“theobroma cacao”
Naquela noite ele entrou em casa triste. Uma tristeza que não podia definir. Já se conhecia e sabia que aquele sentimento passaria. Ainda assim pensou em investigá-lo. O que o fazia triste? O que lhe tirava o gosto das coisas? O que o deixava melancólico?
Sabia que ela não estava na cidade. Mas também sabia que a sua ausência não podia ser o motivo investigado, afinal, mesmo quando na cidade, ela nunca esteve verdadeiramente com ele. Concluiu que ser triste era de sua natureza, que não perderia mais tempo investigando os motivos. Faria diferente.
Pensou em imaginar o que lhe fazia feliz. Assim pensou que poderia neutralizar os pensamentos tristes com as lembranças felizes.
Que trabalho árduo! Tinha poucas lembranças felizes!
Deitou-se em sua grande cama de casal, embora seja solteiro (que lhe pareceu maior do que nunca) e abriu o livro que o esperava todas as noites sobre a improvisada mesinha de cabeceira, não conseguiu ler uma página. Todo o seu passado lhe afluía à memória. Como posso não lembrar de momentos felizes?!
As horas passaram, o dia amanheceu. Ele levantou, mesmo não tendo pregado os olhos.
Ficou preocupado. Passou toda manhã ruminando pensamentos. Como não se lembrava de quando fora feliz?!
Foi almoçar. Entrou no Restaurante. Cumprimentou a todos como de costume. Aceitou a sugestão do Garçom. Quem sabe uma boa comidinha não mudaria seu humor?
Comeu sem muito gosto. Não que a comida estivesse ruim, era ele que tinha perdido o sabor da vida. Sua tristeza já se mostrava diferente das outras vezes! O que será que acontecia?
Pensou nela novamente. Riu de seus devaneios. Ela era impossível, pensou.
Foi visitar um amigo. Pensava que uma boa conversa poderia lhe ajudar. Daria risadas. Tocaria violão. Quem sabe também não bebericavam uma cervejinha?
Chegou à casa do amigo. Foi recebido com abraços e o carinho costumeiro. Conversaram muito, cantaram muito e, somente ele, chorou muito.
O amigo riu e disse: Camarada, você está é apaixonado!
Aquela assertiva lhe bateu fundo na alma. Enxugou as lágrimas. Riu e disse ao amigo que talvez fosse isso mesmo. Mas que era um amor impossível.
Seu amigo, com ar profético, disse: Nada é impossível!
Andando pelo caminho que o levaria de volta a sua casa formou uma opinião sobre a paixão. Essa era uma de suas manias, teorizar sobre tudo.
A paixão surge pela ansiedade e pela urgência. Nasce da necessidade de se sentir vivo. Uma paixão faz a pessoa sentir que está vivendo intensamente. O sentimento de paixão é acionado quando começamos a desejar algo que nos traga uma nova energia vital. A paixão toca no que existe de mais profundo na existência de cada um. É uma autoterapia excelente.
Era verdade. Precisava mesmo sentir-se vivo. Viver intensamente. Com a energia que a muito não sentia.
Refletindo concluiu que aquela moça realmente despertará nele este sentimento. Que o que sentia não era tristeza e sim paixão. Sentimentos que realmente se confundem.
Sentia por ela uma enorme admiração. A achava a mais bela de todas. Sensual, muito sensual.
Resolveu que viveria aquela Paixão. Mesmo que unilateralmente.
Descobriu seu telefone encheu-se de coragem e marcou um encontro.
Não poupou detalhes. Contou tudo que sentia e desde quando sentia. Ela se mostrou receptiva, mas deixou claro que era compromissada. Ele não via problemas nisso. Bastava a ele a possibilidade da convivência. O repartir de sentimentos. A amizade possível e companheirismo provável Ainda que no fundo nutrisse a remota esperança da reciprocidade.
Naturalmente, amiudaram-se os encontros. Agora ela também tomava a iniciativa da procura. Gostavam muito de conversar. Eram parecidos em várias coisas. E no que diferiam se completavam na verdade.
Cinco ou seis semanas correram assim, Um dia, estando em uma loja no centro da cidade, não sei bem onde foi, viu-a entrar acompanhada da irmã, e estremeceu. Ela olhou para ele; se o conheceu não o disse no rosto, que se mostrou impassível. De outra vez indo ao mercado, deu com os olhos na bela moça; mas foi o mesmo que se olhasse para o nada; a moça não se moveu; não alterou em nada seu belo rosto.
Aquilo o intrigou. Teria ele feito algo de errado? A teria magoado de alguma forma?
Deixou que o final de semana acabasse para fazer contato. Estava curioso para entender aquele comportamento. As horas pareciam preguiçosas, como se arrastavam e demoravam a passar.
