Primeira Paixão

A Primeira Paixão

Fernando caminhava pensativo em direção ao centro da cidade. Havia saído do calçamento da rua que ligava o colégio onde estudava, a antiga fábrica de algodão, hoje transformada em cerâmica – uma rústica cerâmica – que só produzia ladrilhos pesados, próprios para cozinhas de casas populares - estava também em decadência. Virou-se com o barulho da locomotiva que fazia manobras para pegar a linha principal, e então resolveu seguir andando sobre os trilhos, equilibrando-se com os braços, ora um na vertical e outro na horizontal e vice-versa. Foi contando quantos passos daria sem sair dos trilhos. Não pensava em outra coisa a não ser no equilíbrio e em bater seu próprio recorde. Parecia um bailarino equilibrista sobre os trilhos. Seu tipo esquálido, branquelo, cabelo arrepiado, mostrava um rapazinho feioso, displicente e traquinas. Mas, tinha uma qualidade: era inteligente e amigável, granjeando boa reputação entre os seus. Viu o barulho da locomotiva que se aproximava e satisfeito por ter batido seu último desempenho, saltou de um pulo e pisou firme o paralelepípedo da rua que margeava a linha férrea defronte ao Fórum da cidade. Assoviando, quase saltitante, seguiu alegre, agora vislumbrando uma paisagem mais bucólica que urbana, da pracinha de árvores frondosas com um pequeno lago central e canteiros gramados, cujas plantas em todo vigor da florescência primaveril matizava os jardins bem cuidados. No ar o aroma das plantas amenizava o calor que iniciava neste final de setembro. Resoluto adentrou o jardim e sentou-se num dos bancos numa posição já planejada. Dali podia ver por entre as folhagens sem que fosse visto, uma determinada porta. Esta se abria para uma sacada protegida por pequena grade em estilo colonial, em um sobradinho, do outro lado da praça. Tirou do bolso da calça uma revista juvenil que começou a ler displicentemente, esguelhando de quando em vez, a porta. Estava já na metade da revista, e a porta continuava fechada. Sabia que ali morava Melena a menina moça que incomodava seu sono, e que inebriava seus sonhos já há algum tempo. Sem mostrar ansiedade esperava que de um momento pra outro, uma imagem morena de olhos verdes cintilantes como águas marinhas, surgisse “radiante e bela”, magnífica, esplendorosa; não tinha mais adjetivos para qualificar a beleza da jovem por quem seu coração acelerava só em fitá-la. Daria tudo só para ver, mesmo por poucos instantes os olhos doces e meigos da sua inspiração. Eis que se abre a porta, e penetra na pequena sacada a virgem Malena, cuja qualificação do jovem não a desmerece. Uma jovem linda de cabelos cacheados, de corpo bem proporcionado, alta para os seus quinze anos, possuidora de seios generosos e pernas aveludadas, que mostrava do alto da sacada gradeada com motivos coloniais.

Fernando estremeceu, e aí, a ansiedade surgiu com a adrenalina fazendo acelerar os batimentos do seu coração. Levantou-se e fixou os olhos na imagem de seus sonhos e quase em êxtase, assim ficou, até que a jovem lançou por um instante seu olhar fixando exatamente no local onde estava, e de súbito resolveu retirar-se, fechando a porta. Ainda inebriado não se deu conta de que a jovem já havia saído. Levou grande susto quando um casal de canários passou diante dele em um namoro explícito; Balançou a cabeça como lamentando a falta da visão majestosa, e do prazer que acabara de sentir e então deu meia volta em direção agora da sua casa. Fez o caminho de volta sonhando... viu-se afagando as mãos delicadas da sua amada, e na imagem amorosa dava-lhe beijos com a gentileza dos grandes amantes. Malena aninhava-se nos seus abraços e um frêmito percorreu-lhe o corpo por uma emoção jamais sentida. Definitivamente estava apaixonado. Assim caminhando, acordou do devaneio quando uma buzina fê-lo saltar para o lado em direção à calçada. Viu então que havia caminhado mais dois quarteirões. Teve que voltar, mas disse: um dia tu serás minha por toda a vida. Queria gritar isso, queria que ela o ouvisse. Porém, imediatamente... Mas, e ela, poderá ser minha? Ela, tão linda e formosa e eu, feio e desengonçado! – Além do mais, ela nem sabe que eu existo. Terei que fazê-la notar que existo e que a amo. Como, porém?

Com este problema na cabeça, abriu o portão do jardim da sua casa e dirigiu-se para o seu quarto.

Era Domingo – Muitas pessoas da cidade gostavam de ir até ao centro da cidade, pela parte da manhã após a missa, para ver o ‘expresso’ passar. Ver as pessoas, quem estava chegando ou saindo. Fernando resolveu fazer a caminhada até ao centro para desanuviar a cabeça, acertar os pensamentos. No caminho refez todo o ritual de que tanto gostava. Caminhar por cima dos trilhos. Enquanto equilibrava, pensava, pensava... porquê sou tão feio? Poderia ser mais bonito para ela me notar.

Passou pela Praça do Fórum e já avistava a estação. As pessoas já se aglomeravam para esperar a chegada do expresso. Virou-se para a direita na tentativa de ver a casa da Melena. Viu não só a casa, como a própria Melena e seus pais, com uma mala de viagem. Assustou-se.

A família seguia em direção à estação do outro lado da praça e ele ia diretamente para a estação. No passo que todos iam, se encontrariam exatamente na gare, onde estaria quase metade da cidade. Apertou o passo para chegar um pouco antes e tomar pé da situação. Encostou-se numa pilastra da estação e com grande aflição não sabia se roia as unhas ou onde punha as mãos.

Quando a família de Melena chegou à estação algumas colegas foram chegando para abraçá-la e desejá-la boa viagem. –Mas como Melena? Você vai mesmo para o Rio? Vai nos deixar, então? – Vou concluir o ginásio na casa da minha tia, que mora em São Cristóvão e vou iniciar meu aprendizado de Música. Até que enfim meu pai deixou! –Ela estava alegre e mostrando toda sua beleza. Fernando ao pé da coluna a tudo escutava. Um calafrio percorreu-lhe a espinha a princípio, depois uma letargia tomou-lhe conta fazendo-o quase ir ao chão. Segurou-se na coluna rodopiando e algumas lágrimas molharam-lhe a face. Uma estrema tristeza abateu-lhe quando o expresso chegou com a 'Maria Fumaça' apitando e soltando fumaça para todos os lados. As pessoas tomaram melhor posição, e quem ia viajar começou a despedir-se, uns abraçavam alegremente e aos risos iam subindo para o trem, outros chorando, lamentando a partida.

Melena e os pais entraram decididos no trem, ela sorrindo para as amigas: vou enviar meu endereço para que me escrevam...

Quando o expresso partiu, as pessoas também foram deixando a grande plataforma da estação. Só Fernando ficou... Agarrado à pilastra, já não chorava, mas não tinha forças para sair. Como que petrificado, ali ficara por alguns segundos a mais, vendo o trem partir e a sua amada, sem que ao menos ela soubesse que ele existia.

Jaoliver
Enviado por Jaoliver em 23/12/2009
Código do texto: T1992200
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