O brilho, a camisinha, o tridente, a nota de R$1.00 e o corpete!
Não tem jeito mesmo com essa menina. Existem duas opções apenas: Ou a amo do jeito que ela é ou, a deixo e não olho para trás.
De repente, sem querer e nem imaginar, olho pro chão e vejo um brinco dela, jogado. Um brinco azul. Do outro lado piso em uma calcinha, como se não bastasse a calça de uniforme pelo avesso, enrolada no lençol. Não tem mesmo jeito.
Cheguei a pensar que ao trazer sua caixinha de bijuterias, não sei o nome daquilo, parece um micro-síster, uma coisa semelhante a um porta joias ela teria a preocupação de pelo menos depositar ali seus brincos, lápis de olho, rímel e outros. Mas não, continuam todos deixados em todos os lugares de meu pequeno paiol. Parece que ela gosta de saber que esse monte coisinhas jogados em tudo que é lugar me deixa furiosa.
A amo assim, ou a deixo. Já se declarou preguiçosa mesmo, e nem liga, se as roupas estão limpas, ou não, se estão dobradas no armário, não está nem ai, se a sandália está no chão, molhada de chuva, tudo não passa de detalhes. Detalhes que me deixam indignada - sofro de toc – a merda do transtorno obsessivo compulsivo. Imagina então... o lençol da cama desarrumado, o travesseiro no chão, o celular desmontado. Os CD’s fora das capas, os DVD’s em cima do rack fora da caixinha. Os cinzeiros, com duas três pontas em tudo que espaço, cartões com números de telefone, garrafas de água pelo chão. Nuss! Meu estômago pede uma Cimetidina urgente.
Agora estamos de aliança no dedo, aliança de compromisso. A comprei no dia em que brigamos e a surpreendi quando resolvi gravar nossos nomes. O compromisso fora selado no meio do supermercado Casagrande enquanto comprávamos verduras, na presença de uma testemunha que aplaudiu a cena.
Estamos pensando em alugar um apartamento maior e pelo jeito vamos alugar. Não sei ainda porque não fiz nenhum mapa astral, não da pra saber se nossos signos são ascendentes. Sou de virgem e ela de gêmeos. Segundo os astros há incompatibilidade inicial de pesquisas. Gêmeos freqüenta sebos e pode se empenhar em leituras arqueológicas. Virgem costuma colecionar mapa-mundis, e se distrai tentando localizar os futuros estados nacionais da Bósnia, Croácia, Ucrânia, Estônia. Será um banquete cultural, se eles conseguirem uma síndrome entre o faraó Tutancamon e a nova geo-política do leste europeu. E há mesmo, imagine que prefiro as letras e ela os números. Enquanto me perco escrevendo contos, poesias, reportagens e viajo em imagens lingüísticas ela toma conta do financeiro de uma empresa que exporta pedras, cursa administração e eu querendo fazer o mestrado em literatura brasileira. Tenho até o esboço da idéia central, abordarei sobre a loucura e a lucidez dos poetas e suas produções literárias quase sempre embriagadas em infinitas figuras de linguagem. O lado bom desse paradoxo é que quando preciso fechar meus diários, minha paciência vai para o ralo e as notas sempre ficam rasuradas, ai ela entra em cena e faz tudo. Por outro lado, ela não faz nenhum relatório, de nenhum seminário da faculdade e eu os escrevo, sem cerimônia.
Mas que coisa, naquele dia estávamos comemorando quatro meses de namoro, e pra variar pensei em fazer algo diferente, leva-la para jantar em algum restaurante bem bacana como ela. Fui busca-la no trabalho e viemos conversando muito. Chegadas, enquanto ela abria o portão da garagem eu olhava meio que de lado a beleza de menina/mulher leve. Entramos em casa em direção ao quarto nos jogamos na cama - ainda suadas. Nos beijamos insaciavelmente, nossa pele pedia uma pela outra, nossos poros suados se encontravam numa selvageria doce.
Enfim, não deu para esperar o banho, nos tocamos e começamos a nos entregar, quando ela resolve ir a mesa do telefone sei lá fazer o que e ver: um tridente, uma maldita camisinha, sobre uma nota de R$1.00 e um brilho labial. O clima que era harmônico acaba de um segundo para outro como um ataque de Israel a Faixa de Gaza. Um bombardeio gratuito de acusações:
_ De quem é esse brilho? Quem esteve aqui? Não minta! Olhe nos meus olhos e me responda agora:
_Quem foi a vagabunda que esteve aqui? Que camisinha é essa?
_Você comprou um Trydent agora, por que se este aqui ainda está pelo meio? ANDA!!!!
Enquanto assustada procurava encontrar uma resposta para a primeira pergunta, ela saiu direção ao quintal e atirou o brilho na árvore, caindo ao chão e quebrando em diversos pedaços.
De volta ao quarto eu me lembrei de uma amiga que esteve em minha casa e deixou o brilho. Mas não a convenci, que imediatamente pegou meu celular e começou a procurar o fone dessa amiga. Não o encontrando, começou a ligar para possíveis amigos que outrora tivesse o fone da dona do brilho. Enquanto procurava, encontrou um número com o nome da namorada da dona do brilho: E mais um surto. Que Fernanda é essa? A confusão foi geral, o clima que era de namoro e comemoração se tornou um campo de guerra.
Tempos passados após uma justificativa quase coerente ela foi ao banho. Perfumada vestiu o corpete e veio ao quarto toda dengosa.
Diante do medo da volta ao campo de batalha optei apenas por olha-la... não foi necessário muito tempo de observação, nossas bocas mais uma vez se encontraram e nossas línguas se desencontraram como sempre foi nossa relação. Um desencontro constante, e um eterno encontro, sempre acabando com muita sede e um cigarro aceso.
_ Amor você quer um cigarro inteiro, ou divide comigo?
Eu quero água primeiro!
Ufa!, que corpete é esse! Esquecemos a camisinha, o tridente continua na minha carteira, a nota eu guardei, e o brilho? Ah, deixa ele pra lá! Na loja de R$1.00 têm vários – com aquela nota, a gente compra outro.