Enquanto arrumava a casa,  aspirou o aroma suave do novo desinfetante. Lembrou imediatamente, do momento em que o escolheu na prateleira do supermercado. Por causa do nome sugestivo: Sensual.  
Olhou a sala bem decorada e sentiu-se feliz.  Móveis leves e modernos. Tudo novo e  sugerido pelo amor da sua vida.  Ela confiou  no bom gosto e aceitou tudo, sem dar palpites. Assim como as almofadas,  combinando com o tapete e as cortinas pesadas, nada havia sido comprado por Lia, foram ''surpresas'' que recebeu de lojas caras de decoração.
As janelas permaneciam sempre fechadas, para dar a sensação de  penumbra. O ar condicionado ligado no ponto exato, rosas espalhadas nos vasos claros, tudo idéia dele... Para compor o ambiente perfeito.

Abriu a geladeira e conferiu as pastinhas nos potinhos de cerâmica. A fita filme, cobrindo bem esticada cada um deles. As cervejas geladíssimas, um vinho branco para eventuais mudanças de idéia, e finalmente a torta de morango feita na véspera. Chantilly em camadas de puro deleite. Sorriu. Alisou uma dobra imaginária no vestido vermelho de festa, ajeitou as alcinhas de paetês dourados.

Sabia que estava bonita, havia se preparado a semana inteira: cabelos, unhas, depilação e sandália nova. Saltos altíssimos, tiras de camurça amarradas no tornozelo, desconfortáveis e quase dolorosas. No entanto, sentia-se uma mulher fetiche. E era assim que devia ser, precisava superar-se em fantasias, inventar coisinhas deliciosas e diferentes.

Sábado. Era o dia deles, e Carlos fazia valer a pena, cada instante que passavam na cama. Tinham a cumplicidade que poucos conheciam, o mundo parava cada vez que estavam juntos. E isto bastava, ele havia dito no primeiro encontro. Lia sentiu-se parte daquele homem, e não mediu conseqüências.

O relógio marcou dez horas. Atrasado. Ela sentiu o coração aos pulos, lutando contra a ansiedade.
Ignorou a luz do  sol esgueirando-se, lembrando que era cedo demais, que  dia pedia passeios pela orla. Lia quis esquecer, o quanto amava o cheiro  da maresia, e o ponteiro maior moveu-se vagarosamente. Carlos tinha horários rígidos. Quanto mais demorasse a chegar, menos tempo passariam juntos, o que significava mais  horas solitárias. Uma matemática desumana.  Lia somava e diminuía, evitava roer as unhas e sofria.

Onze horas. A maquiagem não iria resistir às lagrimas, e se ele chegasse, não teria como esconder o desespero. Respirou fundo. Bebeu água. Foi olhar-se no espelho e não se reconheceu. Parecia uma louca! Os olhos vermelhos, inchados e a expressão horrível. Sem querer, havia embaraçado os cabelos e tudo pareceu fora do lugar. Repetiu baixinho:­­­­­­­­

_ Ele vai vir, sempre veio, há dois anos é assim...Porque não viria? Não aconteceu nada. Ele está bem. É apenas um atraso. Um atraso.

Meio dia e quarenta e cinco. Discou o número e aguardou.  No terceiro toque, uma voz feminina atendeu, Lia pensou em desligar, mas seria pior­:

_  Bom dia, é o celular do Dr.Carlos?

_  Com certeza! Meu marido foi pro futebol, quer deixar recado? Ele normalmente volta pela tardinha, mas hoje acho que virá mais cedo. Se puder ajudar, também médica...É alguma emergência?

­_ Hã?! Não,  Obrigada, não quero incomodar, ligo mais tarde.

_ Que isso?Faz parte da profissão. Sabe, você deve ser muito doente.  Acabei de perceber que seu número, aparece em quase todas as ligações do Carlos. Se eu fosse uma mulher ciumenta, até desconfiaria... Mas, não é o caso. Não é mesmo?

_ E se fosse? A senhora está brincando comigo? Este tom de deboche...

_ Sim, eu sei quem é você, estava aguardando sua ligação. Pela primeira vez, Carlos deixou o telefone em casa. Sei perfeitamente que ele nunca joga futebol, sei até o seu endereço...

_ Como assim? Não se importa? Que casamento é esse?

_ Isto é assunto nosso. Imagine se meu marido, colocaria em risco,  tudo que construímos juntos, por causa de uma amante...  A clínica, status, família, amigos influentes... Uma vida inteira. É muito, não acha?

_ A senhora não pode ter esta certeza. Acha  que pode mandar nos sentimentos de Carlos?

­_ Você não é a primeira nem será a última. Mas conhecendo Carlos, deveria saber que ele odiaria viver na pobreza. E é isto que irá acontecer, caso ele faça qualquer bobagem. Ah! Ele acabou de chegar, quer que eu chame?

Lia tremeu diante da segurança daquela mulher. Desligou, aos prantos, sentindo-se humilhada e perdida.  Aquela conversa não podia  ter acontecido. O fato de Carlos ser casado, não foi impedimento para apaixonar-se. Aceitou  os encontros semanais, os mandos e desmandos, mas ouvir tudo aquilo... Fez com que sentisse pela primeira vez, o peso da palavra ‘’amante’’.

Lia sempre soube, que  era uma sombra, sem direito a luz do dia. A  verdadeira mulher, que Carlos dividia a vida, problemas e planos, sempre foi  a esposa. Porque havia aceitado, era uma pergunta que ela não conseguiu responder.

 Desde o início, secretamente, Lia alimentou a esperança, de ter Carlos só para si.  Agora, tinha certeza que isto não iria acontecer. Enquanto abria as pesadas cortinas, e arrancava os sapatos, chorou por todos os sonhos perdidos. Recordou as promessas de momentos mágicos, culpou-se por aceitar tão pouco, e finalmente, encontrou coragem para encarar a dor intensa.

Nos primeiros dias, esperou ansiosamente que ele a procurasse. Precisava ouvir uma desculpa qualquer, entender porque ele não havia ligado para avisar,  porque ele não a procurou, onde ele havia ido... Depois, começou a criar desculpas, isentando Carlos da falta de consideração e justificando o desaparecimento do amante.

Na segunda e terceira semana, Lia  era um trapinho, magra e sem  vontade de viver.  Seu mundo,  se resumiu ao abandono de Carlos. Nada mais importava.

Foi em  manhã triste e chuvosa, que  o desespero fez com que ligasse para o consultório. Dr. Carlos e a esposa,  haviam  partido para um curso de especialização na Alemanha. Seis meses, era o prazo mínimo, mas podia ser que ficassem até um ano fora. A atendente repetiu varias vezes, até Lia compreender e finalizar a chamada. 

 Naquele dia, ela tomou um longo banho de mar, sentou-se na areia e pediu forças para continuar a jornada. Sem se ater a qualquer energia, buscou dentro de si, coragem e determinação... 

Oito  semanas depois, Lia sentiu o coração miudinho ao ler o identificador de chamadas. Deixou tocar várias vezes e não atendeu. Não queria de forma alguma, ter uma recaída e voltar para os braços de Carlos. O celular tocou novamente, e mais uma e outras  várias... Em uma crescente sinfonia, misto de tentação e angústia.

O impulso foi mais rápido e   Lia jogou o chip pela janela. Assistiu em silencio, o vento levar mais um pedacinho do amor perdido... Juntou as malas e deixou o apartamento

Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 02/11/2009
Reeditado em 02/11/2009
Código do texto: T1900192
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