Inspiração

Um escritor, naquela manhã bela de sol, andava de um lado para o outro, em seu apartamento, sem ter sequer uma inspiração – qualquer que fosse – que o motivasse a escrever. Precisava cumprir as cláusulas contratuais firmadas com a editora. A cada dia o tempo se escasseava e justamente naquela manhã em que levantou-se animado para dedicar-se todo o dia à escrita.

Fazer o que se o principal lhe faltava: a inspiração. Trancou o apartamento e saiu. Caminhou por lugares em que não caminhava há anos. Viu pessoas que corriam para que o dia lhes fosse proveitoso, ou que pelo menos atendesse satisfatoriamente aos ditames de uma metrópole.

Embora lhe faltasse inspiração sentia-se muito bem consigo. “ Fácil seria se pudéssemos comprar inspiração num shopping, num bar qualquer – pensava enquanto caminhava. ” Mas não: é um entusiasmo que chega naturalmente e se você bobear, perde-o. A qualquer momento algo poderia contribuir para que a inspiração – sumida naquele dia – aflorasse; buscá-la à força seria transcender à própria natureza. Portanto, não lhe restava alternativa senão a de aguardar.

Caminhou até o parque. Entrou. Assentou e pôs-se a observar as crianças brincando - corriam, pulavam, subiam, caiam. Adultos dispersos pelos bancos; uns liam, outros, como ele, observavam apenas. Com cinco romances publicados, certamente alguém o conheceria e até se aproximaria. Mas isto não o incomodaria – não naquele dia; estava com o humor em alta. Não tardou uma jovem meiga, belíssima, veio caminhando em sua direção:

- Olá! Nunca tive o prazer de encontrá-lo assim tão descontraído, frente a frente – disse ela esnobando um belo sorriso.

- Olá! – Respondeu ele, cortejando-a. - Hoje por ausência de inspiração resolvi dar uma volta. E confesso-lhe que estou adorando. Vendo coisas que há muito desprezara. O trabalho é muito importante e essencial às nossas vidas, mas é necessário que saibamos dosar para não esquecer o que nos rodeia. – Desculpe-me a displicência: sente-se.

A jovem atende ao convite, assenta-se, momento em que ele aproveita para apreciá-la por inteiro: olhos grandes esverdeados, cabelos claros bem tratados, corpo bem torneado – uma mulher para tê-la como amante ou no mínimo como musa.

- O que você faz? - Pergunta ele para dar continuidade à prosa.

- Sou revisora de textos. Mas estou sem trabalho há seis meses. Já passei por duas editoras.

- Posso contatar meu editor e tentar uma vaga para você, o que acha? Ofereceu-se ele.

- Obrigada, aceito sim. Aliás, apesar de solteira tenho despesas.

Conversaram mais um tempo, trocaram telefones e ele a convidou, se oportuno, que um dia aparecesse em seu apartamento para dar uma olhada nuns rascunhos engavetados, os quais não teve coragem de enviar à editora para análises.

Numa tarde de sábado toca o interfone. Era ela. Veio visitar-lhe e possivelmente ler seus escritos engavetados. Fê-la subir.

- Não repare, por favor. Casa de escritor é constantemente uma bagunça. Principalmente aqueles que optaram ou não conseguiram uma companheira. -Disse ele tentando justificar os amontoados de papéis e livros por toda parte.

- Está tudo bem. Eu também moro sozinha e não sou muito afeita aos afazeres domésticos. Nasci para ser profissional externa. Gosto da correria cotidiana.

Ele cuidadosamente desengavetou os rascunhos e a entregou. Ela, ordeiramente os lê, marcando neles alguns deslizes, ocasionados por preguiça ou falta de inspiração. A noite aproxima-se e promete ser agradável. Ele subitamente levanta:

- Vamos sair para jantar? - Ele a convida sem rodeios.

- Como não vim preparada para sair. Sugiro que peçamos uma pizza. O que você acha? - Disse ela sorrindo-lhe.

- Pra mim está tudo bem. - Ele concorda.

Música, vinho, pizza. Um trio destes entre um casal não tem outro desfecho: amaram-se demoradamente. Exausta, ela levanta, se veste e chama um taxi – precisava ir embora.

No outro dia, ele inspirado olha para o computador, despreza-o e sai à procura dela. Novamente amam-se durante todo o domingo. Ele não era habituado a circunlóquios, nem mesmo quando escrevia. Após beijá-la demoradamente, fita-a e diz:

- Vamos para o meu apartamento ou eu me transfiro para cá? – Propôs sem desfitá-la.

- Prefiro que você venha. Quero-o muito aqui. - Falou-lhe com ternura.

Ele saiu. Foi ao apartamento buscou todos os seus pertences e passou a habitar outro teto – desta vez, acompanhado. Escreveu - em curto período - outros livros que o eternizaram. Preferia as manhãs para se dedicar à escrita; sentia-se mais inspirado...