REGRESSO PARA A VIDA
Pela porta entreaberta do consultório médico, ouvi chamarem meu nome. Tinha chegado minha vez. Olhei para meu marido. Meu olhar foi retribuído por um olhar de tristeza. Mas, com voz firme, ele disse:
_ É você. Vamos entrar?
Do outro lado da mesa estava o médico, que assentiu com a cabeça e pediu que nos sentássemos. Olhou calmamente todos os exames e concluiu:
_ Será necessário fazermos uma pequena intervenção, uma curetagem uterina...
Tive um estremecimento, embora já estivesse preparada para a notícia. Com uma estatura de 1,68m, eu estava pesando apenas 31 quilos. Estava com forte anemia e um quadro de perda sanguínea. Mas não havia outra saída. Fiz um tratamento antes de submeter-me à curetagem. Aquela seria a terceira que eu faria.
Na cidadezinha onde eu vivia, o clima era de alarde. Os comentários eram que "desta vez a Izabel não suporta..." Mas com uma força inexplicável, uma vontade imensa de viver, segui firme a minha fé.
O dia de me apresentar no hospital se aproximava, e eu me preparava. Era como se fosse fazer uma longa viagem. Arrumei minha casa, minhas coisas. Organizei os uniformes escolares, armários, guarda-roupas. Escrevi uma mensagem de otimismo, linda! Depois de pronta, coloquei-a nas primeiras folhas dos álbuns de fotos de minhas filhas. Escrevi uma carta que deveria ser entregue ao meu marido quando eu entrasse para o bloco cirúrgico. Em fim, colei duas fotos de minhas menininhas em pedaços de papel-cartão, que eram para ficar ao meu lado no hospital.
Tudo pronto. Saímos de nossa cidadezinha dois dias antes da data marcada para meu atendimento. Fomos, então, para a cidade onde moravam meus pais e irmãos e onde tudo se daria. Chegou a dia. Meu marido, meu escudeiro fiel, e minha mãe, mulher de fibra, forte e determinada, ali estavam ao meu, à porta do hospital.
O clima reinante entre nós era tenso. Falávamos pouco, por monossílabos. Quando entramos no quarto, nada precisava ser dito. Em nosso drama compartilhado, nós nos compreendíamos. Apenas nos olhamos... e um triângulo de olhares de amor e compaixão nos invadiu.
Ao amanhecer, o médico chegou. Os enfermeiros me colocaram numa maca. Antes de sair, olhei as fotos de minhas filhas. Encontrei os olhos umedecidos de minha mãe. Meu marido me acompanhou. Abri sua mão e, nela, coloquei a carta a ele destinada. A maca parou. Estávamos diante do bloco cirúrgico. A porta foi aberta; entrei e olhei ainda para trás. Um sentimento estranho de vazio, perda e despedida, invadiu meu coração.
Tudo estava prestes a acontecer. A anestesia seria geral. Eram 07:00 horas quando me aplicaram uma injeção... Fui fugindo de mim aos poucos, tudo foi ficando longe, até que não vi mais nada. Terminados os procedimentos médicos, voltei ao quarto, ainda adormecida...
De repente, meu marido observou que eu estava com pouca respiração, as mãos frias, a boca pálida... Logo percebeu que aquilo não podia ser normal. Rapidamente tocou a campainha. Médicos acorreram e me examinavam cheios de preocupação.
Foi então que me vi entrando em um campo enorme, vegetações de um lado e de outro, algumas altas, outras baixas. Ali não havia flores. Diante de mim, um caminho não delineado. Olhei para frente e vi dois grandes morros, dentre os quais enxerguei um clarão não muito forte. Um vento leve balançava a vegetação mais alta. Fiquei parada a observar ao meu redor. Não sentia medo, nem tampouco dor...
Do lado de fora do quarto do hospital, estavam meus familiares. Em meio ao ambiente tenso, de muita agitação e correria, minha irmã, pessoa de grandes estudos e sabedoria, disse:
_ Vamos, homens, façam alguma coisa! Ergam uma escada humana, sustentem as meninas para alcançarem a janela do quarto!
Imediatamente a sugestão foi acolhida. Minha filha mais nova (a outra tinha ficado em casa de minha mãe) e uma sobrinha de meu marido foram levantadas até o umbral da janela do quarto em que eu me encontrava.
Enquanto isso, eu, em minha estranha viagem, continuava a observar o lugar onde me encontrava. Não havia céu, ali era uma morada, uma outra morada. Dei um passo à frente. Por um instante, parei de respirar. Lá fora, minha irmã continuava a incitar as crianças.
_ Gritem! Gritem “mamãe”! Gritem “tia Izabel”!
Em meu estertor, comecei a sentir uma emoção estranha. Dei mais um passo. Comecei a ouvir vozes. Eram vozes de crianças. Eram as vozes das meninas que gritavam por mim, sem parar. Procurei. Não havia ninguém. Mas respondi:
_ Estou aqui! Estou aqui!
À minha volta, começaram a observar que eu gemia. Gemia forte, muito forte. Para mim, os gritos agora eram cada vez mais perto, mais altos. Dei passos à frente, procurando. Parei. Olhei para frente. Virei-me rapidamente para trás. Então, abri os olhos e busquei à minha direita, à minha esquerda e, enfim, perguntei:
_ O que foi?
Todos começaram a conversar e a rir. Tudo estava bem. O susto já havia passado. Aos poucos, foram embora deixando apenas meu marido e eu. De posse de alta médica, enfim, pude deixar o hospital e voltar para a casa de minha mãe, aonde ia me restabelecer.
A partir daquele dia, com a graça do Criador dando-me a chance de viver, tento ser uma pessoa sempre melhor. Procuro praticar a bondade e a caridade, progredindo aos poucos espiritualmente, passando pelas provações com fé e resignação.
Os anos se passaram, Em 1996, submeti-me novamente à outra intervenção médica da mesma natureza. Tudo correu normalmente... Em 2005, passei por uma histeroscopia com biópsia, e os resultados também foram todos satisfatórios. Fui agraciada com grandes bênçãos em minha saúde. Hoje não tenho nenhum vestígio dos problemas pelos quais passei e nem preciso tomar remédios.
O meu amor foi paciente. O meu desejo de viver, de ser feliz, foi maior. E Deus falou por mim!
Este conto foi publicado na Coletânea Literária “Lagoa da Prata em Prosa e Verso II”