloca a coleira em seu fofo e segue... chegando no jardim observa uma movimentação estranha... parece que terá novos vizinhos, a casa diante da sua fora finalmente vendida.
- Tomara que sejam legais – pensa ela – os antigos donos não diziam nem bom dia quando ela passava de manha com seu cãozinho lindo ou ao cair da noite quando voltava para casa após mais um dia de pesquisas de campo, procurando novidades para o próximo romance.
Quando esta quase na rua, eis que surge alguém saindo da outra casa. Seu corpo estremece... seus músculos congelam... incapaz de um único movimento ou palavra observa o rapaz sorridente andando em direção a ela.
Confusão... choque... paixão... emoção... razão... ops... razão não... aquele olhar.... aqueles lábios... aquelas mãos... ah aquelas covinhas... não é possível... pelos Deuses o que é isso? Não pode ser, é ilusão... estou vendo coisas... um turbilhão de pensamentos... ao mesmo tempo não entende nada... entendendo tudo.
- Bom dia, sou Rodrigo, seu novo vizinho – diz ele com o olhar fixo nela e estendendo a mão para pegar a sua.
Mãos macias e quentes... aquele perfume.... um abraço de boas vindas... o primeiro de muitos abraços... o abraço prometido... ela se deixa fica...Ela deixa... aquele perfume... é o mesmo dos seus sonhos, não pode ser.
... sonho não tem cheiro oras bolas... deixe de ser tola mulher... mas tem... esse tem...
Ele sorri, ela também... até Alejandro sorri quando ele lhe dirige um olhar carinhoso e um afago.... gosta de cachorros... ai ai ele gosta de cachorros...pelos Deuses, ele existe....
Paula se deixa ficar ali... bem ali junto ao seu gentil estranho nada desconhecido...sua alma vibra enquanto seu coração canta feliz.
Enfim, o inicio de um começo sem fim.