A Espera

A Espera

De novo a paisagem. Eu e a cidade que tanto me encanta. O ônibus corre veloz e as luzes aos poucos vão se acendendo.

É uma tarde fria de novembro, tudo à minha volta é cinzento, apenas no meu coração é primavera porque estou feliz Novamente reencontro a outra mulher que vive dentro de mim, a que resiste ao tempo e às mudanças, teimando em não envelhecer.

Nós vivemos em mundos diferentes, apesar de habitarmos o mesmo corpo. Eu e a outra. Uma a mulher responsável, mãe de família e cumpridora dos seus deveres. A outra, a que trabalha e participa do mundo e tem por passatempo um jogo onde o importante é estar feliz. E é justamente essa mulher que hoje segue pelos caminhos nevoentos de Paris deixando o seu mundo para trás.

Com acontece nas metrópoles, o trafego é intenso e o difícil acesso ao centro provoca nervosismo e irritação nas pessoas. Ouço alguém perguntar.

- Perdão, senhora, deseja um táxi?

- De repente, há um despertar e tomo consciência de que estou com as bagagens nos L’Invalides.

- Sim, respondo. Vamos para o Hotel Maurice, em Montparnasse.

- Boa noite há uma reserva em nome de Sra. Berlot?

- Berlot? Sim. Obrigada. Algum recado? Por favor, providencie um champanhe para o meu apartamento.

No “hall” o movimento é intenso. A partir de agora preciso assumir a minha outra metade e aproveitar as duas semanas de férias. Agradeci ao mensageiro. Começo a me despir, lentamente, assim será tudo o que fizer daqui por diante. O mundo me pertence. Coloco as roupas no armário, preparo o banho e caminho pisando os macios carpetes do apartamento. É a primeira sensação de liberdade que experimento todas as vezes que viajo só.

Mergulho as pontas dos dedos na água morna e perfumada. Entro na banheira de mármore rosa. Uma música suave envolve o ambiente. Pego a esponja e, com volúpia vou passando por todo o corpo, acariciando a mim mesma. Ninguém me espera.

O telefone está mudo e eu estou só, perdida na imensidão do deserto. À minha volta um mundo de fantasmas. Posso conversar com todos eles. Falo alto, por que não? Rio. Posso até gargalhar. Quem poderá me chamar de louca? Ninguém.

Com leveza vou preparando o meu corpo para o ritual do prazer. Espero o homem amado. Quando será que ele vai chegar? Virá ou não? E se acontecer algum contratempo? As perguntas, as dúvidas e o medo se acumulam. Visto o roupão, fricciono-me com leite perfumado e vou para cama, onde cobertas macias me aguardam. Ah! que bom! Vou dormir e esperar pelo amanhã.

Acordo. Um pálido sol ameaça penetrar nas frestas da janela. Abro os olhos e vejo que estou num outro mundo, onde posso ser dona de mim mesma. Lá fora o tempo é frio. Visto calças compridas e blusa de lã. Passo pó no rosto e desço.

- Bom dia, algum recado para mim?

- Não. A senhora dormiu bem? Pergunta o jovem funcionário da recepção.

- Sim, respondo agradecendo.

Saio e vou caminhar pelas ruas cinzentas. Nada de compras. Apenas admirar as vitrines. As pessoas me parecem apressadas, menos eu. Que dia é hoje? Pergunto a outra mulher. Domingo, ela responde.

Sigo em direção da Notre Dame. A cidade, por conta do frio está vazia. Entro na majestosa nave, minha primeira visita todas as vezes que visito Paris.

Luzes bruxuleantes a tornam fantástica, irreal. Rezo e agradeço a Deus por tudo e por todos. Emocionada, choro. Algo toca minha sensibilidade sempre que entro nesta Igreja. Lembro da outra mulher a responsável e sigo pela movimentada Rue d’Arcole. O vento é frio e cortante. Entro num café. As pessoas me olham, por que será? Quem sou eu? Faço um leve ar de riso. Estou feliz e isso chama à atenção delas.

– Bom dia senhora, o que deseja?

- Pergunta o atencioso garçon.

- Respondo: “Bordeaux e Camambert”. Ah! Que delícia!

Lembro de uma velha amiga que mora aqui perto. Não quero procurá-la. Prefiro estar só. A chuva fina insiste em cair e molhar tudo e todos, até mesmo um coração cheio de sol.

Hoje é domingo. E, para muita gente é sempre um dia chato, menos na minha casa, onde nos reunimos à volta da mesa do almoço. Lembro da minha filha, ela não gosta dos domingos. Nunca perguntei por que.

Pago a despesa e caminho, enrolada numa capa de plástico que me protege parcialmente da chuva, que cai impertinente. Não gosto do metrô, prefiro a superfície. Detesto caminhar por baixo do chão, principalmente numa cidade linda como Paris. Paro numa banca de Revistas, compro um programa e sigo para o Hotel. Entro e o bar está cheio de gente. Peço um conhaque, é bom e forte, aquece o corpo e a alma. Gosto de gente, de luz, de ruídos, detesto quartos de hotéis. Observo as pessoas, elas também me olham, principalmente os homens.

