BELINHA: UM CASO DE AMOR IMPOSSÍVEL

BELINHA

(UM CASO DE AMOR IMPOSSÍVEL)

Belinha era uma colegial. O colégio, que freqüentava, ficava defronte de uma praça. Na praça haviam muitos bancos, uma fonte, que raramente era acesa, e uma igreja.

Ao redor da praça, à noite, era onde os motoqueiros iam correr em velocidades inadmissíveis pelas leis de trânsito. A praça era onde os casais de namorados iam curtir um luar, transar um bate-papo e trocar longos e apaixonados beijos e abraços de amor.

Esse não era o caso de Belinha. Moça prendada como só ela, mas o destino desviara-lhe os sentimentos, fazendo com que esses fossem dirigidos para um rapaz, que nem sequer percebia que ela existia, que ela fazia parte do mundo.

Todos os dias, sem exceção, lá estava ele e seus amigos com suas motos na saída do colégio. Belinha via-o e, timidamente, lançava-lhe um daqueles olhares apaixonados, mas ele estava tão longe, longe...

O negócio era curtir a vida, dizia sempre.

- Lá está o coroca, turma!

Quem falou foi Adir, um rapaz de cabelos loiros e compridos, uma barba recém-formada a cobrir-lhe a face. Belinha, no entanto, gostava de ouvir a sua voz.

Sua parceira tentava de tudo para ajudá-la: Adir nunca tomou conhecimento disso, ou sabia e fingia que não.

Todos os rapazes aceleraram suas motos e saíram em disparada. O homem a quem eles queriam insultar era um padre que dava aula de português no colégio. Eles gostavam de insultá-lo com o barulho das motos, porque o padre ficava furioso.

Para o padre aqueles rapazes eram o inferno, para Belinha o cabeça da turma, o seu Adir, era o anjo.

Belinha sofria calada; era morena, cabelos lisos e longos, olhos pretos, tão pretos que brilhavam no escuro. Tinha a boca pequena e graciosa, os dentes brancos, perfeitos e completos, toda a candura dos dezoito anos, suas mãos eram mimosas, o coração era bondoso, muitos rapazes, que conheciam sua predileção por Adir, daria tudo para estar no lugar dele.

Ela atravessou a rua, sua colega não a quis acompanhar, sentou-se na praça, e ficou longo tempo admirando o seu amado, que se perdia na distância. Seu coração pulsava com grande rapidez sempre que o via.

Adir, nos seus vinte e um anos, nunca levara nada sério,

já havia transado com muitas meninas, mas nenhuma havia conseguido agarrá-lo. Apesar de nunca ter ligado muito para o estudo, ele agora se preparava para o vestibular.

Da sua turma de cinco vadiões, como chamava furioso o padre, só um cursava ainda o nível médio, os demais também se preparavam para ingressar na faculdade.

Belinha, mergulhada em pensamentos de felicidade, imaginava como seria feliz o dia em que pudesse ter Adir nos braços, beijá-lo, abraçá-lo; tolos sonhos de mulher.

Mas aquele corpo perfeito de mulher, a fragilidade no andar, a cordialidade da voz, a candura do sorriso, o pestanejar das pálpebras, as cálidas e mimosas mãos, por certo, escondia um mal, uma enfermidade que a corroía por dentro no silêncio da morte. As aceleradas freqüentes do coração, levavam-na pensar que era motivado pela presença de Adir, mas na opinião do médico da família isso era insuficiência cardíaca. Já havia sido submetida a diversos exames, mas a cordialidade dos que sabiam a levava crer que tudo estava em perfeita e calma ordem.

Seus pais tudo silenciavam.

Os dias, se assim possa dizer, de Belinha estavam contados irremediavelmente.

Não viveria o suficiente para realizar seus sonhos e desejos de amor. Sem o contato, nos dias frios, do calor do corpo humano, que aquece mais que todos os outros calores juntos.

A brisa da tarde batia Agora em seus cabelos suavizando a face serena e doentia. Uma expresso agonizante tomara conta de seu lindo rostinho. A suavidade da voz havia desaparecido. As mãos tremiam, o rosto começou suar. Não teve força suficiente para segurar seus cadernos e estes caíram no chão, apoiou-se firmemente no banco para não pender o corpo.

Não havia ninguém por perto.

Apesar da agonia que a estava envolvendo a morte, pode distinguir ao longe o som estridente das aceleradas de uma motocicleta; isso a animou.

