Memórias de uma Ciumenta II
Para os não familiarizados com a história um breve resumo antes de prosseguir:
Como todo bom conto, começa com “era uma vez” uma moça e um jovem, que decidiram “ficar” como se diz hoje em dia. Não era nada assumido, era inclusive um segredo entre eles, com um contrato de anonimado nas entrelinhas, então apesar de se encontrarem frequentemente, não ficavam juntos em frente a conhecidos.
Um belo dia, ele foi viajar... na viagem já entendam muitas baladas, muitas meninas, praia, sol etc etc etc... e ela para não ficar em casa pensando nos etc resolveu sair, não para qualquer lugar, mas para o lugar deles, onde a turma deles se encontrava.
Como o esperado, a “turma” estava lá, quando uma loira aguada de mini saia, com olhos lindos de morrer, manequim 38 que ela não vestia há anos e top – ou algo similar – veio a questionar se ela e o tal Pedrinho estavam juntos, assim sem mais nem menos.
Depois de uma avalanche de emoções já descritas na primeira parte do texto, ela respondeu que sim, que de certa forma eles estavam juntos – por mais que na ocasião ele estivesse na praia na companhia de sabe-Deus-quem. Na ocasião, ela sentiu a pontada – ou marretada –do ciúmes numa simples pergunta – praticamente inquisição – de uma loira.
Agora a adversária não tinha rosto definido, era uma sombra que pairava na aurora deles. Era claro que havia algo errado, mas nenhum deles sabia exatamente o que era, ou pelo menos assim ela pensava. Queria pensar que tinha simplesmente “esfriado”, mas o sexto sentido feminino sabia melhor.
Mesma balada, mesmas pessoas – não, a loira aguada não estava – mas agora ele estava ao lado dela, pelo menos fisicamente falando, ou melhor, na maior parte do tempo, exceto quando ele deu um sumiço e depois de pouco mais de meia hora surge com uma morena qualquer na porta da pista – confirmando as suspeitas que eles tinham saído mesmo – se abraçam, dão um beijo no rosto e vão cada um procurar o que fazer.
Ah.... aquele abraço foi visto com olhar desconfiado, mas o beijo no rosto, esse foi um verdadeiro aviso. Só o fato deles terem procurado um lugar particular para “conversar” já era um aviso de que ela precisaria agir de alguma maneira e que a ciumenta teria muito trabalho se realmente quisesse concretizar a profecia de assumir algo sério com ele.
Não preciso dizer que o resto da festa foi incrivelmente irritante para ela.
Pobrezinha, ainda era seu aniversário...
Não agüentando mais chegou ao seu quase-ex-futuro-pseudo-namorado e falou “precisamos conversar”, firme, sem margem para dúvidas apesar de nem ela própria saber o que iriam falar, mas tudo bem, sabia que aquele não era o dia nem a hora para falar nada. Estavam em público, público conhecido, por mais que estivesse irritada, era fiel ao contrato quase verbal de confidencialidade.
Ele respondeu com um mero “ta bom”, mas ela sentiu no seu olhar que ele tinha entendido a gravidade da situação. Afinal depois de horas pensando no ocorrido, já estava a beira de declarar calamidade pública, especialmente porque não podia conversar com ninguém a respeito.
Marcaram para o dia seguinte.
Ela decidiu que precisaria de menos de um minuto para saber se eles ainda tinham alguma coisa, se estava realmente tudo acabado e que ele não a queria mais (ai que dor!!) ou se ele estava simplesmente stressado com alguma outra coisa e queria um pouco de espaço para resolver a vida. Se ele viesse comprimenta-la com o tradicional BEIJO, ela não precisaria de mais nada, iria sentir que estava tudo bem, que aquela morena, projeto de gente não era ninguém. Mas também decidiu não facilitar, viraria o rosto como se todos que conhecessem estivessem vendo.
Quando o viu se aproximar no dia seguinte, com os tradicionais 20 minutos de atraso, sentiu o sangue ferver e congelar ao mesmo tempo, percebeu que transpirava demasiadamente e que estava com a respiração quase ofegante. Antes que ele chegasse perto de mais para perceber ela tratou de se recompor, e mentalizar tudo o que deveria fazer. Primeiro sorrir – ok, cumprido, já sorria só com o pensamento dele – depois virar o rosto e então decidir o que faria em seguida dependendo da reação dele.
