ENCONTRO DE AMOR...

A noite vem chegando e os lampiões são acesos, a anfitriã me conduz a meus aposentos para descansar da longa jornada e, depois de um banho refrescante adormeço.

Os outros convidados se reúnem no terreiro iluminado por lampiões, os tambores e flautas tocam doces melodias, dançam e cantam composições de saudade num ritmo encantador e sem fim.

Os cativos formam um grande círculo e no centro duas belas morenas rodopiam leves como as plumas.

A certa altura desperto do sono ao som da música e a curiosidade leva-me até a janela de meu quarto que fica no pavimento superior da casa; deslumbro-me com a imagem e o som que me agrada imensamente, sou tomado por uma irresistível vontade de participar, a magia e o encantamento fazem com que ceda ao desejo e vou tomar parte.

A música é inebriante.

Ao aproximar fico extasiado com a cena e observo cada detalhe.

Um amigo me segura pelo braço e me conduz para o próximo do círculo onde sou incentivado a dançar, todos cantam e batem palmas.

A roda de dança fica exatamente em frente à entrada lateral da casa, estático fico a sonhar, estou concentrado naquela deusa, segundo me parece. As janelas parecem soprar música para o ambiente todo.

Sem a mais ligeira premeditação subo a rampa que separa o terreiro do degrau da casa.

Tudo me parece uma coisa separada e desprendida do mundo – a enorme beleza de um anjo emprestado de uma bela história de fadas encantadas dos livros belos dos romances de Veneza. É a beleza que sempre procurava a beleza que sempre dizia:

- Amor meu quando a encontrarei!

É com essa beleza que sempre habitava meus sonhos quando dormia no quarto com a janela entreaberta. Em meus sonhos alucinantes essa janela de repente se iluminava, revelando o anjo agarrando ao beiral tentando entrar. Noite após noite o anjo visitava-me, agarrando-se à janela e sorrindo às gargalhadas. Acordava com o coração palpitando, a casa escura, o quarto absolutamente silencioso.

Em pé na beirada do círculo de dança observo aquele anjo que aparecia em meus sonhos a dançar. Vejo uma mulher, com o rosto moreno grande e cheio, belamente equilibrado por traços delicadamente delineados. Ela veste um vestido de tecido azul aveludado. Olho distintamente a riqueza maravilhosa de seu corpo e de seus cabelos finos e encaracolados prendidos de lado do rosto fazendo uma cascata maravilhosa que desce a altura da cintura. Percebo o sorriso que me dirige – inteligente, misterioso, fugidio -, um sorriso que surge de repente, como um sopro ao vento.

Todo o meu ser está concentrado no rosto da encantadora jovem. Posso pegar o rosto angelical e levá-lo para casa e colocá-lo ao meu lado de noite, sobre um travesseiro, e fazer poesias românticas a noite toda. A boca os olhos, quando se abrem, deixa todo o ser resplandecer através deles. Há uma iluminação que provém de uma fonte desconhecida, de um centro oculto no fundo da terra. Eu não posso pensar em outra coisa além do rosto, da estranha qualidade do sorriso, de sua envolvente urgência. O sorriso e tão dolorosamente rápido e fugidio que parece o lampejar de uma faca. Esse sorriso, esse rosto, sustenta-se em cima de um longo pescoço moreno, o vigoroso pescoço de cisne.

Fico em pé sob as luzes das luminárias, esperando que ela venha ao meu encontro. Olho-a com a atenção tão tensa que caio em transe.

De repente sinto que ela se aproxima. Viro a cabeça. Sim, ela vem com pleno impulso, as velas desfraldadas, olhos cintilando. Pela primeira vez vejo como ela anda. Avança como um pássaro, um pássaro humano envolto em pela macia. O coração está em pleno funcionamento: quero gritar, dar um grito que faça o mundo inteiro tapar as orelhas. Que andar! Não é um andar, é um deslizar. Alta, majestosa, cheia de corpo, senhora de si, ela atravessa a fumaça, a música e o fulgor da luz rubra como a rainha de todas inatingíveis deusas.

Ela toma-me pela mão, segura firme. Caminha a meu lado sem medo. Dentro de mim existe uma grande abóbada azul e o coração bate furiosamente.

Imagino:

- A gente pode esperar a vinda inteira por um momento como este. A mulher que você nunca esperou encontrar está à sua frente, fala e aparenta ser exatamente a pessoa com que sonhou. Toda a minha vida passada e como um longo sono que teria esquecido se não houvesse sonhos. E o sonho também pode ter sido esquecido se não houvesse memória, mas a lembrança ali está, no sangue, e o sangue é como um oceano no qual tudo é arrastado para longe, menos aquilo que é novo e mais substancial mesmo que a vida: realidade.

