UMA TRISTEZA E UMA FELICIDADE
 
Até hoje não entendi por que não me casei com a Júlia. Ela era minha melhor amiga, desde o tempo do colégio. Conversávamos, dançávamos, viajávamos e até tínhamos deliciosos momentos íntimos. Ela seria a mulher ideal para mim. Terminamos a faculdade, ela foi fazer um Curso sobre História da Arte e eu fui ao Canadá para fazer um aperfeiçoamento e estudar o idioma francês. Depois de um ano voltei ao Brasil, e fui trabalhar em Recife. Mantínhamos a amizade por telefone, com cumprimentos em dias de aniversário, Natal e por aí afora.

Nunca mais nos encontramos e há seis dias, recebi email de uma amiga dela, informando que Júlia havia falecido naquele dia de madrugada. De pronto parti do Rio para São Paulo. Com muita Tristeza cheguei ao velório do cemitério, não tive coragem de ir perto do caixão. Além do mais, nem queria vê-la com a expressão da morte estampada naquele lindo rosto que eu admirava. Fiquei bem longe de todos. A amiga que me enviou o email me entregou uma carta e pediu que a lesse somente no dia seguinte. Perguntei a mim mesmo por que Júlia não me mandou tal carta pelo correio, pois ela sempre teve meu endereço.

Fiquei até o sepultamento, rezei e chorei. Muito triste fui embora para o aeroporto. Não li a carta no avião, pensei lê-la quando chegasse em casa. Mas quando lá cheguei não tive coragem, estava engasgado com o acontecido. Tomei um copo de vinho branco, Júlia adorava vinho branco gelado. Coloquei para tocar um CD onde havia músicas do gênero que ela amava. Fiquei ouvindo no escuro e me lembrando de tudo que havia se passado conosco. Pensei também em como a distância separa as vidas das pessoas, mesmo com cartas enviadas, telefonemas, mensagens mandadas, palavras abreviadas e no compasso rápido de nossas agitações nós nos afastamos de pessoas queridas, esquecendo de parentes e somente pensamos em negócios. Nós nos esquecemos de nós próprios e é uma pena que tudo aconteça assim. Quando acordamos é tarde demais. Confesso que chorei de novo pela perda da adorável Júlia e acabei dormindo.

No dia seguinte, fui ao escritório acertar compromissos, marcar novas entrevistas e não via a hora de voltar à noite para casa. Seria a hora de ler a carta da Júlia.

Abri a carta com emoção. Estava assim escrito:


***Querido amigo Paulo. Sei que você está triste por eu ter ido. Tenho certeza que nem perto do meu caixão chegou e nem falou com ninguém. Você foi a melhor pessoa que conheci na vida. Eu devia ter feito tudo para me casar com você. Agora vou lhe contar uma coisa que, me perdoe por nunca lhe ter dito. Tenho um filho, hoje com 28 anos. Mas não se assuste, não é seu filho. Contarei como aconteceu. Você foi para o Canadá e eu decidi passar uma semana numa pousada no interior de São Paulo, para colocar minhas idéias no lugar. Lá conheci o Gerente da pousada. Ele era um homem muito simpático e atencioso e eu acabei me envolvendo com ele. Depois de um tempo, já de volta a São Paulo, concluí que estava grávida. Ele era casado, não quis atrapalhar a vida dele. Terminei o curso sobre arte que sonhava fazer. Fui para Porto Alegre, morar com uma amiga. Montei lá uma loja de objetos de arte para decoração. Meu filho nasceu. Eu o criei com amor, queria ter um filho. Coloquei o seu nome, Paulo, em sua homenagem, pelo amigo maravilhoso que sempre foi. Nesse tempo você havia voltado do Canadá. Assumiu um bom posto naquela grande empresa. Eu preferi nada lhe contar. E assim foi. Depois você acabou voltando para o Rio de Janeiro e eu voltei para São Paulo.

Quando, pela primeira vez, meu filho Paulo me perguntou quem era seu pai eu lhe disse:- “Ele é um homem maravilhoso, se chama Paulo Medeiros”. E quando ele me perguntava quando ele conheceria o pai, eu lhe respondia:- “Esse dia logo chegará e você ficará muito feliz quando conhecê-lo”.

O tempo passou. E hoje, eu peço que atenda este meu pedido. Vá, por favor, até onde ele trabalha, que é na Rua Machado de Assis, 416, aí no Rio de Janeiro. Ele é um dos sócios de uma empresa de engenharia. Chegando lá procure por ele, Engenheiro Paulo de Andrade e se apresente como sendo o pai dele, Sr. Paulo Medeiros. Tenho certeza que ele ficará muito feliz.

Você não precisa se importar com o que dirá para ele. Eu já contei exatamente tudo sobre nós, desde nosso tempo de colégio, tudo mesmo. Não precisará inventar nada. Faça isso por mim e por ele, Nosso filho Paulo. Por favor, meu querido amigo do coração. Um beijo de despedida desta sua Júlia.***


Ao acabar de ler, comecei de novo a chorar, jamais poderia imaginar tal situação. Passei um dia inteiro a pensar em como poder me chegar ao tal endereço. Fiquei muito pensativo. Tentei me distrair com as coisas que tinha que executar no meu escritório. Decidi ir ao tal endereço no dia seguinte. Logo cedo, fui para lá. Ao chegar, disse à recepcionista que precisava falar com o Engenheiro Paulo de Andrade. Ela, de pronto, me disse que ele estava em reunião. Respirei fundo e completei:- “Por favor, fale para ele que é o pai dele, Sr. Paulo Medeiros que quer falar com ele”. A moça ligou para o ramal. Após um instante ela me disse que era para eu me dirigir à sala de espera e que num minuto eu seria atendido.

A porta se abriu e entrou um belo moço alto e todo feliz que veio ao meu encontro e me abraçou. Foi para mim um imenso momento de Felicidade, momento este que eu jamais imaginaria um dia ter. Paulo me olhou com olhos brilhantes e me disse:-
“Meu pai, você será a pessoa mais importante na minha vida, a partir deste momento”.

Hoje, eu e meu filho estamos aqui na igreja, presentes a missa de sétimo dia do falecimento da nossa adorável Júlia.


 
Deyse Felix
Enviado por Deyse Felix em 17/02/2010
Reeditado em 28/12/2015
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