O BEIJO PERDIDO: UM PEQUENO CONTO DE REVEILLON

Encontra-se perdido um beijo que foi negado, realizou-se apenas na imaginação de ambos: daquele que o pediu e daquela que o negou. Estranha conclusão ter este beijo também se concretizado nos sonhos da mesma que o evitou através de palavras enfáticas, mas dêem a ela a possibilidade de dizer que pessoas racionais sabem esperar a hora certa, mesmo que, para tanto, precisem sufocar as próprias vontades. Os seres que agem pela razão são os que mais sofrem para controlar suas emoções.

Ela o achou tão bonito e interessante e foi conhecê-lo logo em uma noite de Reveillón - data que desperta pensamentos românticos até nos mais céticos mortais. Pensou que ele pudesse ser seu presente de ano novo, mas, como decepções são inevitáveis, logo o viu preso à outra boca, abraçado à outra silhueta de mulher. Longe de se sentir triste, ela esqueceu em seguida o flerte malogrado, afinal de contas nem se podia chamar aquilo de flerte já que não havia sido vista, apenas cuidara de observar até então.

Quando já não esperava mais nada e até mesmo havia perdido aquele rosto masculino entre a pequena multidão que festejava o ano bom, um acaso, uma frase solta ou uma surdez momentânea fez com que ela aceitasse a proposta de ser apresentada por uma amiga ao rapaz (que naquele instante já se encontrava novamente disponível). Se tivesse compreendido que era essa apresentação o conteúdo da proposta, certamente não teria aceitado por orgulho e timidez, mas talvez exista destino ou coincidência, pois a tal surdez levou-a a ouvir outra coisa qualquer então aceitou a oferta da amiga e só se deu conta do que se tratava quando o tal moço já estava ao seu lado.

Conversaram por uma hora, duas, três... Quem sabe? A noção de tempo se perdeu, ela só sabia admirar os olhos que estavam a sua frente e analisar cada gesto a fim de compreender o que significava aquele momento. Tinham tanto em comum, em especial o fato de se atraírem mutuamente por uma mão amiga ou até divina... Que seja! Não se pretende comentar aqui quem foi o cupido, apenas dizer que a surpresa foi recíproca e tudo fluía tão naturalmente que causava dúvidas quanto a possibilidade de estar mesmo acontecendo.

A banda já não tocava, os amigos dela queriam ir embora, uma briga ferrenha havia saído a poucos centímetros de distância, mas de nada se davam conta. Perceberam apenas que o tempo era escasso e que poucos minutos teriam para pesar a importância de estarem juntos, juntos por pouco tempo. Nenhum dos dois morava naquela cidadezinha onde acontecia a festa, no outro dia seguiriam para lugares diferentes, tudo o que poderiam carregar seriam lembranças de uma conversa e de um... Beijo?

Ele pediu um pouco sem jeito, ela negou. Não negou, porque não o desejasse e também não apenas por temer o resto de saliva que sobrara da outra na boca dele, mas, acima de tudo, porque não queria simplesmente uma lembrança efêmera. Ela sonha com um amor sincero, fruto de uma paixão ardente que, ao se esfriar, ainda permaneça em forma de carinho, materializado no sentimento verdadeiro que sobrevive as chamas. O que sabia sobre ele além de seu nome? Quem poderia afirmar que suas histórias eram verdadeiras? O que restaria após o beijo? Deixaria nele mais um gosto de batom misturado ao batom da primeira, de forma que ele nem saberia distinguir qual das duas havia lhe marcado realmente.

A moça marcou-lhe com palavras que talvez sejam esquecidas, perdidas como o beijo que não foi dado, ignoradas por um rapaz em busca de somente mais uma boca para beijar. Quem pode afirmar o contrário?