Lucky!!!
O que você faria se encontrasse um grande amor? Quando falo grande amor, penso na magnitude da palavra, um amor verdadeiro. Pois aquilo que conhecemos como amor, não passa de um processo obsessivo, pensamos demais em alguém e consideramos estar apaixonados por ela, isso é comprovado cientificamente inclusive. Quando aprendi a respeito disso deixei de acreditar no amor, passei a me policiar para que não acontecesse o processo comigo, por isso nunca me apaixonei por ninguém, consigo perfeitamente identificar o que estou sentindo e perceber que na maioria das vezes não passa de atração física.
Não é desse tipo de amor que estou falado, imagine conhecer alguém, se entregar de corpo e alma, sem nossas armas, sem nossas conclusões mentais, imagine uma pessoa em que se possa confiar, dizer qualquer coisa, falar sobre o que sente seja lá o que for, sem medo de ser julgada ou de magoar o outro, alguém que esteja ao seu lado não importa o que você faça. Você sente a mesma coisa,os dois conseguem perceber que um dia tudo vai acabar, a morte de uma forma ou de outra vai chegar e enfim, seu peito dói ao pensar no assunto, então você percebe que a única coisa que tem é o agora. Então nada mais importa.
O que você faria se encontrasse esse amor?
Garanto que faria exatamente o mesmo que eu,correria dele em alga velocidade, atiraria pedras e chutaria para bem longe. Por incrível que pareça a maioria das pessoas tem medo de amar, pois existe responsabilidade e dedicação.
Eu sempre fazia o possível e o impossível para que as pessoas não me notassem, quase sempre conseguia. Era auxiliar administrativa em um hospital público do interior de São Paulo, no inicio achei que lá fosse o inferno, sofria com o que via e na maioria das vezes não conseguia dormir, as injustiças cometidas contra os pacientes eram enormes, o tempo ia passando e eu ia ficando cada vez mais triste e séria, até que me tornei insensível. Com relação aos relacionamentos os meus nunca duraram mais que dois meses, costumo dizer que ninguém me agüenta.
Eu estava sentada em frente ao computador, quando uma das garotas entrou correndo, e começou a contar para a outra sobre o novo médico, disseram como ele era lindo, simpático e um monte de outros elogios que preferi não ouvir. Se tem uma coisa que detestava eram os médicos, quando você trabalha em um hospital descobri que são a pior raça que existe na Terra, a sensibilidade neles é nula. Estranho pensar os que deveriam se importar com as nossas vidas são os que menos se importam inclusive com as deles. Oitenta por cento deles fumam, oitenta e cinco bebem até cair sempre, os enfermeiros são um pouco mais humanos, mas só um pouco, não espere muito deles, mas existem pessoas boas também, pessoas que trabalhando com amor e por amor, haviam duas pessoas em especial a Dona Maria Helena, uma enfermeira que trabalhava depois de aposentada, ela tinha sessenta anos, Cecília uma outra enfermeira que as pessoas achavam que era minha mãe, dos médicos havia um que eu gostava muito o PH era um homem de dois metros de altura e ainda era gordinho, todos tinham medo dele, menos eu.
A correria era constante, eu mal tinha tempo de respirar, tão pouco de comer. As mulheres continuavam comentando sobre o novo médico, dando em cima dele inclusive, eu se quer o havia visto. Até que um dia enquanto estava andando pelo corredor do Pronto Socorro, ouvi alguém chamar o meu nome. Olhei para trás, era um homem, branco, de cabelos castanhos escuro lisos cortados curtos, sobrancelhas grossas, alto, com um sorriso lindo e sedutor, intuitivamente percebi que era o novo médico. Ele sorriu, continuei séria, pensei que ele pediria algo idiota e estava muito ocupada ajudando um paciente.
- Bom dia – disse ele sem perder o sorriso.
- Bom dia, estou ocupada, preciso ir estou resolvendo um problema – respondi sem mover um músculo do rosto.
- Eu sei, na verdade gostaria de perguntar se precisa de ajuda.
- Ajuda? – disse surpresa.
