O COLAR DE JADE

O COLAR DE JADE

Novembro em Florença, muitas vezes pode ser nostálgico. FIRENZE, a capital da Toscana,

Reúne o maior acervo artístico de toda a Europa. Lá viveram os Médici, Leonardo da Vinci, Botticelli, Machiavel, Michelangelo, e tantos outros, que a tornaram imortal através de suas obras artísticas. O mundo renascentista teve seu apogeu relegado à posteridade, pelos trabalhos legados a humanidade. Não foram poucos e nenhum pode ser deixado no esquecimento, por seu valor artístico, cultural e acima de tudo pela beleza tanto apreciada pelos amantes da arte.

Em suas vielas apertadas e cheias de graça, como se fossem figuras de um livro retratando cenas natalinas, com os anjos, a Madonna, o presépio, Franco, um turista solitário, passeava. Buscando mais que emoção, e prazer. Quando a juventude se foi, e a maturidade o atingiu no ápice de uma vida rica e luxuosa, ele pode ver do alto de seu pedestal. Vivia “idolatrado” mas não era isso que queria receber das pessoas. Em uma fase difícil no inicio da terceira idade, resolveu voltar ao início, e afastando tudo o que poderia impedi-lo de buscar de alguma forma, o que tinha sido perdido na juventude. Ele voltou a Florença. Cada passo que dava parecia que estava em um filme retro, a figura leve de Gabriele o acompanhava.

Ele a via dançando na “Ponte Vechio”, sorrindo com aqueles dentes perfeitos como pérolas e os olhos verde mar. Teve a impressão real de que a viu cruzando a “Piazza della Signoria”, na primeira manhã que foi fazer um pequeno “tour”. Chegou a acompanhá-la com o olhar por alguns minutos. Era ela, teve vontade de sair correndo e ir atrás dela, gritando: - Gabriele, Gabriele, Gabriele! E o fez, mas não teve sucesso. A jovem que ele julgava ser ela, se escondeu no meio da multidão, ele a perdeu de vista. Era ela sim, como poderia ser tão jovem, a mesma cor da pele, os mesmos olhos... Por um momento, ele reviveu a juventude e sua amada viera ao seu encontro em trajes modernos. Como se fosse retirada de um arquivo no tempo.

Franco, ainda tinha muito tempo para fazer longos passeios, antes de deixar Florença. O médico lhe recomendara muitas caminhadas a pé. Não prescreveu remédios, apenas algumas vitaminas e deu-lhe certeza que tudo estava bem. Precisava apenas diminuir o ritmo acelerado que vivia. Ele estava acostumado a ação e pela primeira vez, este espaço grande em sua vida o fez recordar. Ligava para a família todos os dias, conversava com seu filho mais velho, e com a neta caçula, fazia-lhe bem ouvir a voz da pequena. Giuseppe prometera vir juntar-se a ele daqui há alguns dias. Ele planejava cada passeio que faria com o filho, os lugares que gostaria de visitar. De todas as cidades da Itália, Franco sempre se esquivou de ir a Florença com sua esposa e com o resto da família. Cruzava a Itália, mas não suportava a idéia de ir a Florença. A maturidade, o medo da morte, e o peso na consciência o fizeram voltar ali como se fosse encenar o último ato uma peça teatral há muito ensaiada.

Giuseppe estava divorciado há três anos, como o pai, não tinha sido feliz no casamento, sempre arranjava uma desculpa para não encarar um relacionamento mais sério.

Uma tarde quando Franco deixava a “Galleria degli Uffizi”, um importante ponto turístico que já havia visitado tantas vezes, ele cruzou seu olhar na multidão com os olhos dela. Era ela mesma. Dessa vez, ela não escaparia correria até ela. E correu ela se afastava rapidamente, enquanto ele apressava o passo e as batidas de seu coração tornavam-se cada vez mais forte. Não conseguindo acompanhá-la gravou mentalmente a rua estreita em que ela desapareceu... Voltou para o hotel e resolveu ligar para o seu medico em São Paulo.

- Paulo, eu só posso estar com alguma doença muito séria, e você não quer me contar.

- Franco, velho amigo, o que andas aprontando aí?

Diante do silencio do outro lado e um risonho Hum! Hum! , ele resmungou: - Não é nada disso, que estás pensando!

Paulo sentado confortavelmente em sua poltrona pensava na extravagância do amigo.

Não poderia entender o que jamais tinha vivido.

- É uma bela garota! Vá em frente! – Não, Paulo, não é uma bela garota, é igual a alguém que conheço muito bem...

Franco não conseguiu dividir com o amigo, companheiro de uma grande jornada, o derrame de sentimentos que sentia ao ver duas vezes aquela jovem no meio da multidão. No hotel permaneceu e preferiu não jantar. Olhava a chuva miudinha que caía lá fora molhando as ruas florentinas e afastando as pessoas para suas casas. No dia seguinte, ele foi até a “Casa Buonarotti” e ao “Mercato Nuovo” que de novo não tem nada. Andou por lá parte da manhã, depois foi até um antiquário que lhe tinha sido recomendado. Poderia pechinchar alguma coisa vendida clandestinamente no mercado negro de arte.

