A INCOMPLETUDE DO AMAR

Quando entrou no ônibus para ir ao seu trabalho, naquela segunda-feira, do ano de 1992, era mês de fevereiro, haja vista que havia começado as aulas e, no embalar das obrigações diárias, quase não percebia nenhuma novidade, mas naquele dia, quando foi perguntado se queria ajuda, reparou bem nos olhos daquela moça e sem muitas delongas deu-lhe duas das três bolsas que carregava consigo. Foi muita coragem dela pedir para me ajudar, pensava ele. O ônibus estava lotado, as pessoas tinham dificuldades em caminhar até a roleta, para pagarem suas passagens, ora ou outra, sentia-se o incômodo diário de ser empurrado aqui e ali, no entanto, naquela manhã, não se sentiu incomodado. A inquietude era outra, que incomodava seu coração.

O trabalho de Amarildo demandava algumas roupas a mais, daí, que todas as segundas-feiras havia a necessidade em levar várias roupas. E, a partir daquela data marcada do mês de fevereiro, houve uma ajuda especial, sempre que ele adentrava ao ônibus para ir ao seu trabalho com bolsas. E Amarildo viu naqueles olhos um outro tipo de ajuda, seria a ajuda emocional, aquelas que nos faz vencer o dia de batalha, somente para ter o prazer de encontrar à noite uma agradável companhia.

O tempo passou rapidamente. Lá se foi o ano de 1992 e com ele, as lembranças agradáveis daqueles dias em que Amarildo pegava o ônibus lotado e, no banco, no cantinho antes do trocador, sentada, estava ela, com seus cabelos negros lisos, semblante sério e com uma enigmática presença de espírito de ajudar.

Já no ano de 1999, numa data especial de dezembro, próximo ao natal, lá estava ela, no ponto de ônibus, quando Amarildo apareceu. Os dois pegaram novamente o mesmo ônibus, dessa vez tiveram oportunidade de sentarem juntos. No caminho percorrido, tanto Amarildo quanto Amélia puderam conversar bastante, o trajeto era em torno de 60 (sessenta) minutos. De tudo, restou por último um convite por parte de Amarildo à Amélia para tomarem um sorvete, numa data a ser marcada posteriormente, trocaram telefones e cada qual seguiu seu caminho.

Amarildo sentiu algo que jamais sentira com outras mulheres. Sentiu aflorar um sentimento ímpar e isso foi o suficiente para mais tarde, telefonar para Amélia. Agendaram, pois, o dia seguinte para o sorvete.

No findar daquela tarde de calor, em todos os sentidos atacava Amarildo. Suas emoções faziam-no aquecer seu ritmo cardíaco, aumentando, por conseguinte, a velocidade do sangue. E que calor. Emoção a flor da pele. Era para seu deleite uma experiência única. Sentado ao lado de uma moça que lhe correspondia tão bem a seu diálogo, em especial, a troca de olhares que se deixavam observar suas almas. Pronto, não teria retorno, o bálsamo do amor havia sido entornado no momento e na medida exata naquele casal. A partir dali, tornaram-se namorados.

De amigos, namorados. De namorados, companheiros. De companheiros cúmplices de um amor sem igual. Talvez William Shakespeare ficasse com inveja do roteiro que o destino havia pregado aos dois: Amarildo e uma mulher de verdade, Amélia.

Entretanto, e porque tem que haver esses contrastes, talvez seja para enfeitiçar mais o destino e fazê-lo ainda mais atrevido e, quem sabe, voltar a unir o que por vieses diferenciados provocaram a ruptura.

E é isso: a tragédia Shakespeareana também fez presente na vida amável de Amarildo e Amélia. Foram separados por falta de maturidade de Amarildo e por opção desafiadora de Amélia. Desafiadora, porque embora Amélia amasse de verdade e também o era mulher de verdade, quis provocar uma ruptura para se saber se o que os unia era maior que o que ora os queria separar.

Os Deuses, melhor assim, do que a palavra destino, quis algo além dessa separação. Quis demonstrar que embora havendo a drástica ruptura de um amor – amado e amada – jamais conseguem se separar. Ora ou outra se encontram, seja em palavras, seja em detalhes que lhes marcaram, seja talvez na simples respiração que faz dar chama a vida.

E a vida continua para ambos. Um levando mornamente sua vida, outro também não consegue aquecer por completo, tornou-se morna.

E nós da platéia ficamos sem entender o final. Isto é, o final ainda não ocorreu. Está em pura ebulição, faltando apenas algo para dar-lhes maior efervescência em suas almas, que de um jeito ou de outro, tornaram-se incompletas.

Clovis RF
Enviado por Clovis RF em 10/01/2010
Código do texto: T2020946
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