Sol
Ele mais que entende de tudo que lhe dizem. Mas deixar de ir para a praia tomar banho de sol, não, não senhor, não senhora, não tio, nem pai e nem mãe. Ninguém. Vou e pronto. Se ele está a pino, não viu nenhum em lugar nenhum também, esse pino. De manhã, logo cedo, sábado e domingo, vou e fico lá até a lua aparecer.
- Vai se queimar, menino, por favor, não fique assim tanto tempo debaixo do sol.
- Não tem fogueira, e todos eles da mãe até o avô, explica que não tem nem fósforo, portanto não pode se queimar.
E lá se vai, com a prancha, uma meia calça, cortada e rasgada nas coxas, feita de uma antiga de jeans, quase aparecendo as suas partes, escorregando e ele puxando o tempo todo. Faz de propósito, não é bobo nem nada. Se lhe aborrecem com as recomendações, ele devolve em deboche. E a sua Martinha, lindinha, então, está cada dia mais moreninha. Ela já é um pouco, mas quando me mostra as marcas do biquíni, nossa, eu fico mais do que empolgado.
- Volto à noite, mãe, não se preocupe, falou ela.
- Vai com aquele desocupado novamente?
- Mãe, alô, mãe, ele trabalha durante a semana.
- E ganha uma merreca, nada, não se envolva com perdedor. Ele tem um emprego que não diz nada para você, menina estudada. Ela começou a rir. Está rindo do que, vou proibir você de sair.
- Mãe, menina estudada. De onde você tirou essa expressão, aprendeu com o vovô ou a vovó.
- Ei menina, na escuta. É assim mesmo, menina prendada e estudada, veio o avô e a abraçou. Eu também não vou deixar você sair com aquele malandro. É muito bonitinha e está ficando pretinha. Daqui a pouco vamos dar você de presente para a Dita. Filha dela.
- Seu Álvaro, agora quem está escutando sou eu. Racismo isso. E ela não está assim da minha cor. Eu sou negra, ela nem chega à mulata.
- Olha aqui, como não, mostrando o fio do biquíni, do lado da coxa. Veja, estou negrinha. Ele gosta de mim assim.
- Olhos azuis e negra. Realmente uma coisa linda. E esse rosto todo cheio de buracos de queimado. Vai ficar uma gracinha quando crescer mais. E aí, sim, ele vai te abandonar, falou a mãe.
- Olá, pessoal, fui. Abriu e fechou a porta sem que o avô pudesse segurá-la. Na esquina ele esperava.
- Então, como foi hoje?
- Cuidado comigo, sou moça estudada e prendada.
- E o que quer dizer?
- Fique longe de você, eu sou especial.
Ele a abraçou sem entender muito bem, com a prancha na mão direita, equilibrando e ela agarrada no pescoço, dando a lambida tradicional em sua orelha, com dois penduricalhos nela, de metal.
- Vai falar comigo em português ou o que?
- Estou falando, o meu avô é que ensinou para a minha mãe. E ela repete isso a toda hora. Não gostei e não gosto. Diz que você é vagabundo. Mas trabalha. A gente não consegue mesmo entender os pais.
- Pois a minha mãe diz que você não tem futuro comigo.
- Está vendo, elas duas combinaram. Vai logo.
- Vou logo para aonde?
- Nadar. Eu vou ficar aqui na areia. Queimando, como você gosta.
- Quem disse que eu gosto de você queimada?
- A gente vem e fica o dia inteiro na praia! Não vá me dizer que não gosta da sua prancha e nem de ser surfista?
- Isso eu adoro fazer, mas fico mais tempo porque você gosta de se queimar.
- Não gosto de me queimar, gosto de te ver surfar!
Eles agora, um olhando para o outro, preocupados com o fato de não se conhecerem. Ou não das suas vontades e gostos.
- Então vamos embora?
- Não, vá nadar um pouco então. A minha mãe disse isso, de não ficar no sol o tempo todo.
- A minha também. Será que estamos errados mesmo?
- Não sei. O que você acha?
- Eu não acho nada.
- É por isso que está queimada então. Não sabe o que quer e eu também não. Melhor, eu acho que você acha e a gente não sai da praia. Vou andar um pouco de prancha e depois a gente vai embora.
- Está bem. Fizeram isso e antes das onze horas da manhã, os dois apareceram nas suas casas. Todos ficaram apavorados com alguma possibilidade de qualquer coisa estranha tenha acontecido.
- O que foi Martinha?
- Nada, mãe, hoje que eu chego cedo vai ficar assim, me olhando. Estou com alguma coisa a mais, olhando em volta e a mãe fazendo o mesmo. Olhando para ver se tinha algo a mais nela, alguma queimadura apesar de não estar reclamando de nada. Larga mãe vou tomar banho.
- Não tem nada mesmo? Está com febre, colocando a mão na testa.
- Me larga, não tenho nada, que coisa. Vou almoçar hoje.
- Nos acuda, provedor. Ela vai almoçar.
- Vai fazer mal, falou o avô. E a Dita fez pouca comida, brincou. Ela virou-se para todos, desdenhou e entrou no banheiro. Escutaram tomar banho, cantarolando. Quando todos já haviam se esquecido dela, no quarto, com o telefone, falando com o namorado. A porta abriu e a mãe escutou.
- Viu, eu estou com uma mancha na bunda.
- Menina, o que é isso, falando desse jeito com o seu namorado.
- Mãe, bunda é bunda. Minha ou dele. E da senhora também tem o mesmo nome. Bunda. Ela fechou a porta, contrariada.
- E o que tem demais, Martinha, com essa mancha.
- Foi de sol, pode ser perigosa, está no meio e branca.
- Pergunta para a sua mãe, então. Eu vou ficar em casa. Qualquer coisa me liga. Desligou. Mãe gritou, a Martinha está com uma mancha na bunda. Mãe escutou? Ela escutou sim, muito bem. E mancha na bunda, seu moleque safado, entrando no quarto, com o chinelo na mão. Quando ele se deu conta, levou duas chineladas, na bunda.
- Por que fez isso, mãe?
- Por ser muito atrevido. Quem autorizou você a ficar passando a mão na bunda da sua namorada, seu safado e mais duas chineladas. São crianças ainda.
- Quem falou isso, eu disse que ela está com a mancha na bunda. Ia perguntar para a senhora o que era. É branca.
- De falta de palmadas da mãe dela, assim fica vermelha. E não vai ser do sol, quando lhe pegar novamente.
Fugiu. Depois elas reclamam, dizia no meio da rua, direto para a praia. Ligou do celular para a namorada e explicou o que aconteceu. Ela deu risada. E disse que ia encontrar com ele mais à tarde. Vai almoçar. E depois queimar a mancha no sol, com ele segurando o seu biquíni. Ele pensou bem, e acha que esse sábado vai ser bem diferente. Ela vai queimar no sol e ele viu que se queimou, mas de uma maneira bem diferente. E dolorida. De chinelada.