- Sim, notei que você estava correndo de um lado para o outro, com esses exames nas mãos, conversando com alguns médicos. Está precisando de ajuda?
Fiquei muito tempo parada olhando para ele sem saber o que dizer, não estava acostumada com as pessoas me oferecendo ajuda por livre e espontânea vontade. Depois do silencio, expliquei exatamente precisava e ele me ajudou, no fim agradeci e continuei meu trabalho.
Alguns dias depois estava correndo de um lado para outro, haviam mais de cento e cinqüenta fichas aguardando atendimento e apenas um médico atendendo, ele, eu sai no corredor para ver as pessoas que estavam do lado de fora e informá-los que estávamos com alguns problemas, uma das pacientes veio para cima de mim, tentar me bater, o segurança a segurou, entrei tremendo no pronto socorro completamente fora do ar, em estado de choque, nunca imaginei passar por algo assim. Encostei em uma parede escondida do pronto socorro, respirei fundo, vi os outro três médicos indo para o consultório, tive vontade de matá-los, mas não o fiz, continuei lá respirando fundo, não parava de tremer, estava com a cabeça baixa, diante dos meus olhos apareceu um copo com água.
- Toma vai se sentir melhor – disse o homem.
Levantei a cabeça, era ele, com aquele sorriso no rosto, peguei o copo com água, tomei, ele encostou ao meu lado em silencio, ficamos ali por mais de dez minutos em silencio, depois ele me abraçou e continuamos em silencio, uma única lágrima escorreu pelo meu rosto, ele beijou meu cabelo, disse que tudo ficaria bem e pediu para que não esquecesse quem eu era. Foi embora, fiquei pensando naquele momento, sentia como se ele me conhecesse de alguma forma, tinha pânico de chegar perto dele, toda vez que se aproximava me mantinha séria e fechada, desviava quando o encontrava no corredor, percebi que tinha medo, muito medo dele.
O tempo foi passando ele estava a seis meses no hospital, naquele dia eu estava nervosa e estressada, me refugiei na emergência, pois lá estava tudo tranqüilo, haviam apenas dois pacientes, as enfermeiras e mais um médico estavam sentados conversando, sentei e comecei a conversar com eles, ele se juntou a nós, quando o vi decidi ficar em silencio, foi quando um dos pacientes teve uma parada cardíaca, imediatamente ele se levanto, começou a fazer massagem cardíaca no paciente, fez com que o paciente voltasse por outros breves momentos. Vendo que o resto da equipe não se mexia, gritou com as enfermeiras pedindo injeções de adrenalina e o respirador, o outro médico na sala disse para ele desistir, pois, já era a quarta parada do paciente na naquele dia. Ele não desistiu, passou mais de meia hora em cima do paciente fazendo massagem cardíaca, eu não pude ficar na sala até o fim.
Fiquei admirada com aquele médico, ele era diferente dos outros, era admirável, humano. Quando estava indo embora o vi entrando em seu carro, fui até ele e disse:
- Ele sobreviveu?
- Sim, voltou e parece estar bem – respondeu ele saindo do carro apoiando na porta, sorrindo.
- Foi muito bonito o que você fez na emergência hoje.
- Fiz apenas o que tinha o que fazer.
- Bom, eu preciso ir, vou perder o ônibus.
Virei de costas e sai andando, cheguei a dar uns três passos.
- Você realmente não se lembra de mim não é?
- Lembrar de você? – voltei alguns passos.
- Sim.
- Não me lembro. Você me conhece?
- Sim, há muito tempo, mais de vinte anos na verdade.
- Vinte anos. E você esperava que eu me lembrasse? – disse ríspida.
- Você costumava rir mais antigamente. O que aconteceu com você?
- Não estou acreditando um uma palavra dessas que você está dizendo. Se te conhecesse me lembraria, me lembro muito bem da minha infância, você disse que foi a vinde anos atrás, tinha oito anos me lembraria se te conhecesse. Não precisa ficar jogando comigo, não vai conseguir nada, conforme-se com as que te dão bola. Boa tarde.
- Nossa como você é vingativa – disse ele sério.
- Vingativa? Por que? – perguntei sem entender por que ele tinha dito isso.