Segurou-se firme no banco, mas mesmo assim o corpo pendeu. A motocicleta se aproximou, isso a fazia sonhar no delírio, isso suavizava sua dor, acalentava a febre que percorria seu corpo.

O motoqueiro, que se aproximava da praça, era Adir, que vendo aquele corpo estendido no banco da praça, parou para socorrer.

Correu ao local, pôs a mão na testa de Belinha, esta sentiu o contado frio daquela mão, o que a motivou abrir os olhos, divisou entre as pálpebras semi-abertas a figura esbelta de Adir; sorriu, não com os lábios, mas com a alma, o coração se abriu em esperanças. Amava-o e ele estava ali para socorrê-la.

Mesmo no delírio da febre pode ouvir a suave voz lhe dizendo:

- Que foi, moça?

Ela só queria ouvir, nada mais importava, queria-o perto dela cada vez mais.

Ele agarrou seu pulso, ela se alegrou, os lábios não tinham força para sorrir.

- O que está passando contigo, garota? Está com febre!

Com esforço quase supremo ele conseguiu arrancar dela o seu nome:

- Qual é o seu nome, gracinha?

- Belinha - isso foi um esforço muito grande, mas ela conseguiria e estava feliz.

- Fique aí que eu vou chamar um carro.

Virou-se, mas parou estarrecido.

- Adir.

Ele virou-se, bruscamente, quase.

- Que, Belinha?

- Eu te amo!

Ele, pela primeira vez, sentiu o corpo estremecer, um calafrio percorreu-lhe todo o corpo, e ela, no entanto, sentiu-se aliviada, leve e livre por ter desabafado.

Havia, podia perfeitamente ser notado, muita felicidade e meiguice em sua voz, ele percebera.

- Você não sente nada por mim?

- Vou chamar um carro.

Ela, com muito esforço, conseguiu sentar-se.

- Espere! Eu já estou bem.

Ele não sabia o que fazer. Dizer a ela o que sentia, era a ainda mais o estado em que se encontrava. O que sentia por ela era pena, dó. Nada mais.

Algumas lágrimas rolaram dos olhos dela, entristecendo a meiguice da face.

- Você não respondeu minha pergunta, Adir.

- Precisa responder?

- Claro! Ou você acha que eu sou capaz de advinhar a resposta?

- Ei, taxi.

Um carro, que passava, parou e ele se dirigiu para o motorista.

- A moça ali não passa bem. O Sr. pode levá-la para casa?

- Claro.

Adir deu-lhe umas notas para pagar a corrida e disse:

- Um momento - voltou-se para Belinha.

Ela estava calada, havia pego os cadernos.

- O carro está te esperando. Vá depressa!

Ela fixou-lhe os olhos negros, tinha vontade de dizer-lhe umas boas, mas se conteve.

- Belinha, eu não gosto de você, e sinto que nunca vou sentir nada por você. Eu, como você, já sofri por alguém que nem sequer deu importância para mim, mas me refiz. Você ainda é nova, vai achar alguém que a ame o quanto você merece.

Começou andar e pode ouvir seus últimos murmúrios:

- Mas eu sempre te amarei! - Sua voz era dócil.

- Inutilmente, Belinha! - Disse, mas nem se virou para conseguiria olhar o seu rosto que agora soluçava e se banhava em pranto.

Ela foi para o carro e este pôs-se em movimento.

Talvez os últimos suspiros de Belinha, Adir nem pudesse ouvir.

Caminhou silencioso e triste para a motocicleta, nem sequer ousou olhar para trás, não queria começar a sofrer. O rosto cândido e amargurado de Belinha ainda brilhava em seus olhos.

O motor da motocicleta quebrou o silêncio que os dois provocaram. Mas temeroso ainda pelo estado de Belinha, ele não partiu em paz. Andou sem rumo pela cidade, com remorso talvez, com pena quem sabe. Era difícil distinguir alguma coisa naquela expressão que ele trazia.

Adir quando soube da morte de Belinha, não chorou, mas se notava umas lágrimas em seus olhos.

A candura daquele sorriso deixou de existir para o mundo.

Deus a tenha em seu maravilhoso reino, porque na terra Belinha talvez só viesse sofrer.

Os anjos, no céu, agora entoam canções, anunciando a entrada de Belinha no reino do paraíso.

* * *

Adir, pelo que soube, na noite da morte de Belinha, sentindo um vazio na alma, uma amargura indissolúvel no coração, caminhou por ela, deixando que a brisa suavizasse a sua face e acalentasse o seu pranto.

FIM

Lins, Estado de São Paulo.