O Outro Menino - 2

(Parte 2)

Kawabe não conversava muito com o irmão. Constantemente eles brigavam e na maioria das vezes ficavam afastados, naquele momento, era tudo o que não precisavam.

Em seu quarto, Kawabe deitava o rosto no vidro gelado da janela. A chuva caía com a mesma intensidade de antes, o clima estava frio e os olhos dele ardiam cada vez que piscava. Estava queimando em febre, mas ignorava isso.

Sem pensar duas vezes, ele calçou suas meias e sapatos, pegou sua mochila e saiu do quarto, no exato momento em que o relógio marcava cinco da madrugada. Lá fora ainda estava escuro. Ele desceu as escadas, passou pelo irmão Taylor, que dormia estirado em um sofá na sala. Talvez se preocupasse se ele saísse tão cedo... Ou talvez não... Ele não se importaria, sequer se o irmão estava vivo no quarto. Então saiu rua afora.

Lá fora, Kawabe era a única pessoa na estrada. Por ora passavam alguns carros, e os faróis acesos iluminavam o asfalto molhado.

Por volta das seis horas da manhã os portões do colégio já estavam abertos e começavam a chegar os primeiros funcionários. Kawabe seguiu para o prédio da biblioteca. Lá dentro estava escuro e deserto, porém aquecido. O cheiro de livro novo impregnava levemente o ar. Ele puxou uma cadeira no canto mais distante da porta, entre as estantes de Oceanografia; se sentou e secou o rosto, os cabelos estavam molhados pela chuva.

Trovão.

- Jovenzinho do 1º ano...

Ele deu um salto da cadeira e viu a bibliotecária se aproximar com alguém.

- Parece que deu para vocês alunos terem insônia hoje... Aqui, meu querido, pode se sentar – ela puxou uma cadeira da mesa em frente a Kawabe.

- Obrigado, senhora Ruth.

- Quem me dera todo mundo fosse estudioso assim. – ela sorriu e deixou o local. Kawabe evitou olhar para frente.

O silêncio se fez e por alguns instantes houve melodia de chuva e trovão. Até ele finalmente ver quem era.

- Aiky? – perguntou, surpreso

- Sim – resmungou a mesma voz fria. Ele não olhava para Kawabe, apenas folheava um livro distraído.

- Chegou cedo... – disse Kawabe, meio sem jeito

Aiky permaneceu calado por algum tempo. Até que de repente falou:

- Você também...

- Perdi o sono... – sussurrou o menino

Aiky não disse nada. Deixou que o barulho da chuva preenchesse o vazio.

Kawabe se levantou depressa, abriu a sua mochila e retirou uma nota de dinheiro. Estendeu a mão para ele.

- Obrigado por ter devolvido meus livros ontem... É... só o que eu tenho.

Aiky parecia nem dar ouvidos. Continuava a ler.

- Aiky... – chamou Kawabe com a mão estendida.

Foi então que a reação dele lhe assustou. Aiky segurou sua mão com força e a fechou.

- Eu não quero seu dinheiro, menino! – pela primeira vez ele abrira a boca de verdade.

Então se levantou, fechando o livro e guardando na mochila.

- Se cuida...

Kawabe ficou parado, se sentindo completamente estúpido. Suava frio.

- Precisa ir à enfermaria – disse Aiky

- Não preciso, não.

Aiky pôs a mão na testa do menino medindo sua temperatura.

- Eu estou bem! – Kawabe disse convincente, empurrando a mão de Aiky

- Vá a enfermaria, teimoso.

Então ele saiu da biblioteca e Kawabe ficou sozinho sentindo seu estômago afundar. Suas mãos tremiam e ele ainda suava frio. Lá fora, o sol nascia. Mas para ele não fazia diferença. A estranha sensação que sentia não iria passar indo a enfermaria, tampouco com o brilho do amanhecer.

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 29/01/2010
Código do texto: T2057392
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