- Por querer se vingar de todos os homens. Alguém te feriu muito.
Não soube o que responder, ia falar o que, ele tinha razão, percebendo o impacto que eu havia sofrido.
- Feche os olhos – disse ele, fechando o carro e vindo até mim.
- Por que? – respondi.
- Por que vou te ajudar a lembrar – disse colocando as mãos no meu ombro.
Fechei os olhos, ele segurou as minhas mãos.
Imagine que você tem seis anos, e está em uma festa de aniversário, é hora do bolo, o menino que faz aniversário da o primeiro pedaço de bolo para a pessoa que mais gosta, ele pela ultima vez da pra você, como faz desde os quatro anos, é uma das ultimam vezes que ele te vê.
- Miguel? – disse abrindo os olhos.
- Pelo menos do meu nome você lembra – disse ele rindo.
Nos abraçamos, fiquei extremamente emocionada, quando nos vimos pela ultima vez Miguel tinha oito anos e eu tinha seis, nós éramos duas crianças sozinhas, não tínhamos irmãos e nossos pais nos mantinham dentro de casa, o maximo de contato que tínhamos com outras crianças era na escola, nossos pais eram melhores amigos uns dos outros, por isso passávamos grande parte do tempo juntos. Éramos melhores amigos um do outro, na época ele era cabeçudo e orelhudo, eu era uma bolinha.
A partir desse dia eu e Miguel passamos a ser inseparáveis, nos víamos todos os dias, mesmo quando ele não estava no hospital, fazia questão de me levar até em casa.
Com o passar do tempo nossa amizade ficou cada vez mais sólida, conversamos sobre o que sentíamos, sobre o que queríamos, era um tipo de amizade rara, confiava completamente nele. Me surpreendi com sua maturidade, com seu respeito, com sua conduta e seu altruísmo. Ele resolveu fazer medicina para salvar o mundo, quando chegou a faculdade sua decepção foi enorme, havia uma total desumanização, os seres humanos eram tratados como máquinas com defeito. Teve que lutar para não se contaminar, mas conseguiu, com a ajuda dele eu percebi a minha alienação, percebi o quanto estava sendo influenciada pelo meio, minha tristeza e meu isolamento. Passei a me entender, a conversar comigo, aprendi a ser feliz sozinha e pelo simples fato de estar viva.
Com o tempo consegui dissernir meu medo de me relacionar, tinha pânico só de pensar em ficar com alguém, queria correr, brigava com a pessoa, se dava certo, fazia questão de mostrar que não era possível e logo conseguia estragar tudo. Contei a ele sobre a minha quedinha por um rapaz que trabalhava na parte administrativa do hospital. Ele me incentivou a falar com ele, eu falei. Comecei a namorar com o rapaz, mas não deixei de estar com Miguel, mesmo com todo o ciúmes que tinha que agüentar.
Com o tempo, sentia minha relação vazia, havia algo errado, quando olhava para ele via uma pessoa vazia, nós quase não conversávamos e descobri que estava me traindo. Senti a dor da traição, mas no fim foi até que bem leve, não o amava. No entanto decidi não perder mais tempo com isso, como de costume me isolei e me fechei de novo.
Foi quando aconteceu, o que parecia quase inevitável para muitas pessoas, estávamos nos despedindo na porta da minha casa, quando eu parei e senti o corpo dele pela primeira vez, sentia minha cabeça em seu ombro, nossos corpo colado, seus braços na minha cintura, nossas pernas se tocando, de repente deixamos de ser dois e passamos a ser um, nos beijamos longamente. No fim senti tanto medo daquele turbilhão de emoções que sai correndo e entrei em casa, tremendo e suando. Apavorada me tranquei no quarto e não quis ver mais ninguém aquele dia. Na semana seguinte fugi dele como o diabo foge da cruz, não queria vê-lo, não atendi aos telefonemas. Por mais que eu quisesse não podia acreditar que aquilo estava acontecendo, um homem como ele jamais se apaixonaria por alguém como eu, nunca isso aconteceria, perderia sua amizade e tudo daria errado.
