Roseiral
Depois que o amor foi ferido, muito pouco restou no jardim dos sonhos. Cego, o amor viajava por campos e vales desconhecidos, de mãos dadas com a loucura, por vezes saia de seu caminho ao encontro da volúpia, e, não raramente, unia forças com o egoísmo. Tornou-se desacreditado e, posterior, embora tentasse reconstruir a sensatez, era motivo de dúvida.
Havia um tempo, no Roseiral, que tudo era frieza, desordem. Todas as perguntas sem respostas, todas as confusões humanas misturadas em uma única desculpa: o amor adoecera e não merecia mais crédito.
-Acabem com o amor – dizia dona Cornélia – ele só causa transtornos.
E até mesmo a ganância, que nunca soubera em vida do amor, ou procurou saber, arriscava uma opinião:
-Despreze-o, olhe para mim!
E os humanos, considerados mortais, viviam em constante flagelo na alma, pois não conseguiam ouvir os sinais do amor em meio à multidão. Repensar no amor tornou-se uma meta difícil naqueles dias, devido ao turbilhão de vozes e aos milhares de pares de mãos acenando, as escolhas, muitas vezes, eram vazias e até infundadas. Em muitos casos, dava-se crédito a algumas mãos apenas interessadas em bens materiais, que pregavam o fim da paz e da sobriedade. Eram mãos que confundiam o olhar, por serem delicadas, perfumadas, tornavam-se alucinógenos para quem não enxergava mais com o coração. Ali vencia a futilidade, a ganância, o ego, a falta de pudor. Vencia o abandono, e o mundo tornava-se um estranho espinhadeiro.
Não muito longe, porém, gritos de liberdade ecoavam pelos campos e chegavam ao Roseiral: eram vozes daqueles que ainda ousavam acreditar no amor e no seu renascimento diário. Eram os loucos que alimentavam os famintos do vilarejo das Trevas. E que a cada dia plantavam uma semente para florescer no futuro, em local incerto, enquanto a humanidade não encontrava a existência plena, não ouvia seus próprios sentimentos.