A PAIXÃO E O TEMPO
O tempo era o mistério. Muitas vezes ela nem percebia os dias. As horas não esgotavam o sentimento de saudade. Não exatamente de algum lugar ou pessoa, apenas de si própria em estado de graça: o encontro consigo mesma.
Estacionou o carro na garagem e, ao contrário do que seria usual, permaneceu ali, sentada ao volante, silenciosa. A roupa colada ao corpo tornava desconfortável o contato do tecido em sua pele. Fervia como água em ponto de ebulição, mas preferia dizer que o calor da cidade a deixava assim. Seus desejos emergiam na superfície da vontade e explodiam em nada. Evaporavam. Exausta e vazia entrou em casa.
Em seu quarto a cama desfeita realçava a indiferença. A foto antiga no porta-retratos era o único objeto no criado-mudo. Despiu-se lentamente e deixou a água fria escorrer pelo corpo. O choque da temperatura não provocou efeito algum. Beatriz — nua, molhada e sem vida — em nada se parecia com a mulher de anos atrás.
Por um breve instante, a lembrança fragmentada de uma noite branca. O chão escorregadio pela neve, o casaco que ganhara na semana anterior e as luvas que não protegiam seus dedos gelados. O restaurante italiano, a mesa em seu canto preferido, duas garrafas vazias de vinho e as taças marcadas pela cor intensa da bebida. O adeus e a última frase: "Prolongar a despedida é uma agonia."
Beatriz sabia quem era e através do olhar de Leonardo ela se confirmou em uma espécie de licença para ser. E por mais que ela parecesse submissa e passiva, a única coisa que experimentara ao lado dele foi liberdade. A alegria desse encontro levara-a a acreditar em uma paixão irreversível. Um dia viu-o, por acaso, no saguão do aeroporto em Milão. O oceano entre eles havia desaparecido.
Os voos adiados pelo mau tempo, a sala de embarque pequena demais para os dois, o convite desajeitado para o café. Olhares no relógio, atenção inútil às chamadas que prolongavam a espera para o embarque, as xícaras ainda cheias e o café frio.
Ela, finalmente, quebrou o silêncio com ar embaraçado:
— Não deveríamos ter nos encontrado.
— Hoje ou há cinco anos?
Beatriz sentiu raiva por ele ter lembrado exatamente a passagem do tempo. Olhou o relógio desejando ter uma resposta para não ser mais quem era.
Ele insistiu, mas Beatriz não iria facilitar:
— Certas respostas não fazem a menor diferença.
O chamado para seu voo a fez andar mais depressa em direção ao portão de embarque quando ouviu, mais uma vez, a frase daquela noite:
— Prolongar a despedida é uma agonia.
Beatriz respondeu como quem ainda se recorda:
— Por isso fomos breves desta vez.
Estacionou o carro na garagem e, ao contrário do que seria usual, permaneceu ali, sentada ao volante, silenciosa. A roupa colada ao corpo tornava desconfortável o contato do tecido em sua pele. Fervia como água em ponto de ebulição, mas preferia dizer que o calor da cidade a deixava assim. Seus desejos emergiam na superfície da vontade e explodiam em nada. Evaporavam. Exausta e vazia entrou em casa.
Em seu quarto a cama desfeita realçava a indiferença. A foto antiga no porta-retratos era o único objeto no criado-mudo. Despiu-se lentamente e deixou a água fria escorrer pelo corpo. O choque da temperatura não provocou efeito algum. Beatriz — nua, molhada e sem vida — em nada se parecia com a mulher de anos atrás.
Por um breve instante, a lembrança fragmentada de uma noite branca. O chão escorregadio pela neve, o casaco que ganhara na semana anterior e as luvas que não protegiam seus dedos gelados. O restaurante italiano, a mesa em seu canto preferido, duas garrafas vazias de vinho e as taças marcadas pela cor intensa da bebida. O adeus e a última frase: "Prolongar a despedida é uma agonia."
Beatriz sabia quem era e através do olhar de Leonardo ela se confirmou em uma espécie de licença para ser. E por mais que ela parecesse submissa e passiva, a única coisa que experimentara ao lado dele foi liberdade. A alegria desse encontro levara-a a acreditar em uma paixão irreversível. Um dia viu-o, por acaso, no saguão do aeroporto em Milão. O oceano entre eles havia desaparecido.
Os voos adiados pelo mau tempo, a sala de embarque pequena demais para os dois, o convite desajeitado para o café. Olhares no relógio, atenção inútil às chamadas que prolongavam a espera para o embarque, as xícaras ainda cheias e o café frio.
Ela, finalmente, quebrou o silêncio com ar embaraçado:
— Não deveríamos ter nos encontrado.
— Hoje ou há cinco anos?
Beatriz sentiu raiva por ele ter lembrado exatamente a passagem do tempo. Olhou o relógio desejando ter uma resposta para não ser mais quem era.
Ele insistiu, mas Beatriz não iria facilitar:
— Certas respostas não fazem a menor diferença.
O chamado para seu voo a fez andar mais depressa em direção ao portão de embarque quando ouviu, mais uma vez, a frase daquela noite:
— Prolongar a despedida é uma agonia.
Beatriz respondeu como quem ainda se recorda:
— Por isso fomos breves desta vez.