A FORÇA CRIATIVA DO VERDADEIRO AMOR.
Ao longo do tempo imperou por ali a miséria como
pano de fundo de um clima pesado de falsa moral.
Como contar como vivia aquela gente, submetida ao
rigor da obediência cega em nome do respeito? Como
imaginar possível tanto marasmo por parte de todos,
imobilizados diante de uma autoridade que lhes
parecia natural, decorrente da vontade divina? A
vontade do patriarca da família!
A falta de tudo provinha, por certo, das propaladas
virtudes da terra, pois se dizia que ali o chão era
sagrado, guardava o futuro, rico e seguro. Bastava
esperar pelo futuro e todas aquelas serras, e todos
aqueles vales, produziriam os bens que revelariam ao
mundo príncipes e princesas, cobertos de honra. Pelos
rios dali correriam ondulados filões do mais doce mel!
Enquanto isso as habitações eram palhoças. Casas
cujas paredes externas, de adobe, se desmanchavam
ao sabor das intempéries. Estradinhas esburacadas
contendo profundos sulcos em razão das idas e vindas
de carroças transportando o produto de uma pobre
agricultura de subsistência. Era preciso andar muito
para obter a água potável e para lavar a roupa com a
água de minas encravadas em grotões. Sanitários em
residências? Quem ousaria pensar em tamanho luxo?
Ali, por falta de recursos financeiros e por excesso de
respeito aos desígnos de Deus, morriam pessoas
acometidas por doenças, ou vitimas de acidentes
graves. As lágrimas vertidas em razão das mortes
secavam logo nos olhos, pois era voz corrente que
tudo vem escrito pelo destino que uma criança traz ao
nascer. A vida, diziam por lá, é um dom divino para ser
desfrutado em um vale de lágrimas tendo em vista a
compra de um passe para a eternidade ao lado de
Deus. O sofrimento não era apenas natural. Era
entendido ali como quase uma necessidade para a
salvação da alma.
Ocorreu, entretanto, uma revolução silenciosa. Houve
um verdadeiro amor entre dois jovens que se casaram
por vontade própria. Portanto, não designados um ao
outro pelo poder supremo do chefe-mor do clã.
Alguns meses depois do casamento a menina adoeceu
e o rapaz era insubordinado. Ele não se conformou
com a história escrita no destino da esposa adorada e
enfrentou as feras. Ele não queria e não podia esperar
pelo futuro. Sem que ele se insubordinasse não teria
ao seu lado a pessoa a quem ele amava, pois estaria
morta no tal futuro dourado.
No final da tarde, sentado na cabeceira da jovem
esposa que ardia em febres, ele tomou a decisão de
abandonar a tudo e a todos, abrindo mão das heranças
em eventual futuro promissor. E deixando os
compromissos assumidos perante a comunidade, e,
assim, se candidatando à lista dos ‘não confiáveis’ e
dos ‘não atentos aos deveres da honra e respeito aos
mais velhos’, tomou a decisão inabalável de salvá-la
por amor.
Pagaria o preço de sua ousadia, fosse qual fosse.
Sairia com ela em busca de recursos médicos. Ela era
sua prioridade absoluta!
E assim, antes do sol nascer, transportou-a nos
próprios braços caminhando em busca de seu
propósito. Nada é mais forte nem mais promissor do que o amor. Nem mesmo o autoritarismo dos patriarcas
familiares, tão ‘respeitados’ e temidos.
A vida da moça foi salva. Libertando-a das garras da
morte o marido se libertou. O amor salva quando é o
sentimento mais forte nos corações.
O exemplo do rapaz foi aos poucos seguido e ao invés
de esperar pelas promessas dos esplendores do futuro
muitas pessoas da comunidade tomaram iniciativas
ousadas: começaram a fazer com que a terra sagrada
começasse a produzir riquezas no aqui e agora.
Hoje quem passa por aquelas serras e por aqueles
vales se depara com quantidades imensas de roseirais.
São centenas de milhares de flores exportadas para
capitais do mundo inteiro. As habitações são graciosas
edificações modernas, dotadas de todo o conforto. As
crianças são saudáveis, as pessoas são felizes por
ali.
Onde os recursos financeiros eram minguados há hoje
até uma agência bancária!