Miguel não desistiu, então agi como sempre, fui extremamente grossa, tão grossa que agora nem ele queria me ver.
Mas uma semana depois, percebi que se fizesse isso ai sim perderia sua amizade. Então me arrependi mas não tive coragem de pedir desculpas, nesse dia lá estava ele novamente, me esperando na porta do estacionamento, do lado de fora do carro com os braços cruzados me olhando sério.
- Acho que precisamos conversar – disse ele quando me aproximei.
- Acho melhor não nos vermos mais.
- Até nos beijarmos você sempre me dizia tudo que sentia. Do que está com medo agora?
- você não entende não é?
- Se não me contar o que está sentindo nunca vou entender mesmo.
- Tem razão desculpe.
Entrei no carro, ele me levou a um parque bonito da cidade, nos sentamos na grama. Falei para ele tudo que sentia, sobre meu medo, sobre minha covardia e que não acreditava que ele pudesse me amar.
Com muita paciência, ele disse que sempre havia me amado, desde a infância, e faria o que fosse preciso para me ter ao seu lado. Decidimos namorar, quando lembro de tudo que fiz, meu coração dói muito, depois de algum tempo de felicidade, comecei logo a fazer da nossa vida um inferno, ele superou tudo, muitas vezes puxando minha orelha e me mostrando o que eu estava fazendo. Depois de ter consciência, de que fazia tudo por medo de amar, e vendo que não tinha jeito, parei de tentar fugir e me entreguei completamente a ele, nossas almas passaram a ser uma, nós éramos complemento um do outro. Não consigo explicar exatamente o que sentíamos. Eu amava meu melhor amigo, nós sempre falávamos que tínhamos sorte por nos apaixonarmos. Voltei a estudar, cursei faculdade e consegui um emprego melhor, comecei a ajudar nos trabalhos sociais que ele dirigia, decidimos não casar e não ter filhos, não precisávamos de um papel e não queríamos colocar mais uma criança no mundo, nossos filhos eram as crianças que nós cuidávamos, eu era outra pessoa, mais em paz, mais livre e mais alegre, éramos plenamente felizes.
Estávamos juntos a seis anos quando ele foi chamado para ir para a África fazer um trabalho contra uma epidemia, ele aceitou mas não quis me levar junto. Durante quatro anos nos correspondemos por cartas, escrevíamos todos os dias, nossas cartas eram lindas e engraçadas, não me senti sozinha todos esses anos, ele sempre dizia: “- Quem a gente ama, nunca vai embora”. Tinha razão realmente não vai, levamos sempre no coração da gente. Em fim quando ele voltou, nos abraçamos, fizemos amor, nos beijamos, não nos desgrudamos um só minuto.
Um mês depois de seu regresso, estávamos saindo de um teatro, quando fomos assaltados, o rapaz parecia ter uns quinze anos, não reagimos mas ele estava tão nervoso que acabou atirando em Miguel. Ele morreu na hora. Senti tanta dor, ele estava ali inerte na calçada, eu gritava por ajuda, minha roupa estava cheia de sangue, pedia sem parar para ele acordar, mais nada acontecia. A ambulância precisou me sedar para me tirar dali.
Senti um buraco no coração, não tinha ar, passei o velório em estado de choque, por que as coisas tinham que ser assim. Por mais de um mês eu não falava e mal comia. Foi em uma visita a nossa ONG que eu acordei, estava sentada quando uma criança me abraçou e disse que eu não ficasse triste, pois quem a gente ama nunca vai embora. Era a mesma frase que ele sempre repetia. Olhei para os pequenos, vi o rosto de Miguel em cada um deles, me levantei, pela primeira vez depois de meses me senti viva. Ele tinha me ensinado a viver, e pela memória dele não poderia me esquecer disso. Levantei elevei minha energia e continuei minha caminhada.
Me sentia grata por ter vivido um grande e verdadeiro amor, trago ele comigo até hoje, quando olho para o céu, quando cheiro uma flor, quando vejo uma criança sorrir, quando olho para os olhos de uma pessoa boa, sinto sempre que ele está comigo.
Por isso digo para vocês, o amor custa caro, mas vale cada centavo.