Lembranças que a vida traz - Cap. VI

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Entrega a canoa na ponte, ele a ajuda a desembarcar estendendo-lhe a mão, sobem abraçados a ladeira que leva até a pracinha, ali naquele mesmo banco que ele se aproximou dela no dia da chegada à cidade, terá que dizer a ele que decidiu partir.

Ele a olha bem fundo nos olhos e diz saber que algo havia mudado e que sente sua inquietação, sorrindo para disfarçar o nervosismo, pede que ela diga o que está acontecendo.

Com um profundo suspiro, encontra palavras para dizer ao amigo querido que irá partir, que novamente chegou a despedida entre eles. Seu coração pede para seguir viagem e ir fazer o que havia se proposto fazer desde que decidira voltar à cidade.

Ele se levanta, já não sorri com a mesma alegria da chegada. Agora é um sorriso encoberto pela dor. Novamente vê-la partir é como se tivesse que arrancar do peito o pequeno fio de esperança que ainda restava. Vai até as árvores que ficam próximas da descida do morro até o rio, tenta disfarçar as lágrimas olhando para o nada e afastar a imensa dor que lhe angustia o peito.

Ela compreende o que se passa com ele, sempre compreendeu. Espera que ele se recupere e volte a sentar-se a seu lado, não iria deixá-lo encabulado por notar as lágrimas que tanto tentou disfarçar.

Silenciosamente aguarda que ele volte. Fez o que era certo, sabia que ele estava confuso e quando se afastava assim é porque desejava pensar sozinho. Em seguida ele volta, abraça-a, encosta o queixo em seu ombro e ficam sentados assim olhando para o rio.

Ela também estava triste, não podia retribuir ao sentimento que ele desejava e mesmo sem nunca terem conversado sobre o assunto, ele sabia que ela também lia em seus olhos o que lhe ia à alma.

Não precisavam de palavras naquele momento, nada do que dissessem diminuiria a dor. Ela sente apenas uma lágrima caindo-lhe nos ombros, ele chorava em silêncio e já não tentava ocultar.

Já estava anoitecendo quando volta para casa, ele a deixa em frente ao portão dizendo que logo mais passaria para pegá-la e ir com ela despedir-se dos amigos. Não iria deixá-la até o momento da viagem, assim, poderia curtir sua presença mais algum tempo.

Ao ver esta cena, novamente as recordações tomam conta de seu pensamento. Lembra-se que, anos antes, enquanto morava ao lado da casa dele, ele sempre a deixava no portão quando voltavam do clube onde costumavam ir dançar. Só ia embora depois que ela estivesse dentro de casa. Ele era muito protetor, muito amigo. Sentia falta deste carinho e sabia que jamais conheceria outro alguém assim.

No fundo do coração, sente que adoraria tê-lo amado como sabia que ele desejava, mas seu amor por ele era diferente, era como por um irmão. Sabia que sempre seria assim, acreditava que com o tempo ele também passaria a sentir da mesma forma.

A única certeza que realmente tinha naquele momento, era que seria inesquecível aquela sua passagem por ali. Que nada mais seria como antes, nem para ela nem para ele.

Para fechar sua visita com “chave de ouro”, resolvem ir dançar e festejar pelos velhos tempos de alegrias partilhadas.

Uma noite maravilhosa, dançaram como se nunca houvessem deixado de fazer isso, como se ela nunca tivesse se ausentado. Este era seu mundo, o lugar onde era tão feliz, onde sorria livremente e raramente sentia dor. Mas não podia esquecer que isto não duraria para sempre, já estava com passagem marcada para a manhã seguinte e precisava descansar um pouco antes da viagem. É com muita tristeza que diz a ele que precisa voltar para casa. Em silêncio, dançam mais uma música e ele a deixa sem dizer uma palavra. Apenas um abraço apertado e os olhos marejados por teimosas lágrimas.

Ela entra em casa, mas não fecha a porta, observa ele se afastar lentamente, contando passos como se pudesse evitar o que aconteceria depois.

Amanhece e ele não vem despedir-se, já não pode esperar mais, seu ônibus está de saída, mas compreende a ausência dele, sabe o quanto é difícil.

Após embarcar no ônibus procura gravar na memória o caminho que a levará até a ponte da saída da cidade, é quando olha pela janela e o avista em pé, bem ao lado da grade de segurança, com um aceno lhe diz adeus e sorri. Esta foi a última imagem retida na memória, agora podia partir em paz.

Poderia ir tranqüila ao encontro de seu amor....

Continua...

SanMara
Enviado por SanMara em 26/02/2010
Código do texto: T2108591
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