APENAS OS TRAÇOS DE UM ETERNO CONTO DE AMOR
 
 
     Acordou bem depois da hora habitual.
 
     Num gesto preguiçoso jogou o braço para o outro travesseiro sobre o qual, girando-se na cama, afundou a cabeça. Viera-lhe imediatamente ao acordar aquele vazio que depois de algum tempo escorre do coração e alcança o peito, o estômago, e acaba por dominar por completo o mais fundo do âmago. Percebeu suas mãos trêmulas. A vontade de viver tinha apenas uma ponta do rabo saindo pela janela, por onde a luz solar jogava alguns de seus raios como desejando induzi-lo a crer ainda em um restinho de esperança. Ele se pôs em pé e segurou a vontade de urrar. Os músculos das pernas cederam e elas dobraram com o peso. 
 
     A diarista o encontrou pouco depois enquanto a carne ainda estava morna. Por falta de alternativa, chamou a polícia.
 
     As fotos da perícia, mostrando um corpo derreado, com o rosto inexpressivo beijando o chão, ilustraram seu último texto publicado nos jornais:
 
     “Passou novamente por aqui, penetrou em meu âmago, conheceu meus pensamentos e os meus anseios. Leu em meus livros, em meus olhos e em meus e-mails. Pode assim, sentir a intensidade de meu amor. Por certo me pressentiu, mas sinto que tendo podido ler, não conseguiu jamais me ver.”
 
      Ninguém se deteve seriamente a examinar o sentido do texto. Talvez fossem apenas os traços de um eterno conto de amor.
 
      Contam que alguns dias depois uma linda mulher levou a ele um maço de rosas vermelhas. Ele amava as flores! 
 
     Contam que havia sol moribundo e que ao sair pelo grande portal de ferro fundido, surgiam, na imensidão do céu, os primeiros sinais de luz da primeira estrela. 
 
    Então, levantando os olhos em direção ao infinito, ela pode uma vez mais vê-lo em espírito.
 
Lucas Menck
Enviado por Lucas Menck em 15/02/2010
Reeditado em 15/02/2010
Código do texto: T2088019
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