CONFIDÊNCIAS DE DENTRO DO COTIDIANO

Pelo quarto flagravam-se os vestígios que indicavam que a noite fora “boa”, e a manhã que se fazia anunciar pela vidraça da janela, por entre a fraca fimbria do véu da cortina, agora deixava exposto que fora mesmo uma farra.

Danilo abriu os olhos e viu bem colado ao seu rosto, o rosto de Afonso, mesmo antes sentiu seu hálito quente de quem ainda ressonava.

_ Acorda cara – sacudiu-o – daqui a pouco meus pais chegam.

Afonso bocejou, espreguiçou-se. Era um rapaz magro, e esguio e pálido, enquanto Danilo, moreno, forte e com cabelos encaracolados destoava. Os dois estavam nus embaixo de um fino cobertor, e para descontrair – como era mais brincalhão – Afonso pegou no membro de Danilo e ficou rindo enquanto este se apressava em dizer que tinham que se arranjar e era preciso que ele desse um fora.

Afonso acudiu em atender a urgência do amigo, embora quisesse tanto que naquela relação existisse destas sinceridades em que se podia se vestir, tomar café a mesa com os pais de Danilo, e mesmo buscar a mão deste a mesa enquanto dizia que era um prazer conhecer os pais do seu namorado. Indubitavelmente isso não seria possível. O pai de Danilo sendo militar, conservador e nem mesmo sabia que o filho era homossexual. Na verdade achava este “titulo” tão pouco apropriado a si mesmo e ao seu parceiro – e pensava em tudo isto enquanto se vestia nem tanto com a pressa que exigira Danilo, que este fora obrigado a apressá-lo com aquela voz esganiçada dos desesperados que parecem aqueles que estão vendo preste a cair no mar o avião em que se encontram a bordo.

Preferia, Afonso, sair pela porta da frente, mas como via Danilo que a “situação” era desesperadora e o carro do pai e da mãe, que voltavam de viagem de final de semana, já podia estar ali mesmo à frente do portão da casa, mandou que Afonso saísse pelos fundos, onde foi preciso pular o muro sobre um terreno baldio, com sua mochila nas costas e sem um beijo de despedida. Pegou à reta da rua, desaprumado no seu andar, cosendo pelo meio fio, rumo a um ponto de ônibus.

Situou-se em seu âmbito de “existência”, seu relacionamento com Danilo. Conheceram-se nestas boates noturnas,e coisa que ele se aventurara pela primeira vez, enquanto sabia – pelo próprio Danilo – que Danilo comparecia com freqüência a badalada casa noturna.

Danilo era realmente o tipo Gô-go Boy, assim ele pensou quando ficaram tão juntos naquela boate de luzes coloridas, já sem camisa, com calça jeans apertadinha, músculos e tatuagens. Sabia e era obediente a sua condição de passivo na relação,e decidiu isto senão desde o primeiro momento, porem logo no dia seguinte quando Danilo realmente ligou como ele nem mesmo acreditava, já que não acreditava que uma relação com outro homem seria possível assim tão rápido, desse modo de se ligar como namoradinhos, do mesmo modo que via a irmã receber telefoneminhas, sair de fininho, escarlate para um cantinho da casa, onde ficava dizendo, sim, sim,sim após um riso que parecia um soluço.

Já dentro do ônibus, agarrado a sua mochila, mordeu o lábio inferior, deixou escapar um riso, acudiu o olhar para a janela onde podia ver a paisagem correr. Danilo, Danilo, repetia seu nome, levava um braço ao nariz aspirando o perfume da pele deste que ficara na sua gravada; ainda ardia em sua epiderme aquele calor dos braços do parceiro no amplexo em que a conjunção carnal acontecia dominadora. Os dois gemiam, balbuciavam obscenidades e palavras de gozos e de luxuria.

Mas bem foi mais bonitinho tal como a beleza que já ouvira dizer do romance PAULO E VIRGINIA, dessa beleza antiquada, cansada, mas sempre guardada em nossos sonhos em que nem a realidade pintada em preto e branco das cores pode nos fazer acordar, assim fora estar com ele numa praça onde marcaram o encontro para o “dia seguinte”, depois daquele telefonema que recebera. Os dois se encarando, ambos corando de felicidade ou pejo de se assumirem um frente ao outro. As mãos primeiro se entrelaçaram, mas não ousaram beijar-se, nem mesmo abraçar-se, afinal estavam em local publico e tinham consciência de “escândalo”. Andaram, ombro a ombro, Afonso olhava para o chão, Danilo para o lado, e logo se sabia que Afonso nada escondia da mãe – divorciada – com quem vivia com uma irmã, mas Danilo escondia bem dos pais, tanto que seu modo em nada denunciava a sua sexualidade, sempre cuidando em colocar as mãos nos bolsos da frente da calça jeans.

Desceu do ônibus sempre naquele pulinho, e do portão já sentia o cheiro de café coado. A mãe estava ativa, acordada; a irmã a mesa tomando o café, pronta para ir à escola, e ele que já tinha vinte anos precisava pensar na faculdade e num trabalho.

A mãe repetia sem muita exaustão:

_ Daria um ótimo cabeleireiro – isto porque ele adorava alisava suas madeixas, quando ela estava em sua poltrona favorita tentando assistir a fatídica novela sem pensar muito nela.

Afonso não acreditava que seria um bom cabeleireiro, porem não conseguia pensar em nada, por enquanto, que não fosse Danilo, assim deitou-se após retirar-se para o seu quarto mal tomado uma xícara de café. Ficou olhando para o teto, a lâmpada apagada dentro do globo.

Era ainda aquele cobertor: Danilo.

Certamente ele estava a sua casa, falando aos pais, principalmente a seu pai, sobre seu interesse por química, escondendo debaixo do travesseiro um livro de Virginia Woolf.

(CONTINUA).

Rodney Aragão