O que faz em Paris uma mulher só? É sempre assim, em todos os lugares do mundo, se estamos sós, esperamos alguém. Comigo não, eu não espero ninguém. Gosto da liberdade, de ir e vir como e quando quiser. Peço ao recepcionista que me reserve um lugar à noite na “Comédie Française”. Depois irei jantar num bom restaurante, alegre e iluminado.

Ele ri e diz: pois não. A senhora está só? Novamente a pergunta. Acho graça e respondo: “Oui, Monsieur, je suis seul”. Um senhor grisalho se aproxima e me pergunta se falo inglês. Não. Respondo. Peço desculpas e volto para o meu apartamento.

Ligo o som e a música invade o recinto. Gosto de música. De todas, alegres ou tristes. Deito na cama e penso. O que vou usar para enfrentar a fria noite parisiense?

Ainda é cedo e volto a dialogar com a outra mulher. Rimos das nossas aventuras. Vou me vestir de preto, da cabeça aos pés. Procuro uma roupa elegante e muito “sexy”.

Escolho um conjunto de cetim preto, modelando o corpo. Saia curta e por dentro uma blusa transparente prateada. Sapatos pretos, bem alto e meias bordadas, o que salientará as minhas pernas longas e brancas. Pronta, olho-me no espelho e vejo a imagem refletida.

Gosto da mulher. Esta o tempo não marcou, é sempre a mesma. E as rugas, onde estão? Deixei-as com a outra. Uso um perfume que tem cheiro de pecado “Opium”. Sim, hoje quero cheirar a pecado.

Desço e no bar, peço um conhaque, assim posso me aquecer antes de enfrentar o frio lá de fora. Todos me olham. Gosto. Sinto-me uma mulher liberada. Tomo o táxi e vou ao teatro. Assisto a peça “Dom Juan”.

Quando o pano desce o teatro fervilha de gente de todos os lugares. Ninguém me conhece, ótimo. Sou uma estranha no meio da multidão. Saio e tomo um táxi. Dou a direção do restaurante. Chove fino. Estou protegida pelo meu casaco de peles, chic e quente. Sou uma mulher do sol, por isso desafio a natureza quando ouso enfrentar o inverno europeu. O frio me deixa triste e melancólica. O táxi chega e eis que estou no “Les deux magosts”. O Mâitre ajuda-me a despir o pesado casaco. Todos me observam.

Acompanho-o até a mesa. Com distinção ele puxa a cadeira. Agradeço. Sei que minha aparência agrada. Sou vaidosa e “coquette”. Afinal, acima de tudo, sou mulher. Escolho o champanhe. Peço um “Tattingner”. Ele ri admirado trás o cardápio e sugere: “trutas ao molho de amêndoas,” agradeço respondendo: adoro-as. Este vinho cintilante quais estrelas, me acompanha em toda a refeição. Degusto com leveza e sabor. Comer para mim, é um prazer que aguça os sentidos. Não tenho pressa. Vou aos poucos sorvendo o precioso líquido borbulhante, é um prazer sensorial.

Como se parecem à mesa e o sexo. Tudo tem que ser lento e suave. Estou no clímax do prazer. Vejo à minha frente um homem alto e sorridente. Cumprimenta-me e pergunta se pode sentar. Claro, respondo. Por que não? Conversamos e ele me convida para dançar num clube. Aceito. Pago a minha conta. Pergunta de onde sou e o que faço. Silencio e faço mistério. Ele, inteligentemente, não insiste.

Deixamos o restaurante e vejo que ele carro com motorista. Melhor, é mais seguro, provavelmente alguém da terra. Estou ligeiramente embriagada de champanhe e de Paris. Ótimo. Vamos a um pequeno clube e dançamos. Estou flutuando nos seus braços. Isto me agrada.

Estou quente e sexy, gosto de sentir o corpo do estranho colado ao meu. Seus lábios pousam nas minhas orelhas causando-me arrepios. Depois beijam os meus com calor. Retribuo e gosto. Sinto o palpitar do seu corpo a roçar nas minhas coxas. Ele diz coisas ao meu ouvido. Apenas rio. Abraço-o com o mesmo calor. Ele me aperta forte. Não recuo e aceito o jogo. A música pára e peço que me leve ao hotel. Ele, um pouco contrariado resiste. Insisto. No carro ele inicia um jogo amoroso. Recuso.

Chegamos. Ele me olha com interrogação. É um homem bonito, mas não desperta o meu desejo. Quer subir para o apartamento, delicadamente, digo não. Ele me beija com suavidade. Agradeço a maravilhosa companhia.

Quando abro a porta do apartamento é que me lembro de que não lhe dei meu nome. Tudo bem. Tomo uma taça de champanhe. Estou quente e ardendo de desejo. Tiro a roupa e vou para a janela respirar o ar da noite parisiense.

O telefone toca e atendo. Do outro lado, uma voz conhecida diz: “minha querida, boa noite.” Amanhã estarei aí e iremos amar com intensidade. Falamos coisas loucas, numa linguagem que só entendem os que amam com paixão. Deito e adormeço. Boa noite. Paris/1981.