Bodas de Natal
Bodas de Natal
O amor é sempre um tema que desperta à atenção. Não adianta se estamos às portas do terceiro milênio – o amor não muda nunca é sempre o mesmo de Romeu e Julieta, Tristão e Izolda. Pode ser vivenciado por moços e velhos, não existe idade limite para este sentimento tão contraditório. No livro “O Amor em Tempos de Cólera”, num estranho mundo surrealista ele acontece de uma forma bela e trágica, atravessa uma vida e no fim permanece intocável.
Foi o que aconteceu numa manhã de primavera, quando o sol invadia de luz a cidade de Paris. Sentada no “Café de Flore”, vendo o mundo passar, estava uma mulher morena, de cabelos pretos, alta e magra. Vestia-se sobriamente. À sua frente uma taça com morangos rubros como o pôr do sol. Ela os saboreava lentamente, como se não tivesse pressa para nada. Viu quando se aproximou um homem de cabelos brancos, tez bronzeada e muito charmoso. Cumprimentou-a num fluente francês e pediu permissão lhe fazer companhia. Pelo brilho dos olhos dela, aquele momento lhe despertara uma forte emoção. Ele sentou, apresentou-se nascendo assim uma bela história de amor que vou lhes contar.
A mulher solitária, era professora e fazia um Mestrado na Sorbonne. Depois de muito sacrifício para conseguira uma bolsa de estudos. A sua vida era difícil, pois tinha assumido à família com a morte prematura do pai. Estudiosa, fez concurso e passou a ensinar na Universidade. Não tinha um mundo próprio, vivia em função da família. Esquecera de si e deixara a juventude passar. Agora, em plena fase do amadurecimento, criou coragem e viajou para um mundo estranho, lutando contra tudo e todos.
E o amor, onde estava no seu coração? Nunca teve tempo para ele e não sabia explicar. Esse turbilhão de coisas surgia vendo à sua frente aquele homem encantador. Paradoxalmente, habitavam o mesmo país, morando em cidades vizinhas e ela o conhecia muito bem, pois era um dos mais renomados professores da região.
Conversaram e algo de muito forte marcou aquele primeiro encontro
no seu coração. Olhando para o relógio, pediu desculpas e levantou-se. Pela primeira vez perdera uma aula. Despediram-se e ele lamentou. Ia para Roma participar de um Seminário.
Deixando o café, seguiu vagarosamente pelo Blv. De Saint Germain censurando-se por não sentido o tempo passar. Muito rígida, pautara sua
vida entre horas marcadas e deveres cumpridos. Dentro de dois meses retorna-
ria para preparar sua Tese. Pensou logo no Professor para ser o revisor e lembrou do oferecimento que lhe fizera quando falou do assunto.
Saudosa deixou Paris e alguns amigos, entre eles um namorado encantador, talvez o único de toda sua existência. Retomou a vida, dividindo-a entre o trabalho e a família. Vivia a felicidade dos outros. Ainda não telefonara para o Professor, só lembrando quando soube através de colegas que ele estava convidado para uma palestra na Universidade. Nessa noite, ela estava na primeira fila ouvindo empolgada suas palavras. Ele foi muito aplaudido e ela foi cumprimentá-lo. Afastando-se e segurando-lhe as mãos num gesto de carinho ele disse estar muito feliz de revê-la. Muito tímida, nada respondeu. Entregando-lhe um cartão disse que telefonaria.
Nesta noite ela voltou para casa sentindo uma felicidade inexplicável.
Por que ele tocava tanto o seu coração? O transbordamento de emoções que sentia lhe preocupava. Admirado nos círculos acadêmicos, também era conhecido por sua galanteria e conquistas. Casado, tinha uma vida dúbia e leviana, o avesso de tudo que ela queria para si. Jurou que não telefonaria, nem aceitaria que fosse o revisor de sua Tese. No outro dia, tudo aconteceu ao contrário. Almoçaram juntos e combinaram que ela iria duas vezes por semana encontrá-lo na cidade vizinha onde trabalhariam juntos. As coisas não foram fáceis e ela só terminou um ano depois.
Nesse período o amor nasceu e floresceu, erradicando-se definitivamente no coração de ambos, sem perguntar se devia, podia e tantas outras coisas tão comuns nos romances proibidos. Ele, um homem vivido e inteligente aceitava aquele amor platônico na essência da palavra, respeitando o ponto de vista da amiga. Para eles o amor que não era completo com relação ao corpo, no espírito atingira toda a sua plenitude.
Estava se preparando para voltar à Paris e defender sua Tese, quando sua mãe faleceu. Uma luz apagou-se, mas em compensação abriam-se as portas da liberdade. Desta vez, apesar de estar triste, tinha o coração transbordando de amor.
Marcou a viagem para o mês de setembro, seriam três meses de intenso trabalho e estudos. Mas rever Paris com amor no coração é bem diferente. Em nenhum lugar do mundo o amor está tão presente como na Cidade Luz. O encontramos nas ruas, nos bancos dos jardins, nos metrôs, em toda parte vemos casais abraçados, novos e velhos, pretos e brancos, ali não existe distinção de raças, sexo e cor. Ama-se o amor pelo amor. E o seu coração estava aquecido e impregnado pelo amor.