Ela coloca as mãos sobre meu ombro – pluma leve a tocar-me – e faz com que eu seja levado pelo ritmo, a fascinação daquele momento transcende a minha alma.

Bailo como nunca fizera antes, o sorriso farto e meigo daquela jovem deslumbrante deixa-me arrebatado, o contato das mãos dela passa-me tal sensação que o meu corpo estremece.

Ela também conquistada pelo clima de magia, pergunta:

- Espero que tu estejas gostando?

Seduzido eu afirmo:

- É mágico este momento!

- Ela continua:

- Acordei ao som dessa música encantadora e espero que não esteja sonhando.

Olha-me ternamente e tenta desculpar-se pelo atrevimento:

- Me perdoe por ter feito vir dançar nem ao menos perguntei se querias.

- Meu desejo é que esse momento jamais termine.

O luar e as estrelas são testemunhas dos sentimentos de afeição profunda que reina dentre todos.

Quão é misterioso o destino!

Como é costume a certo momento a música pára, um casal toma o centro do círculo e recita um poema e, em seguida nova música é cantada e novamente dançam.

É nossa vez, ela timidamente declama uma composição poética que aprendera quando criança:

“- Eu estava mendigando de porta em porta no caminho da aldeia, quando a tua carruagem de ouro apareceu ao longe, como um sonho deslumbrante. E eu fiquei me perguntando, extasiado, quem seria esse Rei dos reis.

As minhas esperanças voaram alto, e eu pensei que os meus dias infelizes tinham chegado ao fim. E fiquei sentado, esperando esmolas dadas sem serem pedidas, e um tesouro derramado pelo chão, em todo lugar.

A carruagem parou onde eu estava sentado. Teu olhar pousou sobre mim e desceste sorrindo. Senti que a felicidade da minha vida por fim havia chegado. Então, de repente, estendeste a mão direita e perguntaste: "O que tens para dar a mim?"

Ah, mas que gesto régio foi esse o de abrir a tua mão para pedir esmola a um mendigo? Eu estava confuso e não sabia o que fazer. Então, bem devagar, tirei da minha sacola o último e menor grão de trigo e entreguei a ti.

Contudo, qual não foi a minha surpresa quando, no fim do dia, esvaziei a minha sacola no chão, e encontrei um grão de ouro entre as pobres migalhas que restavam! Chorei amargamente, lamentando não ter tido a coragem de entregar-me todo a ti. “*1

Eu observo cada palavra pronunciada por ela e penso – formou-se na escola da vida, mas tem a percepção pelo belo, dou alguns passos até o jardim ao lado, apanho uma rosa e:

“- Ó mulher, tu não és apenas obra de Deus, mas também dos homens! Eles sempre estão te revestindo com a beleza dos seus corações:

Os poetas tecem para ti uma tela com imagens douradas; e os pintores dão à tua forma sempre nova imortalidade; para te enfeitar, o mar dá as suas pérolas, as minas o seu ouro, os jardins de verão as suas flores, e o desejo do coração dos homens cobrem de glória a tua juventude...

Mulher, tu és metade sonho e metade mulher!” *2

Os presentes tomados por grande emoção pelas belas palavras pronunciadas, ao mesmo tempo em que aplaudem fazem que a música retome o seu ritmo.

Gentilmente ofereço-lhe a flor, que com um sorriso meigo agradece a gentileza, ela se retira, toda feliz com a flor que recebeste.

Volto a meus aposentos, mas não resisto ao encantamento da bela jovem e meus olhos a buscam, ao vê-la dançando encho meu espírito de alegria e felicidade, ela também me olha, eu recebo um leve sorriso sendo cúmplice desse ato de carinho transmitindo outro sorriso.

No quarto sinto-me leve e feliz aquela noite será inesquecível.

Encontro na fazenda a alegria da inocência, a cândida camponesa morena com o puro amor que ama e canta, nasce vive sempre à sombra das árvores em cujas ramagens as gerações de pássaros lhe cantam o nascer do amor.

Como esse lugar é puro e alegre! Como tudo aqui brota para a exultação e contentamento!

Sozinho em meu cômodo eu analiso uma rosa branca que resplandece num copo, tão belo! Digo-lhe assim: tu és bela! Ela inclina-se mais sobre a haste, aquiescendo, e vejo duas gotículas nas pétalas refletindo a luz que vem do terraço.

• * Poemas de Rabindranath Tagore