A rosa e o lírio

Certa vez deu-se incomum história de amor... rosa e lírio se apaixonaram. Cresceram os dois lado a lado. A rosa, de uma tonalidade vermelho intensa, o lírio, num suave lilás.

Mas apesar de pertencerem a gêneros e culturas diferentes, ambos se completavam. Juntos, enriqueciam o vale; suas fragrâncias, deixavam os passantes inebriados.

O casal, embora despertasse curiosidade, ao mesmo tempo encantava e até causava nostalgia em alguns corações.

Porém, a certa altura da convivência, o lírio conheceu os espinhos da rosa. Espinhos que, com o passar do tempo, tornaram-se pontiagudos e cortantes.

E houve uma manhã em que o lírio acordou com algumas flores feridas.

Para seu desgosto, a rosa, altiva, pareceu-lhe indiferente ao acontecido, pois fitava atentamente as margaridas que dançavam ao sabor da brisa.

O vale, na primavera, tornava-se multicolorido. Um espetáculo de espécies sublimes. Paisagem que inspirava sonhos e romances. E eis que a rosa divagava no compasso de sua estação predileta.

Impaciente, o companheiro, afetado, não conseguiu se conter - Acaso não percebe que seus espinhos invadem meu espaço? Não notou que tenho minhas flores maculadas?

De volta à realidade, a rosa, entre surpresa e magoada, observou o lírio e, após breve ponderação, disse bem séria:

– Ora, então se esqueceu de que os espinhos fazem parte de minha natureza? – o outro nada falou e a rosa prosseguiu.

– Partilhamos não apenas o mesmo vale, estamos lado a lado, temos uma vida em comum. Se tuas flores me tocam, sinto-me no céu, todavia, não posso evitar que se machuque em meu caule. É como sou, não tenho como mudar, mas não é algo intencional ou premeditado. As diferenças fazem parte de nossas vidas, sempre fizeram. Está claro... é aparente. Sou rosa, você é lírio, contudo te amo e por esse amor, permito-me tocar as estrelas. Acredito ser capaz de superar os percalços do caminho, os olhares indagativos, as opiniões críticas. Entretanto, nosso relacionamento não depende somente de minhas atitudes e muito me entristece saber que estou a invadir seu espaço – Voz embargada pela emoção, a rosa se calou.

Envergonhado, o lírio desviou o olhar. A luz do sol parecia não mais alcançá-lo, sentiu-se pequeno e egoísta. Agiu por impulso, levado por um gesto de impaciência ou talvez carência injustificada. Naquele momento, esqueceu que sua vida não fazia sentido sem a rosa.

Visualizou um amanhã sem aquela que se tornara razão de sua existência e o pânico o invadiu. Veio a promessa de folhas secas, dias pálidos, tristes, vazios.

Voltou-se novamente na direção da rosa que, silenciosamente, mantinha distância respeitável entre os dois – Sussurrou um pedido de desculpas – Não houve resposta.

Manifestou arrependimento – Somente o silêncio.

Vergou-se na direção do chão pesaroso e envergonhado e o dia arrastou-se num lento vagar.

Quando a noite chegou, já não sabia o que fazer.

Incrível. Agora, até mesmo os espinhos faziam falta. Nada era perfeito, mas ao lado de seu amor, os problemas apresentavam-se sob nova perspectiva. E movido pela emoção, levou as flores de encontro ao delicado caule.

Para seu contentamento, a rosa o recebeu carinhosamente.

Soube ela, enfim, que o lírio fez sua opção. Sim, haveria momentos difíceis, porém, além das diferenças, estava o amor. Ambos permaneceram num silencio respeitoso... homenagem à Lua que, em resposta à reconciliação, trouxe brilho e canção para o vale.