No grande dia, ele telefonou, lamentando não estar presente. Tudo bem. Na vida a gente não pode ter tudo, pensava a vitoriosa mulher, quando foi discretamente aplaudida no fim da sua Dissertação. Os companheiros de curso vieram abraçá-la, saindo depois para jantar. Foram ao “La Coupolle” e se divertiram ate a madrugada. Quando chegou ao Hotel, encontrou uma cesta de rosas vermelhas com um belo poema de amor. Lágrimas inundaram seu rosto, dessa vez de felicidades.
Como prêmio, recebeu uma bolsa para um estágio em Montreal. Não deixaria passar a oportunidade. Seguiu viagem e cada vez mais o amor crescia no seu coração. O frio cortante de dezembro, a neve espessa cobrindo as
ruas da cidade, tudo isso contribuía para aumentar as saudades do amado.
As festas de fim de ano se aproximavam e ela não queria voltar para casa, pois sabia que esta seria uma época muito triste para todos com a ausência da mãe. Além de aniversariar no dia de Natal, sabendo que não teria a presença do amado, tendo em vista as complicações que existem no relacionamento quando não se pode ter a pessoa por inteiro. Recusou-se a ficar naquela cidade coberta de neve, sem amigos e sem amor.
Voltaria para o Brasil e passaria a Natal no Rio de Janeiro, cidade coberta de luz e calor. Lá a alegria era uma constante. Aquela gente, mesmo não tendo uma vida fácil economicamente, sabia aproveitar todos os momentos bons que Deus lhes oferecia. Telefonou para casa avisando que retornaria
Tornaria nos primeiros dias do ano. Ao amado, nada falou nem pediu.
Chegou no dia 24 de dezembro pela manhã. A cidade banhada de sol e
mar, repleta de luzes coloridas era uma festa para os olhos. Iria comemorar
sozinha o seu aniversário. Foi para a piscina, aproveitando o calor tropical que a brisa do mar lhe oferecia e que sentira falta todos esses meses.
Deitada, pensava como seria o comportamento do amigo, agora que sabia da sua liberdade.
Não havia mais barreiras, nem limitações. Era uma mulher econômica e emocionalmente livre, dona absoluta dos seus atos, podendo dar o rumo que quisesse à sua vida. Ouviu chamar o seu nome. Era o garçom dizendo que alguém a procurava no “hall” do Hotel. Vestiu o roupão e dirigiu-se para o salão.
Quem seria? Ela não avisara a nenhum dos seus conhecidos na cidade. Qual não a surpresa quando viu sorridente, com um bouquet de rosas na mão o seu querido amor. A emoção quase a deixa sem falar. Lágrimas brotaram-lhe dos olhos, numa tempestade vindo da alma para lavar todas as suas tristezas. Abraçaram-se em silêncio.
Não houve perguntas nem explicações. Sabia que ele previra aquela surpresa, era seu presente de aniversário. Não estaria mais só. Ele disse que estava de férias por quinze dias. Podia se tranquilizar. Tinha reservado um apartamento junto ao seu. Rápida correu e foi se trocar.
Uma hora depois seguiam de táxi para a praia de Paquetá, onde estariam livres de olhares indiscretos. Nadaram e abraçados sentiram toda a expectativa do amor, os corpos se desejavam. Um necessitava do outro. E ela, continuava com o tabu. Não seria ali, numa praia deserta que lhe daria o seu corpo. Ele que esperasse. Assim aconteceu. Almoçaram e voltaram no fim da tarde.
Foram ao Cristo Redentor apreciar o por do sol. À noite jantariam no Restaurante “St. Honoré”, no Hotel Méridien. A mesa estava reservada. Ele prepara tudo com carinho. Estava perplexa e feliz.
Vestiu-se elegantemente e saíram. Feliz era Natal em todo o seu interior. Alma, corpo e mente junto festejavam a grande noite. No
restaurante, eles que não bebiam, abriu uma exceção e brindaram à
Noite Feliz de amor e paixão, com champanhe.
Ficaram juntos até tarde. No táxi, aconchegados e ligeiramente embriagados as mãos se procuravam, tocando os corpos ansiosos e palpitantes. No seu interior, ainda pode ouvir a voz da consciência, lembrando que amor também é dor, sofrimento e tristeza. Era o censor que sempre a dominara e dirigira os seus atos. Subiram enlaçados e ele deixou-a na porta do apartamento.
Beijou-lhe a boca e disse boa-noite. Ela, puxando-lhe amorosamente convidou-o para entrar. Por que perder mais tempo na vida? Era livre, amava e era correspondida. Estava dominada pelo desejo e o desconhecido lhe acenava com o prazer mágico do amor. Ele, abraçando-a fortemente, disse
Que teriam tempo, saberia esperar. Era inocente dos maquiavélicos ardis do prazer.
Tensa e ansiosa abandonou-se ao amado para que ele lhe conduzisse pelos misteriosos caminhos do amor. Com maestria ele foi tirando cada peça das suas roupas, cobrindo o corpo de carinhosos beijos. Deitada, com o amado acariciando-a, tornou-se plenamente mulher. No silêncio da noite, ouviu os sinos tocarem e a explosão de cascatas de fogos de artifícios saudando a maravilhosa Bodas de Natal. Recife. 1996, Para uma amiga querida, hoje habitante das galáxias.