O CAPITÃO
A imprensa local aguardava ansiosamente a chegada do sacerdote que iria fazer importante pronunciamento a respeito da tragédia que ocorrera a alguns dias, quando do naufrágio de um navio, ocasião em que o Capitão daquela embarcação confiara-lhe uma carta para que fosse entregue à sua esposa. Diante do magnânimo gesto daquele homem, que morrera para salvar os outros tripulantes do navio, o sacerdote decidiu chamar a imprensa para registrar tal momento, como forma de homenageá-lo. Quando o sacerdote chegou à praça e foi caminhando em direção a um palanque improvisado, as pessoas aglomeravam-se tentando chegar o mais próximo possível para registrar atentamente o que seria dito. Ele abriu um envelope e tendo a viúva do capitão e o filho deste ao seu lado, iniciou a leitura da carta.
"Minha amada e querida esposa: Ao receberes esta carta, sei que já terei morrido e com a fé em Deus, estarei habitando ao lado do Senhor. Quero que saibas que não importa onde estiver, olharei por você, eterna amada e por nosso filho querido. Espero que me perdoes pela escolha que, por desígnios de Deus, tive de fazer. Confesso que fui tomado de um medo muito grande em ter que deixá-los para sempre, mas o amor fraternal e a certeza de que entenderiam tal gesto gesto, fizeram-me optar pelo que, acredito, seja o melhor para todos. O navio está naufragando e os coletes salva-vidas e os botes são insuficientes para o salvamento de todos. A mim, como capitão do navio, restou o dilema de escolher quais pessoas devo colocar neste bote, as demais, infelizmente, naufragarão juntamente com o navio. Escolhi para serem salvos, um cientista, um professor, um pai e um filho e um sacerdote. Baseei-me nos seguintes princípios para fazer tal escolha;
Escolhi um professor tendo em vista que num futuro próximo meu filho ingressará na escola e ele poderá transmitir-lhe os conhecimentos necessários para o seu aprendizado, como também coisas que eu, como pai, deveria ensiná-lo.
Quanto ao cientista, sabemos que a cada dia surgem doenças que precisam ser exterminadas e para o bem da humanidade
é necessário que ele pesquise para tentar achar a cura de tais doenças. Em relação ao pai e o filho que serão salvos, espero
que os dois tenham uma relação de amor e respeito, que o pai consiga transmitir ao seu filho preceitos de fé, honestidade, generosidade e esperança no futuro, preceitos estes que eu transmitiria ao meu próprio filho.
Morando nesta cidade pequena, onde todos se conhecem, quem sabe este menino que salvei não estude com meu filho e tornem-se grandes amigos? Assim, através dos olhos dele verei meu filho se formando na faculdade que ele escolher, e saberão que o abraço que este amigo lhe der, quando desta ocasião, será como se eu o estivesse abraçando. Incluí o sacerdote entre os que deviam ser salvos, por achar que, ao homem é essencial conhecer a palavra de Deus e sei que ele difundirá o evangelho entre as pessoas. A decisão que tomei foi muito difícil e vai entristecê-la, minha querida, mas quero que entendas que jamais ficaria em paz comigo mesmo se tomasse o lugar de qualquer uma destas pessoas, as quais serão salvas. Espero que um dia meu filho entenda este meu gesto extremo de amor e seja um homem de verdade, e que em seu coração habite o amor a Deus e ao próximo. Que Deus ilumine e abençoe a todos, trazendo muita felicidade e amor. Quanto a mim, partirei tranquilo por ter feito o que minha consciência ordenou. Adeus."
Quando o sacerdote dobrou a carta e entregou à viúva, todos foram saindo lentamente da praça, mas com certeza a grandeza do gesto do Capitão calara fundo em seus corações, deixando-lhes um exemplo de desprendimento, de amor fraterno, como nunca haviam visto igual.
O Capitão naufragara seus sonhos juntamente com o navio e seus tripulantes, mas fizera emergir do coração daquelas pessoas da
pequena cidadezinha, sentimentos de fé e esperança e a certeza de que, a bordo de um navio conduzido por um capitão assim, não haveria nada a temer, dada a magnitude, a bondade e a coragem que ele demonstrara e assim, através do relato daquela trágica história, cada um pode rever e reafirmar seus conceitos de amor a Deus e ao próximo.
***Este conto foi baseado numa redação escolar escrita por meu filho Vithor, a qual além da nota máxima, rendeu-lhe homenagens
de seus professores, em especial o professor de literatura, Elson André.. Meus agradecimentos ao professor Elson pelo incentivo
e crédito que dispensa ao meu filho, excedendo muitas vezes sua função de mestre e revelando-se amigo e orientador. E parabéns
meu filho querido, que por vontade do bom Deus, é uma pessoa linda, iluminada e generosa e, com certeza, poderia perfeitamente
ser o protagonista deste conto. Te amo para sempre.
Helena da Rosa