Chegou segunda feira. Olhou para o relógio. Era ainda cedo. Como estava ansioso. Ligou assim mesmo. Para sua surpresa, mesmo aquela hora, ela atendeu.
Disse ela que precisavam conversar. A voz dela não era das melhores. Um tom distante se percebia. Ele concordou e sugeriu um encontro. Ela aceitou.
Ainda tinha que enfrentar toda a manhã. O encontro era no final da tarde. As piores hipóteses povoavam sua mente. Como podia ser tão pessimista?
Duas horas antes ele já se encontrava no local marcado. Brincou de contar regressivamente para matar o tempo. Somava os números das placas dos carros que passavam pela rua. De tudo fazia para que esses intermináveis cento e vinte minutos passassem. Ela chegou.
Para sua surpresa, sorridente como sempre. Explicou ela que fora seca ao telefone por conta da presença de seu chefe na sala. Também explicou que, por manter em sigilo aquela amizade, preferiu simular desconhecimento nos encontros que ocorreram para não ser vítima de um interrogatório por parte de sua irmã.
Ele ficou feliz com o que ouviu, porém triste consigo mesmo. Ainda não aprendera a controlar seus pensamentos e sempre se torturava com as piores conjecturas. Mas prometeu a si mesmo que nunca mais tiraria conclusões precipitadas de situação alguma.
Ele reiterou seus sentimentos em relação a ela. Também deixou claro que não forçaria nada. Que maior que seus desejos eram o carinho e amizade que sentia por ela. Que não estava disposto a correr o risco de perder companhia que lhe fazia tão bem e lhe proporcionava momentos tão especiais.
Abraçaram-se. Ele suavemente tocou seus lábios nos lábios dela. Ela consentiu. Ele vibrou.
Era a primeira vez que ele alcançava alguma coisa. A sua alma voou ao sétimo céu. Era uma leve reminiscência da cena de Shakespeare.
Voltou pra casa mais feliz do que nunca e pelas ruas, para espanto dos transeuntes, declamava em voz alta:
De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera,
Ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.
A partir deste dia a natureza pareceu-lhe melhor. Almoçou com gosto o feijão com arroz costumeiro. Parecia lhe o mais refinado dos pratos. O patrão nunca lhe pareceu mais amável. Todas as pessoas que encontrava tinham cara de excelentes amigos. Sua vida havia se transformado.
Satisfazia-se com aqueles momentos que passava com ela. Fortuitamente lhe conseguia uns beijos. Não fazia planos, mas não deixava de sonhar. Lembrou de que Thomas Browne afiançou que os sonhos dão-nos uma idéia da excelência da alma, já que a alma está livre do corpo e dá de brincar e sonhar!
Sonhava em viver longas noites de amor, intermináveis dias de carinho, fé e compreensão ao lado dela. Sonhava em viajar pelo seu mundo, conhecer todos os seus segredos e realizar os sonhos que ela tivesse. Sonhava em ser a motivo para que ela comprasse uma roupa nova. Já que sabe que assim agem os apaixonados.
Mas seus sonhos ficavam mesmo no mundo dos sonhos. Sabia e entendia ele a situação. O tempo passava. Mais eles se entrosavam. Mais ele a desejava. Mas ele via que estava longe a possibilidade de concretização de seus sonhos. Mas não era infeliz por isso. Sua paixão já havia mudado de estágio. Hoje era amor. Ultrapassara já o amor Eros. Que é paixão romântica dos poetas. Com forte atração física e desejo sexual. Hoje seu amor era além de Eros, também Ágape, que em grego, significa altruísmo, generosidade.
A dedicação dele a ela vinha sempre antes do seu próprio interesse. Entregara-se totalmente à relação e não se importava em abrir mão de certas vontades para a satisfação de sua amada. Investia constantemente no relacionamento, mesmo sem ser correspondido com a mesma proporção. Sentia -se bem quando ela demonstrava alegria.
Seu amor por ela era paciente, era amável. Sem inveja. Sem ostentação.Sem orgulho. Seu amor por ela não era rude, não era interessado.
Sabia ele que o amor protege sempre, confia sempre, sempre tem esperança, sempre persevera. Também sabia que o amor nunca falha.
E assim viveram os dias. Mas uma carta mudaria tudo.
Ele sempre tivera o sonho de ser escritor. Fazia versos. Compunha músicas. Escrevia contos e também algumas peças teatrais. Soube de uma bolsa de estudos oferecida pela Faculdade de Arte e Desenho de Ontário. Uma das faculdades de arte mais reconhecidas da América do Norte. Localizada em Toronto, Canadá.
