Foi por amor
Não conseguia expressar a dor que sentia em som algum. Sentiu suas células quando o facão atravessou, como se cada uma fosse um corpo separado.
Não reagiu e não reagiria de forma alguma. A mataram por amor e por amor ela faria qualquer coisa.
Já havia presenciado suas vizinhas morrerem, uma de cada vez. De velhice quase nenhuma, todas por amor. Imaginara como seria a morte, se a dor se transformaria em arrependimento. Decidiu que não queria morrer de velhice, queria morrer jovem e bonita, queria morrer por amor.
Não era por amar alguém que ela morreu, foi pelo amor dos outros. Ela não amava, nem se quisesse amar conseguiria. Sabia como era, observava todos os dias a procissão dos casais apaixonados no parque. Alguns se arriscavam a perder algumas horas do seu dia descansando na grama e quando isso acontecia ela se punha a ouvir os agrados trocados por olhos apaixonados. Sentia raiva das suas raízes que impediam qualquer tipo de emoção e afetividade. Queria ser como todos eles, queria amar.
Dos que passavam no parque, alguns nem nos olhos dos outros olhavam. Passavam sozinhos, resmungando palavras a esmo, como se tudo aquilo fosse fruto da inutilidade proposta pelos ideais humanos. Não era inutilidade, ela sabia disso. Após dias de reflexão, concluiu que todos precisavam de amor pra viver.
Então o facão a cortou no meio com um só golpe.
Não morreu na hora, sofreu por alguns minutos. Continuou consciente para se ver na mão de uma mulher. Os olhos dela brilhavam e refletiam o sorriso dele enquanto um "eu te amo" ecoava ao fundo.
Então, como era desejado por ela,
foi por amor
o assassinato da flor.