Pois bem, o momento chegou e ele também virou o rosto.
Agora o sangue não fervia mais, só congelava, pois sua pele ficou fria e agora transpirava como gelo derretendo a temperatura ambiente. Deu graças que ele se virou para a sua mochila em busca de algo, assim talvez ele não percebesse que ela tremia um pouco nos joelhos e que ela sutilmente passou a mão dos olhos para garantir que nenhuma lagrima iria transparecer, agora que sentia sua alma chorando.
A morena definitivamente tinha algo com ele. O projeto de gente, que nem era tão bonita quanto a loira, conseguiu afasta-lo dela. Sentiu a derrota e o fracasso de sua vida sentimental pesar sobre seus ombros, de maneira que agora ela não caminhava, e sim se arrastava, enquanto ele tirava um pacote de presente da mochila.
Espere um pouco, presente?
Sim, o aniversário dela foi há poucos dias, mas nunca iria imaginar ganhar algo dele, nem as suas mais loucas expectativas iriam chegar a esse ponto.
E agora? Estaria ele tentando amenizar a dor da separação? Será que gostava dela só como amiga? Se fosse esse o caso, conseguiria ela conviver com isso? Não importa, agora todo o peso havia ido embora, e ela estava feliz em saber que ele lembrou dela.
As mãos não estavam firmes com tanto nervoso, e sofreram para abrir o embrulho. Não era nada de mais, mas seria lindo mesmo se fosse um tijolo.
Enquanto o agradecia de fundo do coração, não pelo presente em si, mas por ter conseguido quebrar o gelo do beijo no rosto com algo tão gentil e tão inesperado.
Pensava no que iria dizer, sabia que precisava desabafar e que não teria outra oportunidade, mas antes que pensasse demais sobre o que falar, a conversa já fluía entre eles, que caminhavam calmamente sem rumo pelas ruas. A energia era tão boa, tão positiva, que antes que pudesse racionalizar o que ele falava já estavam a se beijar.
Sim, o BEIJO, que ela tanto queria.
Não, ela ainda precisava falar o que estava errado. A morena, o gelo dos últimos tempos, aquilo definitivamente precisava ser discutido, nunca iria se perdoar se o tempo acabasse e ela não tivesse dito nada. Mas pensando bem, podia esperar, pelo menos até o final do beijo...
Logo em seguida, a conversa retomou e ela entrou em transe quando ele segurou sua mão enquanto caminhavam.
Fracasso? Que fracasso?
Entraram num restaurante e pediram o trash food de sempre.
Era como sempre foi, o contato próximo, o calor deles juntos irradiando, mas a idéia de algo a ser dito estava dominando a mente dela como um aplicativo minimizado sendo executado e ocupando uma boa parcela da memória disponível. Quando tomou coragem para falar, o medo de ouvir o que não queria junto a batida frenética do coração quase a ensurdeceu.
Estava tão ocupada preocupada com o que dizer, como agir e se concentrando no que sentir, para não deixar nenhuma emoção desenfreada transparecer antes de ser friamente calculada. Claro que era impossível, ela estava visivelmente nervosa, ou deveria estar, a verdade é que estava ocupada demais para se preocupar com qualquer coisa. Quase ocupada demais para perceber o que estava se passando com ele.
De tudo que foi dito, a única coisa que se salvou na memória dela foi o “esfriou mesmo” dele.
Ela conseguiria viver com isso.
Quem diria, o projeto de gente não tinha nada a ver afinal.
Foram juntos a companhia de conhecidos cuidar de seus afazeres, mas antes se beijaram mais uma vez, no meio da rua, um beijo que ela lembraria, que deveria marcar o recomeço.
Tardiamente naquele mesmo dia, estava em outro transe, tentando repassar palavra a palavra do que foi dito, e apesar de não conseguir lembrar de tudo, estava com a nítida impressão de que algo sobre a morena havia sido dito por ele, e teve a certeza que isso tudo não estava acabado.
Perdão pela extensão do texto, mas não tinha como ser mais curto!