Uma Ligação
Foi um “Oi” rude, pois era preciso vencer o barulho da multidão e das conversas ao redor. Durante toda a noite aquele número havia lhe ligado, ou melhor, havia lhe dados toques que nunca eram completados. Diabos, quem seria aquela pessoa? Em plena noite de sábado, na algazarra da Lapa fervente, que ainda recebia os resquícios do carnaval, algum estranho insistia em querer lhe falar algo naquela noite.
“Você não quis falar comigo” disse a voz tímida do outro lado da linha. “Obrigada por estragar minha noite não querendo falar comigo”. Era ela. Ela? Sim. Havia apagado o seu contato do celular alguns das atrás. Não havia qualquer esperança de voltarem a se falar, afinal, depois de tudo o que fora dito, e pior de todas as conclusões a que ambos havia chego.
“F O D A – S E, é assim que ficamos conhecendo as pessoas”.
Era ela. Ele havia a visto naquela noite, bebendo com alguns amigos na entrada de um bar, mas não falara nada. Não havia o quê falar. Não havia o por quê falar. “Oi tudo bem?” Qual seria a resposta? “Tudo bem depois que nós terminamos” ou “tudo ótimo depois que nós nos xingamos” ou quem sabe “Tudo indo depois que deixamos de estar um para o outro”? Não, não havia boas respostas para aquela situação, logo por que forçar algo artificial por mera formalidade? Assim, olhar reto e passar de maneira despercebida.
Ainda assim ela estava ali, ao telefone, tentando falar algo. Tentando ser ouvida, querendo estar próximas, mas... estar próxima como? O quanto? As pessoas as redor passavam inertes ao que acontecia naquele telefone. Alguns bebiam, felizes indo de um bar ao outro. Os ambulantes legalizados se aprumavam em suas barracas com marcas da prefeitura, enquanto os ilegais corriam das duras penas da guarda, que ali passava a noite tentando manter a ordem do lugar.
Ordem! Podemos ter ordem em nossas casas, cidades, empregos mesas. Poderemos porém ter ordem em nossa vida e em nossas emoções? E o progresso, onde fica? Lapa, coração do Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil onde o lema “Ordem e Progresso” fora estampado para sempre na bandeira nacional.
Não foram muitas as palavras naquele dia. No dia seguinte uma nova ligação. Uma nova troca e uma nova certeza que se aflorava de que nada mudara e que a ligação do dia anterior fora um mero ímpeto inconseqüente que nada fizera do que ressuscitar velhas feridas sem nada dar em troca além do adeus.