Bailado de uma paixão
Em um magnífico Teatro, no melhor camarote, ela está confortavelmente sentada. As luzes estão apagadas, a campainha já anuncia o início da peça. Uma linda valsa marca o acender de duas luzes, cada uma delas voltada para uma das extremidades do palco e através delas pode-se ver os bailarinos; um homem forte e másculo, vestido de azul e uma linda e esguia bailarina, vestida de branco. Ambos encontram-se cabisbaixos e, com o tocar da música eles lentamente levantam a cabeça, um em direção ao outro.
Ao cruzar de seus olhares, as luzes continuam sobre cada um deles, mas como que se inclinando cruzam-se no palco. É o despertar da paixão.
Ela observa cada passo, ouve atenta a cada som, cada movimento de luz ou cada gesto e projeta-se nos atores revivendo sua história de amor.
Valsas ardentes são tocadas e o bailado exprime a força daquela paixão da juventude, movimentos rápidos, fortes, insinuantes, ao mesmo tempo doces e ternos configuram aquele ato. Um ir e vir dos atores. Um ir tristonho por representar o tempo em que estarão distantes um do outro, seus rostos continuam sempre voltados para o outro, mesmo quando seus corpos se distanciam, a ida é sempre mais lenta e a volta sempre apressada.
No último bailado do primeiro ato, eles se reencontram e ao invés de apenas ficarem ali enamorados, caminham juntos representando sua união de vidas, seu casamento. Fecham-se as cortinas e acendem-se as luzes.
Ela continua pensando em sua vida, tantos anos se passaram e aquela representação de sua própria história de amor meche tanto com ela, fazendo com que ela sinta o calor dos primeiros beijos, o toque dos abraços, dos apertos de mão, o frio na espinha e o flutuar de emoções, seu ser sente-se tão impressionantemente leve e fugaz.
Inicia-se o segundo ato, ela retorna a realidade teatral por um momento e passa mais uma vez a projetar-se no espetáculo. Agora os atores já não se distanciam muito, seu ir e vir é menos demorado, seus rostos continuam olhando-se, mesmo quando seus corpos se afastam. e após um repetir de “ires e vires” por dez ou doze vezes, suas atitudes passam a mudar gradativamente, a cada ir e vir, seus olhares tornam-se cada vez mais distantes do olhar do outro, o tempo de ir sempre é o mesmo, mas o de vir aumenta pouco a pouco, neste ato o bailado encena uma briga e o fim do ato dá-se quando cada um sai para um lado do cenário e ficam abaixados, as luzes se apagam.
Ela tem seus olhos banhados em lágrimas, procura seu lenço para secar as lágrimas, neste momento seu amado, já nada jovem ou viril, mais ainda seu amado, lhe dirige um doce olhar e seca-lhe as lágrimas. Ele imagina o que passa em sua mente, o quanto ela está se identificando com a peça. Ele sabe que se o autor da peça tivesse se inspirado neles, o próximo ato seria de distanciamento, cada um dos atores tentaria viver sua própria vida, distantes um do outro e por mais que tentassem preenchê-las sempre restaria um enorme vazio, até que no quarto ato, os atores já teriam envelhecido Deus lhes dera o tempo para que percebessem quanto precisavam e amavam um do outro, para que se tornassem mais complacentes, humildes, dependentes de Deus e um do outro, de forma que aproveitariam cada segundo do tempo que lhes restava, para compensarem o tempo em que ficaram separados...