Ana Maria, um dia, uma noite em Paris. Ok
Ana Maria, um dia, uma noite em Paris.
Mais um dia. Eu não conseguia tomar uma decisão, minha mãe me cobrava bastante sobre isso desde que minha avó morreu há um mês. As cartas, as malfadadas cartas que herdei junto com o nome: Ana Maria. É claro, o meu era abrasileirado, por implicância do meu pai, pois minha avó se chamava Anne-Marie, era francesa. Não sentia saudades dos seus erres arrastados e sua pronúncia esquisita do Português. Mas, sonhava com as descrições detalhadas dos museus, da Torre Eiffel, catedral de notre-dame. Adorava ouvir suas histórias sobre Paris, a cidade luz, que segundo ela tinha este apelido, porque fora a primeira cidade urbana a ter luz elétrica. Sempre escutei histórias sobre um amor impossível que fez minha avó fugir de Paris em busca dele. No entanto, relutava em abrir as cartas que continham as respostas para muitas das perguntas da minha mãe.
Olhei-te, pela primeira vez, quando passavas pela catedral Notre-dame,então perguntastes a origem do nome notre-dame, então expliquei: que a Catedral de Notre-Dame de Paris é uma das mais antigas catedrais francesas em estilo gótico. Iniciada sua construção no ano de 1163, é dedicada a Maria, Mãe de Jesus Cristo (daí o nome Notre-Dame – Nossa Senhora). Sorriu-me. Fiquei com aquele sorriso entremeado em sonhos vindouros. Depois nos encontramos em variados lugares( museus, cafés). Olhava-me, intensamente, e cumprimentava-me, delicadamente, não sabia teu nome. Estávamos em junho de 1940, A cidade de Paris havia sido ocupada pelos nazistas, seguiu-se a rendição da França, com a ocupação militar do país pelos alemães. A segunda guerra mundial trouxe suas marcas atrozes. Porém, tu vieste com ela.
Foram tempos muito difíceis para os franceses como também para o que vinham de outros países: estudantes, exilados ou visitantes. E tu... Soube por amigos comuns, era um jornalista/poeta exilado do Brasil, pois havia participado da Intentona integralista, uma espécie de golpe que ocorreu em maio de 1938 contra o País, pois viviam numa ditadura comandada por Getúlio Vargas. Nunca conversamos sobre isso, não se discutia política com mulheres. Respeitavas a minha educação e cultura, mas ainda assim eu era uma mulher. O amor entre nós foi inevitável, eu, jovem dezessete anos, estudante de Artes, e tu, um homem culto e sedutor. Fui me perdendo nos teus braços nos encontrávamos em lugares ermos até que me tornei tua amante.
Nunca existiram promessas ente nós. Sabia. Um dia partirias, pois o teu país era a tua vida, Não concebias viver em outro lugar. Esperavas o fim da guerra e o termino da ditadura no teu distante país com intensidade. Se me amavas? Sim, teu amor por mim nunca foi fingido, porém eras uma homem do mundo, não te prenderias a uma menina, uma estudante pobre que dependia de uma bolsa de estudos para permanecer na escola de artes. Escrevia aloucadas cartas para desabafar meus sentimentos. Eu era só, pois tu passavas as noites em debates acalorados com teus amigos brasileiros. Vivia mais tempo na tua pensão do que no meu quarto e sala. Andavas em insanas discussões com teus compatriotas também exilados em Paris. Não entendia muito bem o que estava acontecendo.
Depois das leituras, a única uma coisa que sinto é uma sensação de sufocamento. Então a minha avó, realmente, teve um grande amor brasileiro em Paris... Todas as conversas que escutei atrás das portas eram verdade!! Mas, as desconfianças da minha mãe. Será que era verdade? Ela sempre questionou a tipagem sanguínea dela, dizia que era incompatível com a da mãe e do pai. Sei lá, eu também tenho dúvidas! Minha mãe era a única loira de olhos verdes numa família de morenos de olhos pretos. Amanhã, eu continuo, afinal.
Muitas coisas estavam acontecendo. Eu te perdendo aos poucos. Minhas regras atrasadas, a escola de artes foi fechada. Meus pais me levaram pra casa, num bairro pobre de subúrbio. Mal consigo te encontrar na pensão, já notas a minha barriga crescendo. Porém não falas nada. E a dor se instalando em mim, pois dizes que vais partir logo, parece que teu país estava mudando. A guerra parecia prestes a terminar e no Brasil acontecia uma redemocratização, assim os exilados poderiam voltar. E tu te foste. Um dia, numa noite em Paris e os teus olhos verdes me abandonaram. Não houve adeus, pois me buscarias logo. Todavia, o logo se tornou talvez e talvez se transformasse em nunca mais.
Nossa! Ele tinha olhos verdes. Seriam os da minha mãe? Vou terminar logo.
Meus pais me expulsaram de casa. A Barriga já aparecia, fiquei morando numa pensão. Consegui trabalho, escondendo a barriga, em um navio que viria para o Brasil. Foi uma longa travessia em busca de ti. Quando cheguei a São Paulo, estava com nove meses de barriga. Mal falava Português e não sabia teu nome completo. Era Plínio Luís, mas de que? Perdi-me no Porto de Santos, era um formigueiro de emigrantes vindo de toda a Europa. Indicaram-me uma pensão de imigrantes e lá conheci um italiano muito gentil chamado Giuliano. Ele ajudou-me a te procurar, mas sumiste no meio do nada. Habitava em meio ao um princípio de inferno e final de céu com as tuas lembranças confundidas junto ao desatino da tua busca...
Era o Plínio Luis? Aquele do Modernismo que estudei na escola. E foi na pensão que ela conheceu meu avô. Falta pouco, só tem pequenos bilhetes rabiscados.
Tive minha filha na pensão dos imigrantes com uma parteira que o Giuliano trouxe. Era uma menina linda com os teus olhos verdes indescritíveis. Fui cansando de te procurar, precisava sustentar Giulliana. Empregamo-nos em uma fazenda no interior de São Paulo. Ficávamos amontoadas num alojamento quente e fedorento em que a única privacidade que tínhamos era uma separação entre as camas por cortinas. As noites eram musicadas por gemidos de amor silencioso, único prazer que restava aos casais. Aos poucos, acostumei àquela vida, Giuliano era doce e carinhoso e me fazia feliz. Registrou minha menina como se fosse dele.
Então, minha mãe tinha razão. Tem dois bilhetes.
Ainda havia uma dor calada dentro de mim, quando meus olhos se perdiam naquelas terras, pensava na minha Paris e em ti. Os anos foram se passando, os filhos chegando e tu te tornaste tão distante quanto a lua. Estávamos bem compramos terra e construímos uma bela casa. Giulliana já estava na escola primária, tinha dez anos, quando te vi pela última vez. Eras um deputado conceituado que viajava pela interior, arrecadando votos e visitando as escolas criadas nas fazendas.
Minha mãe o conheceu. Ela sempre falava deste homem. Mas não sabia quem era.
Os iguais se reconhecem. Quando os vi juntos tive certeza, tu sabias que ela era tua filha. Os teus olhos eram únicos e ela os herdará!! Não me aproximei, continuavas lindo, já com as têmporas grisalhas, mas, infinitamente belo. Eu, uma mera agricultura estragada pela vida agreste e pelos cincos filhos. Fui embora, nunca me procuraste para saber de Giulliana. Tu te perdeste pelas esquinas de deste vasto mundo. Estes escritos ficam para esclarecer esta parte da minha vida.
Vou entregar estas cartas pra minha mãe.
De julho a final de outubro de 2009