O Outro Menino - 4
- Ele é quase cinco anos mais velho que você. – dise Taylor, enquanto Kawabe trancava a porta.
- O quê?
- O seu... amigo... do último ano, pensei que eles fossem da sua idade.
- Ele é meu único amigo. - Kawabe subiu as escadas para seu quarto. Quando ouviu algo que o deixou surpreso dali em diante, pelo resto da vida.
- É estranho, Kawabe... Eu não queria isso pra você... É estranho... – Taylor suspirou - Mas... se você gosta dele, então tudo bem.
Ele parou no meio da escada, ouvindo as palavras entrarem em sua cabeça.
O dia amanheceu nublado e a chuva havia dado uma trégua. Nos corredores da escola, Kawabe não encontrou Aiky como de costume. Nem em sua sala. Nem na biblioteca. Ele não freqüentaria mais a escola depois do acidente com os dois alunos. Era exagero - ele pensava. Essa expulsão não era simplesmente por uma briga entre alunos, havia algo a mais. E por mais que Kawabe tentasse esconder, alguma coisa dentro dele dizia que tinha a ver com ele.
“A escola inteira já sabe. O pai do Aiky deu uma surra nele. O próximo é você, Kawabe.”
Isso estava em sua cabeça e não saía de jeito nenhum.
Naquela mesma noite Aiky apareceu na casa dele. Parecia feliz, Kawabe nem tanto.
- Bom, eu só passei pra te ver mesmo...
- Você foi pra outra escola, né?
Aiky fez que sim com a cabeça, quando Taylor apareceu, para surpresa dos dois.
- Preciso falar com você, rapaz. De homem pra homem.
Aiky sentiu o estômago embrulhar, mesmo assim seguiu Taylor até o andar de cima.
- O que foi, Taylor? – perguntou o irmão
- Você fique aí em baixo, porque é particular. – disse fechando a porta.
Aiky ficou em pé sem saber como agir. Era a primeira vez que via o quarto onde Kawabe dormia.
- Senta – disse Taylor, e ele obedeceu.
- Então? – perguntou Aiky
- Como você sabe, eu sou responsável por aquela criança lá em baixo.
Aiky fez que sim com a cabeça.
- E como irmão mais velho, minha tarefa é protegê-lo.
- Certo...
- Não machuque o coração dele, Aiky.
Houve um silêncio modorrento. Um ar constrangedor transpassou o sorriso de Aiky.
- Eu... acho que você está interpretando errado...
- Ele é muito menor do que você, então cuide dele.
- Eu... não é isso... – Aiky parecia confuso
- Não sou a favor disso. Mas já que não posso escolher, peço que você cuide do meu irmão.
Aiky abaixou a cabeça e respirou fundo.
- Você sabe que está cometendo um crime... – falou Taylor
- Crime? – Aiky riu
- Ele é menor de idade, você sabe.
- Taylor... – Aiky ainda sorria - Eu perdi meu último ano do colegial. Eu ia me formar, sabia? Era só o que eu queria. E você sabe porque eu fui expulso?
- Não
- Porque estou protegendo ele. Muito antes de você pedir.
Os dois não se olharam. Taylor se levantou e Aiky o seguiu. Kawabe estava em pé na porta. Aiky sorriu e bagunçou os cabelos dele ao passar. Kawabe também sorriu.
O pequeno sorriso dele. Era tudo o que mais amava na vida.
No dia seguinte Kawabe saiu da escola após seu último tempo de aula. O sol morria no horizonte, agravando o frio que fazia naquela semana. Ventos gelados varriam as folhas secas das árvores mortas. Ele caminhava cabisbaixo e sozinho pela calçada, carregando sua mochila. Foi quando ouviu uma buzina. Levantou a cabeça rapidamente e viu um carro branco parar do seu lado. Olhou pela janela do veículo, Aiky estava dirigindo. Ele abriu a porta e chamou Kawabe, que correu para sentar no banco carona.
- Como é que você tá, figura? – perguntou Aiky
- Eu tô bem, o que você tá fazendo aqui?
- Vim buscar você.
- Você nunca me disse que dirigia...
- É do meu pai.
“A escola inteira já sabe. O pai do Aiky deu uma surra nele. O próximo é você, Kawabe.”
Kawabe engoliu em seco.
- Você não brigou com ele?
- Não... Do contrário ele não me emprestaria o carro. Por que a pergunta?
- Nada... Nada não. – Kawabe sorriu
- Bem, então vamos, vou te levar pra casa. Mas antes, eu queria te mostrar um lugar. Se você quiser, é claro.
- Claro. Me leva. – Kawabe sorriu
O veículo saiu da estrada principal. Juntos, eles passaram por uma estradinha de terra deserta, numa subida que dava intermináveis voltas. A noite já havia chegado. Era uma região escura, com muita vegetação. E após várias voltas o carro parou num terreno plano, no alto da serra. Aiky desceu.
- Feche os olhos.
Kawabe obedeceu.
- Você confia mesmo em mim, não é?
O garoto fez que sim.
Aiky levou ele até a beirada do desfiladeiro. Havia uma barricada de madeira. Numa região muito alta. Então sussurrou em seu ouvido:
- Pode abrir.
Kawabe abriu os olhos lentamente. A sensação que se tinha era de mergulhar no espaço. As luzes brilhando distantes. Milhares de luzes da cidade. E as estrelas no céu acima. Seus olhos reflletiam o brilho.
- Eu costumava vir aqui... Quando tinha a sua idade... E ficar olhando pra cidade lá em baixo. – Aiky riu de si mesmo
- Valeu, Aiky. É bom estar com você.
Os dois se debruçaram no corrimão de madeira gelado, observando os vaga-lumes elétricos que eram as lâmpadas das cidades lá em baixo. Aiky o abraçou e Kawabe deitou a cabeça no ombro dele. Eles ficaram ali sozinhos, enquanto Aiky lhe fazia carinho. Até que depois de alguns minutos ele falou.
- Eu te amo, Kaw...
O inverno glacial derreteu. O vento frio não incomodava mais. Porque agora estavam juntos, sentindo o calor um do outro. E o frio deixara de existir.
- Olha, temos que voltar. Seu irmão vai ficar preocupado.
- Ok... Mas se eu fosse ele, não ficaria.
- Por quê? – perguntou Aiky, dando um beijo na cabeça dele
- Porque estou com você.
Aiky sorriu envergonhado.
- É, só que ele não sabe.