O antiquário ficava em uma rua apertada e pouco movimentada, desde que saiu pela manhã,

Franco, sentia-se menos cansado. O sol brilhava tímido, e já eram quase onze horas. Entrou e começou a ver algumas peças expostas. O senhor que o atendera, não lhe deu muita atenção. Parecia estampado em sua fisionomia o desagrado de atender este cliente. Preferiu chamar outra pessoa. A jovem mulher invadiu o enorme salão. Alta, magra, vestida de verde, usava um colar de jade que lhe realçava o colo de cisne. E os olhos, verdes da cor do mar. Franco ficou confuso e por alguns segundos, quase perdeu a fala. A jovem sorrindo, mostrou-se muito atenciosa em atender ao “Signore” e apresentou-lhe o catálogo. Franco disse-lhe que preferia ver algumas peças. Após alguns minutos, parecia que se conheciam há muito tempo. A jovem mulher chamava-se Ângela e era uma das donas do antiquário. Conversava em italiano com Franco, pois ele era neto de italianos radicados no Brasil no inicio do século passado.

Franco encantado com Ângela e muito surpreso, demonstrou seu interesse em comprar o colar de jade que Ângela levava ao pescoço. Ela sorriu, negando-lhe. – Esta é uma peça de família. Intrigado, gostaria de saber mais sobre a jóia, Não quis demonstrar tanto interesse e deu seu cartão para a jovem. Ela o guardou em uma gaveta. Franco retirou-se. Voltou ao hotel antes do almoço e ficou o resto da tarde, pensando no colar de jade que Ângela usava.

Sua memória retornou no tempo, o grego Michel lhe dizia: - Este colar é uma peça única, cada pedra colocada neste fio de finíssimo ouro tem sua história. Eu diria que ao confeccioná-lo, pensei que traria sorte a quem o usasse. Como foi uma encomenda sua não poderia deixar de caprichar, pois o tenho em alta estima. Logo depois, Franco e Gabriele estavam em Florença, e Franco a presenteou com a jóia, idêntica ao que Ângela usava.

Giuseppe alertado por um pressentimento resolveu vir antes da data marcada e naquela manhã fria em Florença, estava tomando café no hotel com o velho Franco. Emocionado o senhor o convidou para ir ao antiquário. Sem contar-lhe sobre o colar de jade, Franco, precisava ter certeza de que se tratava da mesma jóia, antes de falar qualquer coisa. A manhã estava cinzenta e Giuseppe sentiu uma pontada de tristeza no coração. Talvez, pudesse diminuir o ritmo de trabalho e viver um pouco a vida. Sua idéia aumentou quando viu a jovem Ângela vir ao encontro de seu pai. Pensou nela como uma pintura, algo eternizado, que o fazia lembrar-se de coisas que jamais tinha vivido. Ela veio ao encontro dos dois: pai e filho receberam o mesmo sorriso e o mesmo brilho daquele olhar verde.

Compraram pequenas peças, anotaram o preço de algumas que não estavam no catálogo e saíram a pé. Sentaram-se em um bar. Franco olhou para o filho e falou diretamente: - Uma bela jovem, não? Giuseppe acenou positivamente com a cabeça e sorria. Não conseguia parar de pensar na jovem.

Franco estava acabado. Sua pele tinha um tom arroxeado. Estava no hospital há uma semana, para desespero de Giuseppe, não pudera ser removido, pois tinha tido um enfarte. Sua viagem tinha um tom trágico e ao mesmo tempo em que seu pai agonizava, ele sentia-se intimamente feliz. Conquistara a amizade de Ângela e ela até tinha ido visitar Franco no hospital. Ele não falava muito, mas ela contou-lhe uma pequena história com poucas palavras, uma foto, e uma flor seca encontrada dentro de um velho livro de sua tia-avó Gabriele.

Franco retirou-se de cena, deixando Giuseppe e Ângela juntos para viver o que ele não teve tempo de fazer com sua amada Gabriele.

Com certeza Michel tinha razão, o colar de jade dava sorte a quem o usasse. O que Gabriele não pode fazer, pois morrera repentinamente após a partida de Franco na primavera de 1973, após terem curtido um romance intenso de estudantes. As promessas de Franco voltar eram muitas, mas ela se foi muito antes que ele pudesse cumpri-las. Em algum lugar pelas estreitas ruas de Florença Gabriele e Franco passeavam de mãos dadas, espiando de janela em janela, onde celebravam o nascimento de Jesus.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 19/11/2009
Reeditado em 30/07/2016
Código do texto: T1932888
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