Ele havia participado de um concurso de projetos. Nem mais se lembrava. Vivia praticamente para sua amada. Assim, seu hobby de escritor tinha ficado um pouco de lado.
Mas aquela carta estremeceu sua vida. Tinha ele agora a oportunidade de realizar um sonho. Viveria de sua arte. De seu talento. Mas ficaria longe de sua amada. Por mais que repetisse a si mesmo que o amor que tinha por aquela mulher fosse um amor altruísta sem maiores interesses, não mais se imaginava longe dela.
Contou a sua amada a novidade. Ela ficou radiante. Sempre afirmara que ele tinha talento. Disse para ele aproveitar aquela oportunidade. Ele calou-se. Estaria ela contente pela ida dele?
Mas lembrou de sua promessa. Nunca mais tiraria conclusões precipitadas de situação alguma. Tentaria compreender aquela reação.
Aceitou a Bolsa. Providenciou sua documentação. Resolveu questões menores, aluguel, trabalho... Em quarenta e cinco dias voaria para Toronto.
Nestes dias que antecederam a viagem ele estreitou mais sua relação com ela. Mais constantes passaram ser seus agrados para ela. Sempre não esquecia de lembrar de presenteá-la com um mimo. De flores a bombons, sempre levava algo para sua amada.
Foi numa dessas ocasiões, enquanto saboreavam os chocolates que ele levara, que ele tomou coragem em perguntar: Você iria comigo?
Ela quase engasgou com o chocolate. Riu, mas não respondeu. Apenas fez um comentário:
- As coisas são como são. Não temos como mudá-las.
Ele não insistiu. Não queria se aborrecer. E como sua viagem estava próxima, despediu-se alegando compromissos para ultimar sua viagem.
Ela lhe ofereceu mais um pedaço de chocolate e aproveitou o ensejo para dizer-lhe o quanto gostava dele e quão feliz ficava com seus agrados. Sorriu e disse que chocolate sempre fora uma tara sua. E que para ela o chocolate carregava em si muitos simbolismos. Entre vários a preocupação com o outro. Afinal o chocolate acalma, relaxa, dá prazer, bem-estar, combate a depressão, o stress, o mau-humor. Que quando presenteamos uma pessoa com chocolates estamos demonstrando o quanto queremos bem a ela. Vale como uma Declaração de Amor!
Chegou a véspera da sua viagem. Na manhã seguinte ele pegaria o ônibus que o levaria a Capital. Sua cidade não tinha aeroporto. Ele passou o dia com braços e pernas ocupados com a arrumação de sua bagagem e com a cabeça pensando nela.
Poderia ela ter sido a sua Savitri. A mulher que não apresenta tamanho ou forma que possa ser enquadrada pelos parâmetros humanos. Que é sutil, pura essência espiritual. Que é intensa, mas não ofusca.Que é poderosa, mas é serena.
Ela era rosto que ele não conseguia esquecer. Ela podia ser para ele a fome ou a abundância. Ela podia ser a razão pela qual ele viveria. A pessoa que ele cuidaria nos tempos e nas horas mais difíceis. Levaria consigo as risadas e as lágrimas dela
O sentido de sua vida era ela.
Sabia ele que de alguma forma, com ela, tinha saboreado o gosto intenso da vida.
Chorou. Lembrou de Vinicius de Moraes e cantarolou:
Se ela tivesse
A coragem de morrer de amor
Se não soubesse
Que a paixão traz sempre muita dor
Se ela me desse
Toda devoção da vida
Num só instante
Sem momento de partida
Pudesse ela me dizer
O que eu preciso ouvir
Que o tempo insiste
Porque existe um tempo que há de vir
Se ela quisesse, se tivesse essa certeza
De repente, que beleza
Ter a vida assim ao seu dispor
Ela veria, saberia que doçura
Que delícia, que loucura
Como é lindo se morrer de amor
Pegou suas malas. Entrou no Táxi. Desceu na Rodoviária. Não havia ninguém para se despedir. Fora um pedido dele.
Olhou o bilhete da passagem. Conferiu sua poltrona. Entrou no ônibus. Cansado fechou os olhos. Estava triste mais uma vez. Pensou nela. Ainda teria que esperar vinte minutos pela partida. Dormiu.
Acordou com um suave beijo tocando-lhe os lábios. Assustado abriu os olhos e a viu. Ela sorria e trazia nas mãos uma caixa de chocolates. Ele lhe abraçou e ela disse:
- As coisas são como são. Não temos como mudá-las.
Eu sem você sou só desamor
Um barco sem mar, um campo sem flor
Tristeza que vai, tristeza que vem
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém
Beijaram-se ardentemente. Com o dulcíssimo gosto do chocolate.
Canadá vivenciou a mais bela história de amor.
O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.